ACTAS  
 
8/25/2009
Porque precisamos de uma nova política económica
 
Dep.Carlos Coelho
Aproveito alguns minutos que vou ter até apresentar o próximo orador, para dar-vos nota de uma ligeiríssima alteração ao programa e fazer-vos um apelo relativamente aos trabalhos de grupo.

Nós, a seguir à intervenção do Professor António Borges, que ocorrerá o mais tardar às 17H, de acordo com as regras, vamos ter a seguir uma pequenina explicação técnica de 15 minutos sobre o vosso trabalho de grupo. Portanto, vamos hoje excepcionalmente sair da sala uns 15 a 20 minutos mais tarde do que devíamos o que significa que os trabalhos de grupo em vez de começarem às 5H30, vão começar com o mesmo atraso que nós tivermos no final da sessão. Porquê? Porque na conversa ontem com os vossos coordenadores apercebemo-nos que pode haver alguma diferença entre os grupos relativamente à utilização das tecnologias de edição de vídeo e como o trabalho de grupo, como já sabem, (presumo que já terão trocado impressões), vai centrar-se na elaboração de 1 vídeo de 2 minutos, com vários temas mas com particular destaque no combate à abstenção dos jovens, isso significa que devemos ter todos a mesma base de informação de partida e portanto aquilo que nós vamos fazer às 17H é uma breve explicação do que é que se pretende com o trabalho de grupo e algumas luzes sobre como fazer.

As pessoas que vos vão falar, que é a equipa do UVTV, podem parecer-vos muito exigentes, porque vão-vos dizer como é que as coisas são feitas, com cabeça, tronco e membros. Vão dizer-vos provavelmente que se vai ter de começar por ter um guião, ter que fazer um storyboard, isto é, tentar ligar o guião às imagens que vocês querem ter no vídeo, que vão ter que definir os locais de filmagem, preparar os personagens, etc., imaginar os adereços. O que é verdade é que vocês vão ter pouco tempo para isto. Na prática vocês vão, entre hoje e amanhã ter que concluir o vídeo, e portanto, como o tempo vai ser curto vão ter que ver das etapas todas, o que é que é mais importante.

Mais do que as questões técnicas o que nós queremos é que vocês se centrem na mensagem fundamental. E a mensagem fundamental é o que querem transmitir com aquele vídeo, fazerem o melhor que puderem no curto espaço de tempo que têm à vossa frente. A apresentação do trabalho vai ocorrer na forma escrita na quarta-feira à noite até às 24h, isso foi dito aos vossos coordenadores. Vocês têm que fazer uma breve sinopse, de 240 a 250 caracteres, que resuma o vídeo, e têm que apresentar uma proposta de divulgação, de difusão, um plano de marketing, se quiserem. Esses documentos têm que ser apresentados até quarta-feira à meia-noite. O vídeo será apresentado na assembleia-geral extraordinária que ocorrerá às 14h30 de quinta-feira. E a apresentação tem um formato muito simples: cada equipa que tem que apresentar o seu vídeo, nós vemos o vídeo, dois minutos. A seguir têm três minutos para explicar qual é a sua estratégia de divulgação e depois há o grupo mau que vai atacar, que vai dizer o que é que não gostou no vosso vídeo e vai fazê-lo com convicção e espero que com justiça. Portanto a lógica não é um exercício de demagogia, é apontar o que é que não funcionou, o que é que podia ter sido melhor. E, depois, há grupo bom, que é um grupo que vai defender as partes positivas do vosso trabalho, e de certa forma, vai fazer o contraponto com o grupo mau.

Quer o grupo bom, quer o grupo mau dispõem de dois minutos e meio para fazer as suas intervenções. Os ataques e as defesas podem incidir quer no vídeo quer na estratégia de divulgação. Portanto eu posso ter gostado do vídeo mas achar que a estratégia de divulgação está incorrecta, ou exactamente o contrário portanto o grupo mau só tem que assinalar as coisas negativas de que não gostaram e o grupo bom só tem que assinalar as coisas positivas que apreciaram. Esta vai ser portanto a lógica do trabalho de grupo.

Eu, ontem, referi aos vossos coordenadores que vamos ter situações desiguais de grupos para grupos. É possível que haja grupos em que haja muitos membros que tenham telemóveis com capacidade de filmar e portanto têem diversos instrumentos de recolha de imagens. Como alguns grupos já perguntaram e nós já respondemos, é licito recolher imagens na NET. Em segundo lugar há grupos de têm pessoas que já estão habituadas à edição de vídeo, ao movie maker, a software parecido, e outros em que isso não existe. Para que não haja essas desigualdades, a organização tem algumas câmaras rudimentares que podemos emprestar aos grupos que não tiverem outras fórmulas de recolher imagens, portanto grupos em que nenhum membro tem telemóveis, com capacidade, nós temos 2 câmaras pequeninas que podem ser emprestadas a diversos grupos para fazer as filmagens que forem necessárias.

Temos uma equipa de três pessoas que estão no UVTV, em que o pivô mais importante, que é o que está mais disponível, é o Frederico, que estará em condições de ajudar os membros dos grupos que queiram resolver dúvidas sobre a edição electrónica. Isto é, quem nunca fez edição em movie maker ou tem algumas dúvidas, ou para aqueles que já conhecem bem o movie maker, há cinco computadores lá em cima que têm um programa mais sofisticado de edição do que o movie maker. Isso será referido daqui a pouco pela equipa do UVTV que vos vai explicar como é que vão fazer os vídeos.

Eu peço-vos desculpa, de certa forma, vocês vão ser cobaias. Nós nunca fizemos um trabalho de grupo com estas características, os outros trabalhos de grupo foram muito diferentes. É a primeira vez que fazemos um trabalho de grupo muito centrado nestes novos instrumentos, nas novas tecnologias e prevendo a sua divulgação pela Internet, portanto é uma experiência que estamos a fazer que vocês vão avaliar. Vão ter que executar a experiência, vão avaliá-la, vão depois ajudar-nos a dizer o que é que correu pior e o que teremos que corrigir. Se prosseguirmos noutras edições da Universidade de Verão, em trabalhos de grupo ou iniciativas deste género. Alguma dúvida sobre aquilo que eu acabei de dizer? Muito bem. Presumo que provavelmente os vossos coordenadores já teriam dito alguma coisa sobre isso, na sequência da reunião de ontem.

Hoje à meia-noite, provavelmente onze e meia/ meia-noite, vamos reunir outra vez com os vossos coordenadores para fazer mais um sorteio que será o sorteio dos temas. Vocês no sábado vão ter as simulações de Assembleia. As simulações vão ocorrer na manhã de sábado e na primeira parte da tarde de sábado, sendo na segunda parte a aula com o Professor Marcelo Rebelo de Sousa. Eu não quero antecipar grandes detalhes, porque não quero que vocês fiquem bloqueados com a informação excessiva, sobretudo antes dela ser necessária, mas gostaria só de dizer o seguinte: o que vamos fazer hoje à noite com os vossos Coordenadores são duas coisas: uma é seleccionar por sorteio os temas. Há dez temas na Universidade de Verão que estão pré seleccionados e serão distribuidos por sorteio. Cada grupo ficará com um tema e com uma missão que é a missão de defender uma determinada opinião sobre esse tema. Se o tema for a “liberalização das drogas leves”, significa que o Governo que ficar com esse tema, que tem que apresentar propostas para defender a “liberalização das drogas leves” e vamos atribuir missões aos dois grupos da oposição. Cada assembleia tem um governo e 2 oposições e a mecânica da assembleia é muito simples. Onde nós estamos sentados estará o governo: nesta primeira fila estarão os grupos da oposição e todas as outras filas serão ocupadas pelos restantes sete grupos, que nós chamamos grupos neutros. Os neutros nas assembleias vão poder manifestar-se embora com conta peso e medida são eles que votam. São os sete grupos neutros que vão dizer quem ganhou o debate: se ganhou o Governo, se ganhou a oposição um ou se ganhou a oposição dois.

A lógica da formulação da proposta, significa que cada grupo tem autonomia para fazer uma de três coisas: ou para fazer um documento de orientação política geral, a que chamamos Programa do Governo, ou para fazer uma coisa mais precisa que chamamos Resolução de Conselho de Ministros ou um documento ainda mais articulado chamado Proposta de Lei. Vocês dir-me-ão, e com razão, provavelmente, que nenhum daqueles que está nesta sala, fez alguma destas três coisas: não ajudou a escrever um Programa do Governo, não fez uma Resolução de Conselho de Ministros, nem fez uma Proposta de Lei. Nós não queremos uma coisa muito sofisticada, mas queremos uma coisa com sentido. Portanto vamos dar-vos três exemplos: um exemplo, dum Programa do Governo, de uma Resolução do Conselho de Ministros e de uma Proposta de Lei. Vocês portanto têm templates, têm exemplos para perceberem qual é o tipo de documento, mas é a vossa decisão livre que determinará se fazem uma ou outra das três hipóteses que têm pela frente.

Não têm nenhum tipo de penalização por escolherem qualquer uma delas, ou seja, para efeitos de simulação de Assembleia todas têm a mesma dignidade, seja o Programa do Governo, seja a Resolução do Conselho de Ministros, seja a Proposta de Lei e essas são as questões ligadas à organização da Assembleia.

Além do sorteio dos temas, hoje à noite, vamos também sortear as equipas, isto é, quem é que vai fazer oposição a quem, quem será a oposição um e a oposição dois em cada um dos temas. Como vocês estão a perceber, como têm autonomia de construir o vosso texto, como as oposições têm que conhecer o vosso texto antes das Assembleias, vai haver aqui um período de sobreposição que vai ser na quarta-feira, em que vocês ainda estão a trabalhar para o filme e vão ter que já começar a trabalhar para a Assembleia. Portanto sugiro-vos que sejam inteligentes a arrumar o vosso tempo e a distribuir as tarefas no grupo para terem a melhor eficácia possível. E não vos garanto, (nesta universidade em que todos os dias haverá surpresas) que não haja outras missões que, por acaso, venham a cair em cima dos vossos grupos, entretanto. Portanto não tenham a ilusão de pensar que vão ter muitos tempos livres, porque a verdade é que assim não é. E creio que, dito isto, estaremos em condições de apresentar o próximo orador que foi aliás muito citado na intervenção da manhã quando vocês faziam perguntas de natureza económica e o Dr. Miguel Monjardino dizia “estou muito contente por ouvir o Professor António Borges à tarde, porque estas perguntas vão directamente para ele”.

 
Pedro Rodrigues
É para nós um privilégio ter connosco o Professor António Borges, de resto não é a primeira vez que está connosco na Universidade de Verão.

O hobby do Professor António Borges é a agricultura e a natureza.

Comida preferida: cozido à portuguesa, cozinha portuguesa, perdão, especialmente peixe grelhado vejam bem a dimensão do meu engano.

O animal preferido: o cavalo 

O livro que sugere "Development as Freedom",

Filme que sugere: “A vida dos outros”, “Crash - No Limits”

Principal qualidade que mais aprecia: espírito de iniciativa e gosto por trabalho em equipa.

O Professor António Borges como sabem, um reputado economista, além de ser actualmente o vice-presidente do Partido Social Democrata, e é para nós um enorme orgulho tê-lo entre nós. E, sem mais demoras, dou-lhe a palavra. Muito obrigado.

 
Prof. Dr.António Borges
Muito boa tarde a todos. Espero que estejam a ouvir-me bem, aqui com este ‘microfonezinho’. Então lá atrás, tudo bem ?

Em primeiro lugar, tenho muito gosto em estar aqui nesta Universidade de Verão. É a segunda que eu venho.

O ano passado foi excelente, e este ano será, com certeza, melhor. Peço desculpa de ter chegado um bocadinho atrasado mas eu vim de Caminha. Tenho a impressão que é difícil vir de mais longe e apesar destas auto-estradas todas com que o Eng.º Sócrates nos vem brindando, ainda calculei um bocadinho mal e cheguei mesmo em cima da hora. Mas espero que não haja inconveniente de maior, temos uma longa tarde à nossa frente. Eu tinha preparado, em lugar de fazer uma apresentação tradicional, tipo conferência, até porque isto aqui no Alentejo estamos em plena hora da sesta, não é? Eu achei que era melhor fazermos um debate. E aquilo que me proponho, portanto, é ouvir as vossas opiniões e discutir convosco aquilo que me parece do meu ponto de vista, com o qual vocês poderão concordar ou não.

Em matéria de economia toda a gente sabe alguma coisa, muitos sabem até muita coisa. Já agora, quantos economistas há aqui na sala? Incluindo os estudantes de economia está claro. Muito bem, muito bem, muito bem. Já dá para animar, pelo menos alguns terão a responsabilidade de responder às perguntas. Como eu disse, toda a gente sabe bastante destas matérias e portanto vamos ter a oportunidade de ter aqui um bom debate.

E a razão pela qual me interessa mais este formato é que de facto, em matéria de economia e política económica, há no nosso país uma extraordinária confusão. Uma extraordinária confusão, porque se avançam diagnósticos muito diferentes uns dos outros e políticas económicas, evidentemente também muito contrastadas, porque elas são baseadas em diagnósticos muito diferentes, e daí resultar uma confusão tremenda sobre aquilo que o país precisa ou não precisa.

Não há uma grande clareza de pontos de vista sobre quais são os problemas fundamentais e muitas vezes avançam-se com soluções e propostas que em meu entender até são contraproducentes. Isto é particularmente confuso, porque muitas vezes diz-se: “mas se outros países estão a fazer isto porque é que nós não fazemos o mesmo?

Mas portanto muitas vezes avançam-se com soluções e propostas que são aquelas que estão a ser postas em prática noutros países e pergunta-se porque é que em Portugal não se faz o mesmo.

O que é bom para a Alemanha ou para os Estados Unidos não é bom para Portugal. Isto resulta, precisamente, de nós termos problemas muito diferentes, muito mais específicos do país e infelizmente muito mais difíceis de resolver e portanto precisamos de uma política económica completamente diferente, não só daquela que tem vindo a ser seguida até agora mas em grande medida também daquela que os outros países estão a seguir.

Os nossos problemas também não são únicos. São, por exemplo, muito parecidos com os da Espanha, são muito parecidos com os da Grécia, de alguns outros países, mas são especiais, não são os mesmos que tem a Alemanha e os Estados Unidos e portanto temos que ter uma compreensão clara desta situação.

Em segundo lugar, convém também ter presente que a política económica portuguesa vai ser um tema muito, muito difícil, muito complexo, mas extraordinariamente importante porque nós não estamos numa pequenina crise conjuntural da qual vamos sair, como os outros países todos vão sair. Estamos com problemas muito profundos, que chegaram a um ponto em que já é legítimo pensar se há uma recuperação possível, portanto, isto para lhes dar uma ideia da gravidade da situação. Nós temos neste momento o nosso país com problemas, de tal maneira sérios, como já vamos começar a discutir a seguir, que é legítimo pôr-se esta pergunta ‘ainda há hipótese ou não? ‘. Por outras palavras, ou bem que nós invertemos a situação muito rapidamente, ou então estamos de facto a caminhar para um abismo, um conjunto de dificuldades que se podem verdadeiramente tornar insuperáveis.

Isto não é uma coisa sem precedentes, já aconteceu em vários países, aliás também está a acontecer actualmente. O exemplo que eu sempre dou, o da Itália do Sul, o famoso Mezzogiorno, que é uma zona que faz parte de um país riquíssimo, como é a Itália, mas que está estagnada, parada, sem desenvolvimento, sem perspectivas, sem potencial, há décadas e décadas e é isso que pode acontecer ao nosso país se nós não invertermos rapidamente a tendência. E isto é um problema que não é para mim, é um problema que é para vocês, porque, enfim, eu já tenho a minha vida organizada, não é, já fiz o que tinha a fazer, vocês é que em termos de carreira profissional, em termos de potencial de desenvolvimento, em termos daquilo que os jovens do país podem esperar é que ficam extraordinariamente limitados se nós acabarmos como o Mezzogiorno também. Por outras palavras, é o futuro do país que está em causa, não é o presente. E de facto, as dificuldades com que nós nos debatemos, são de tal maneira sérias que podemos começar a questionar sobre qual será o futuro de Portugal, qual será o grau de independência económica que o país tem. Será que alguma vez vamos conseguir concretizar o nosso potencial, que existe, que é extraordinário mesmo. O nosso potencial de desenvolvimento com a actual política económica é impossível. O que é que nós podemos fazer para mudar? E com que rapidez é que isto tem que ser feito?

Já agora deixem-me dar aqui uma outra nota, há um outro ponto muito importante, como vão dar-se conta rapidamente ainda durante esta semana, é que mesmo em termos daquilo que nós, PSD, podemos fazer quando formos para o governo, o que, se tudo correr bem, será daqui a uns dias, não é verdade? Não é evidente, como vão ver pela apresentação do nosso programa, não é evidente que haja muita coisa que se possa fazer porque a situação é de tal maneira difícil, os problemas são de tal maneira grandes, que a margem de manobra que o Governo, que o futuro Governo vai ter é muito limitada e o programa do PSD é deliberadamente prudente precisamente porque nós não sabemos completamente qual é a situação exacta em que o país se encontra, nomeadamente naquilo que respeita ao Governo, às contas públicas, etc., e portanto temos de ter uma certa cautela, não estar a propor, sabem que esta é a regra fundamental da nossa Presidente, não estar a propor coisas que depois não consegue concretizar, e portanto começamos com uma atitude de prudência. Aqui nesta discussão, podemos ir mais longe, e podemos falar de medidas mais radicais e daquilo que nós gostaríamos de fazer se houvesse realmente essa possibilidade e que reporia o país mais rapidamente no bom caminho.

Vamos então começar, eu propunha começar por perguntar-vos, em vossa opinião quais são então os problemas principais com que o país se defronta? E vamos ao centro da questão, questões económicas evidentemente, qual é em vossa opinião, quais são, em vossa opinião, os problemas que vocês apontariam como número um?

 
Dep.Carlos Coelho
Peço desculpa. Ok, levantam o dedo, o Professor António Borges diz quem é que fala, quem fala carrega no botão, dão o nome, já conhecem o registo, senão não fica na acta.

 

 
André da Silva Mota
André Mota. O nosso deficit, a nossa divida externa.
 
Prof. Dr.António Borges
Portanto, presumo que está a falar em deficit externo, é isso? Por oposição àquilo que muitas vezes se fala que é o deficit público, são coisas muito diferentes. Já agora o que é o deficit externo? Explique lá.
 
André da Silva Mota
É, a nossa dívida…
 
Prof. Dr.António Borges
Deficit e dívida não é a mesma coisa
 
André da Silva Mota
O nosso deficit, aquilo que nós conseguimos, neste momento temos uma carência, em termos de produtividade, compramos muito…
 
Prof. Dr.António Borges
Não, não quero a explicação, quero a definição. O que é o deficit externo?
 
André da Silva Mota
Aquilo que devemos para com… Aquilo que pedimos emprestado, a definição…
 
Prof. Dr.António Borges
 Isso é como é que ele se paga!
 
André da Silva Mota
Deficit…
 
Prof. Dr.António Borges
Vamos tentar outro?
 
André da Silva Mota
Sim.
 
Guilherme Diaz-Bérrio
O meu nome é Guilherme, e o deficit externo é basicamente a diferença entre o que o país consome, o que o país pede do exterior em bens, e o que o país vende e depois se tivermos um deficit temos de o financiar vendendo activos.
 
Prof. Dr.António Borges
Exactamente. Portanto o deficit externo tem que ver com os pagamentos e recebimentos do estrangeiro. Todos os países do mundo, importam e exportam não é verdade?! Importam e exportam bens e serviços, importam e exportam bens por um lado e serviços por outro, e também há outro tipo de pagamentos que tem que ver com outro tipo de receitas, por exemplo, aquilo nós pagamos aos estrangeiros pelo capital que eles nos emprestam ou aquilo que nós recebemos da União Europeia de transferências dos orçamentos comunitários, etc., portanto temos aqui um conjunto de pagamentos e recebimentos com o estrangeiro, que todos os países têm, e que resulta na chamada balança de pagamentos em termos correntes, não é? E quando essa balança é deficitária temos um deficit. Um deficit portanto significa que nós temos de pagar ao exterior mais do que aquilo que recebemos, não é verdade? Isto é, nós vendemos ao exterior menos do que aquilo que compramos, em termos muito gerais, entendidos?

Ora isto não é normalmente um problema muito grave, já foi. Em Portugal já foi, um problema muito grave, noutros tempos, em várias épocas. No pós 25 de Abril, Portugal já teve deficits externos bastante grandes, não sei se alguma vez tão grandes como os actuais mas próximo disso. E de facto situações em que estávamos em ruptura porque não tínhamos dinheiro para pagar aquilo que importávamos. Isto é, consumíamos de tal maneira, importávamos de tal maneira, que as nossas exportações não chegavam para pagar aquilo que importávamos nem tínhamos maneira de pagar as importações, estivemos em situação de ruptura várias vezes, não é verdade?

Ora bem, hoje a situação é um bocadinho diferente, é mais fácil financiar este deficit externo, porquê? Calma, agora ficamos limitados a um?

Porque é que hoje o problema do deficit externo não é tão difícil como noutros tempos? Noutros tempos, há uns 20 anos atrás, nas grandes crises cambiais do país, nós ficávamos sem moeda para pagar ao estrangeiro, ficávamos sem reservas internacionais para pagar ao estrangeiro, hoje este problema não existe, porque estamos no Euro. Muito bem, isto é, hoje a moeda é a mesma em todos os países, já não há um problema cambial, já não precisamos de comprar moeda estrangeira para pagar o nosso deficit externo, e portanto, pagamos com a mesma moeda que toda a gente utiliza na Europa, ou pelo menos na “Eurolândia”, e o problema cambial desaparece. Em qualquer caso, se vendermos menos do que aquilo que compramos, é evidente que temos de arranjar dinheiro para pagar aquilo que compramos, não é? E como é que se financia o deficit externo? Lá atrás, diga lá o seu nome.

 

 
Carlos Lúcio
Boa tarde, o meu nome é Carlos Lúcio, faço parte do grupo cinzento e uma das formas de financiamento do deficit externo é através da emissão da dívida pública. Não?
 
Prof. Dr.António Borges
Não, infelizmente, enganou-se. Só tem razão em parte. Só tem razão em parte. A dívida pública é emitida pelo Estado. É a forma como o Estado financia o seu deficit, que é o deficit público. Não confundir deficit público com deficit externo, são duas coisas diferentes. Isto é um ponto muito importante. Quando eu comecei por falar na enorme confusão que reina na discussão da política económica portuguesa, muita gente confunde de facto deficit público com deficit externo, dívida pública com dívida externa, são coisas diferentes, não é verdade? O deficit público é aquilo que o Estado gasta a mais do que aquilo que recebe, e financia aumentando a dívida pública, não é? Emitindo dívida pública. O deficit externo é aquilo que o país gasta a mais, não é só o Estado, é o país, é o Estado, são as famílias, são as empresas, é toda a gente em conjunto, gastam a mais em compras do exterior, acima daquilo que vendem, e portanto financiam isso com…
 
Carlos Lúcio
Dívida externa?
 
Prof. Dr.António Borges
Nome?
 
Carlos Lúcio
Carlos.
 
Prof. Dr.António Borges
Com dívida externa, justamente. O que é dívida externa? É o endividamento externo do país, isto é, o financiamento externo que é fundamentalmente em Portugal através do crédito bancário, isto é, a grande maioria do dinheiro que vem do estrangeiro todos os anos para financiar aquilo que compramos a mais é crédito bancário. Isto é, os nossos bancos, os bancos portugueses, vão ao estrangeiro, endividam-se no estrangeiro, junto de outros bancos ou de outras entidades internacionais no mercado de capitais internacional, não interessa, e vão buscar crédito, com o qual depois alimentam as despesas excessivas da economia e que permite, de facto, pagar as importações excessivas que o país tem. E portanto, de facto, à medida que o país vai gastando mais do que aquilo que produz, vai comprando ao exterior mais do que aquilo que vende ao exterior, vamos ficando com um deficit externo muito grande que se vai traduzindo num aumento todos os anos da chamada divida externa, isto é, do crédito que nós obtemos do estrangeiro para pagar as nossas despesas.

Para voltar a clarificar aquela questão da dívida pública, o Estado também gasta de mais, o Estado também precisa de se endividar, o Estado também precisa de obter crédito, emite dívida pública, uma parte dessa dívida pública pode ser comprada por estrangeiros e de facto entra no país e ajuda a financiar o deficit global do país. Mas o deficit global do país é muito mais, é muito diferente do deficit público, e é financiado pelo crédito, fundamentalmente bancário. São os bancos portugueses que vão ao estrangeiro buscar financiamento para alimentar este consumo excessivo. Devo dizer-vos que isto não é necessariamente mau, ou poderia não ser mau, assim é que é. Quando nós entramos no Euro, como todos os países que entraram no Euro, um dos objectivos principais do Euro é que o capital possa circular livremente na Europa, é que todos os países possam ir buscar capital quando precisam, ao estrangeiro, se for caso disso, ou quando têm capital a mais, os países que de facto poupam mais do que aquilo que gastam, quando têm capital a mais que possam investir esse capital noutro pais europeu, sem riscos cambiais, sem problema da taxa de câmbio, sem incerteza, sem nada dessa insegurança, não é verdade?! Portanto a ideia da criação do Euro, de ter uma única moeda na Europa, foi justamente facilitar a cada país ter uma balança de pagamentos mais ou menos desequilibrada ou superavitária ou deficitária, e depois o Euro cá estava para ajudar a financiar esses desequilíbrios. E até era útil, é útil, que alguns países tenham superávitos e outros deficits, e em particular que o capital vá circulando, por forma a ser aplicado onde for mais produtivo. E especialmente os países mais atrasados que estão mais na cauda do desenvolvimento europeu deviam normalmente ter uma entrada de capital, para os ajudar a crescer mais depressa. Portanto não estaria errado que Portugal tivesse um deficit externo que lhe permitisse financiar mais despesa, desde que essa despesa fosse bem feita, estão a perceber? Desde que, de facto, essa entrada de capital do estrangeiro viesse permitir um crescimento económico mais rápido, por outras palavras, desde que essa entrada de capital do estrangeiro fosse para investimento, em especial para investimento produtivo que fizesse o país crescer mais rápido e que desse ao país as condições para pagar ao exterior a dívida externa à medida que ela se vai acumulando, não é?! Ora, infelizmente, não é esse o caso porque nós temos um deficit externo muito grande, cada vez maior, e não temos crescimento económico quase nenhum, já há muito tempo, não tem nada que ver com a crise actual, não é? E portanto o nosso problema não é tanto o termos um deficit externo, é que nas razões que explicam esse deficit externo não estão as razões virtuosas. Pelo contrário, está um dispêndio de recursos que não é eficaz, que não gera crescimento económico, e portanto o país vai-se endividando, cada vez mais, todos os anos, a um ritmo recorde, diga-se de passagem, sem em paralelo ter as condições para um dia pagar essa dívida ao estrangeiro. Por outras palavras estamos a acumular um problema que começa a ser gravíssimo e daí eu estar a falar em se pôr a questão de se temos a possibilidade de andar para trás ou não, isto é, de recuperar esta situação ou não.

À medida que o deficit se vai verificando vamos portanto acumulando dívida em relação ao estrangeiro, não é verdade? Isto tudo... Mas portanto, vamos acumulando dívida externa em relação ao estrangeiro, hoje em dia esta dívida externa já atinge um valor de aproximadamente quanto? Quem sabe?

 

PLATEIA – 100%

 

PROFESSOR ANTÓNIO BORGES – Exactamente, esse é um número que convém ter presente. O país trabalha um ano inteiro, produz rendimento, toda a gente, todos juntos produzem um rendimento o ano inteiro, somam os salários, os rendimentos, os vencimentos, os lucros, as rendas, tudo, somam tudo e isso mal chega para pagar o total da dívida externa do país. Já estamos a um nível absolutamente recorde e há poucos países no mundo que alguma vez tenham tido dívidas externas tão grandes. Isto é um ponto que convém ter presente, isto é de uma gravidade extrema. E agora a pergunta seguinte que eu faço é esta, porque é que continuamos a ter crédito? Porque é que os estrangeiros continuam a emprestar-nos? Se eles sabem que temos um deficit tão grande, de tal maneira grande que é possível que nós tenhamos muitas dificuldades em pagá-lo, como é que continuamos a ter tanto crédito com tanta facilidade. Já não é tão fácil as condições de acesso ao crédito, quer por parte do Estado, quer por parte dos bancos, etc., ao crédito externo, estão-se a tornar cada vez mais caras, gradualmente, mas mesmo assim continuamos a ter bastante crédito, não é? Porquê?

 
Ricardo Campelo de Magalhães
Bem, porque estamos na zona euro!
 
Prof. Dr.António Borges
Porquê?
 
Ricardo Campelo de Magalhães
Porque estamos na zona euro. Porque senão já não tínhamos credibilidade para isso.
 
Prof. Dr.António Borges
Sem sombra de dúvida, se não estivéssemos na zona euro e tivéssemos o risco cambial isto há muito tempo que tinha parado, como parou em 82, como parou em 77, quando o Fundo Monetário Internacional veio tomar conta do país e governar as finanças portuguesas, etc., porque nessa altura estávamos em ruptura cambial. Hoje esse problema não se põe, portanto, isso é uma condição mas não é a única, eu também se tiver uma empresa em Portugal que começa a ter prejuízo sem devida e sistematicamente os bancos em determinada altura vão-me dizer “não lhe empresto mais dinheiro” por mais que seja na mesma moeda, não é, portanto não chega como explicação.
 
Ricardo Campelo de Magalhães
E pagamos uma taxa de juro mais elevada?
 
Prof. Dr.António Borges
E o crédito vai-se tornado gradualmente mais caro quando pedimos ao estrangeiro. Aliás talvez se recordem, no ano passado, princípios deste ano, quando se pôs o problema da crise financeira, a primeira medida que o governo português tomou foi dar o aval ao crédito externo dos bancos portugueses, porque se alguma vez os bancos portugueses ficassem sem crédito externo então é que a economia parava por completo, não é? Nós estamos visceralmente dependentes do crédito externo, o problema é que, no qual nos deixamos cair e agora não tem solução fácil. Mas mesmo assim temos de perguntar porque é que nos emprestam dinheiro? Reparem, estes números vãoate 2007, 2008 é ainda pior, o deficit externo está acima dos 10% do PIB, portanto nós já estamos todos os anos a pedir emprestado ao estrangeiro 10% do PIB, portanto a dívida que está em 100% está a subir 10% por ano, portanto daqui a 5 anos estará a 150 ou mais, não é? a continuarem as coisas como estão. Como é que os estrangeiros nos emprestam dinheiro? (Você já falou).
 
Jean Barroca
Boa tarde, Jean Barroca, será o nosso património que serve de garantia?
 
Prof. Dr.António Borges
Qual património?
 
Jean Barroca
O património imobiliário que o país tem?
 
Prof. Dr.António Borges
Exactamente, quer dizer, todas as pessoas, todas as empresas têm crédito enquanto puderem dar aquilo a que se chama o colateral, não é verdade? O colateral é a garantia real, é um bem imobiliário, uma empresa, acções, títulos, o que for, não é, que tranquilizam o credor. E é isto que se passa com Portugal. E esta ligação é muito importante fazer-se. Quanto mais endividado está o país mais fácil se torna comprar os activos portugueses, estão a perceber? Porque é que os estrangeiros continuam a emprestar-nos? Porque se nós não pudermos pagar, eles tomam conta. Tomam conta de quê? Primeiro tomam conta dos terrenos, das propriedades, das empresas e depois chega-se a uma situação que realmente já não há muito mais que sobre, não é? E portanto nós não estamos aqui a falar de um problema só económico, não estamos a falar de um problema só de bem estar e prosperidade económica, estamos também a falar de gradualmente irmos perdendo o controle dos nossos activos, uns atrás dos outros, como aconteceria em qualquer empresa, em qualquer família que se endivida excessivamente e de facto acaba por ficar nas mãos dos credores.

Ponto número um, fundamental, o que está aqui em causa é de facto a independência económica do país, o futuro económico de Portugal. Eu não sou particularmente contra o facto de os estrangeiros virem a Portugal e comprarem as nossas empresas, desde que nós também tenhamos condições para ir comprar as deles. E que haja uma racionalização da actividade económica, que empresas portuguesas passem para mãos alemãs ou francesas, ou italianas ou o que for e que empresas italianas e francesas e alemãs também passem para controlo português, desde que a coisa seja relativamente equilibrada. Desde que nós não tenhamos totalidade das nossas decisões tomadas por espanhóis situados em Madrid que são a sede das empresas que entretanto compraram o país ou as filiais das empresas americanas ou alemãs que entretanto tomaram conta do país. Essa parte, é que não é bem para isso que nós aqui estamos, não é verdade? E além do mais, em termos daquilo que é a nossa capacidade de afirmação profissional, iniciativa, desenvolvimentos de carreira e tudo o mais, é evidente que as coisas são completamente diferentes num caso e noutro. Portanto, estamos aqui a falar de uma questão central e mais, muito mais profunda do que a simples prosperidade económica que já de si é suficientemente séria. 

E porque é que eu digo que o problema já é de tal forma que já é difícil recuperar? Porque o deficit é muito grande, a dívida externa já é muito grande, portanto vamos ficar com este número dos tais 100% PIB não é verdade?! O que é que seria preciso para inverter esta tendência?

 
Ilídio Leite
Ilídio Leite, estou no grupo roxo. Provavelmente mudar a balança comercial e começar a haver um superávit da balança comercial.
 
Prof. Dr.António Borges
Exactamente. Nós só conseguimos reduzir a dívida externa, só conseguimos reduzir a dívida externa, se a começarmos a pagar, e para a começar a pagar temos de passar de um deficit para um superávit, isto é, temos de estar a vender mais aos estrangeiros do que aquilo que compramos hoje. E aqui entramos numa questão central, eu agora vou passar um bocadinho de contabilidade, espero que não me levem a mal, são só 30 segundos para ninguém adormecer, mas é aqui que começam todos os cursos de Economia e que é muito importante perceberem desde o principio.

Reparem até que ponto isto é extremamente elementar, isto é matéria que se dá na primeira aula de macroeconomia, no entanto cá em Portugal está muito esquecida.

Comecemos pela definição do PIB , que os economistas normalmente representam pela letra Y, é uma norma, não vamos agora explicar o porquê, não interessa, o PIB tem as seguintes componentes: tudo o que são despesas de consumo, tudo o que são despesas de investimento, tudo o que são gastos públicos, tudo o que são exportações e depois temos de subtrair as importações que não são produzidas por nós como é óbvio, não é verdade? Isto é a definição normal de PIB, Produto Interno Bruto: todos os bens e serviços produzidos no país que chegam ao seu estádio final de produção ou de utilização não é, e o PIB normalmente a maior parte é consumo, 60/70% conforme os países, o investimento pode andar entre os 15/25, os gastos públicos também depende de país para país, as exportações e as importações também. Agora vou só fazer aqui uma ‘contabilidadezinha’ muito simples que é reescrever isto, que é escrever que, só com um pequeno jogo de álgebra, que o saldo do país com o estrangeiro, as exportações menos as importações é igual ao PIB menos aquilo que nós gastamos no país. Estão a ver? Isto é a exportações menos a importações explicam-se pela diferença do PIB e aquilo que nós gastamos cá internamente, em consumo, em investimento, em gastos públicos. Isto é pura álgebra, quer dizer, não tem nada, é a coisa mais simples do mundo, e não é nenhuma teoria económica isto, ninguém pode dizer ‘não estou de acordo’ estão a perceber? Isto é mera aritmética e portanto é sempre assim em todos os países do mundo que o salto comercial que os países têm com o estrangeiro corresponde à diferença entre o que o país produz e o que o país gasta.

Por outras palavras, cada vez que o país tem um deficit, cada vez que o país importa mais do que exporta, então, necessariamente o país gasta mais do que produz. Estão a perceber? Isto é a regra mais importante de todas que nós temos de perceber para perceber o nosso país neste momento: é que Portugal tem despesa a mais, não é a menos, nos estamos a viver muito acima das nossas possibilidades porque estamos a gastar 10% mais do que aquilo que produzimos, e é por isso que temos um deficit de 10% do PIB.

E agora se nós quisermos inverter isto? Como é que nós vamos conseguir passar de um deficit para um superávit? Tínhamos de cortar na despesa 10, 15, 20 % para gerar um superávit de 5 ou 10% não é verdade?

Agora digam-me lá como é que isto é possível. Num país como o nosso, com os problemas que existem, dificuldades sociais que existem, desemprego em níveis recorde e tudo o mais, como é que nos vamos apertar o cinto, cortar a despesa, por forma a chegar a um superávit que nos permita começar a pagar a dívida. Tanto mais que, como toda a gente sabe, se por ventura, para grande desastre do nosso país, a actual política continuasse em vigor, a actual política é precisamente uma política de continuar a gastar. Continuar a gastar, gastar, gastar e não interessa em quê, reparem bem. Praticamente não interessa em quê, tanto faz consumos, como investimentos, como gastos do estado, tudo isto contribui para a despesa excessiva que o país tem e portanto para o endividamento externo e portanto para a dívida externa e portanto para a venda do o país a estrangeiros. Reparem bem, porque é que este é para mim o ponto de partida e o problema central? Porque isto,  nós não podemos escapar. Esta simples igualdadezinha que aqui está é que não podemos escapar. Portanto temos de arranjar uma maneira de lhe dar a volta, não é verdade? Temos de arranjar uma maneira de por um lado parar este endividamento externo brutal, inverter esta tendência de deficit dramática, mas não se pode fazer isto simplesmente à custa de apertar o cinto, isso é impossível, portanto temos de ir encontrar outras soluções. Não é?

 
João Janes
Boa tarde, sou o João Janes, do grupo vermelho, eu penso que nós em primeiro lugar temos de dar muita atenção a um aspecto que o Professor Aníbal Cavaco Silva tem referido várias vezes, que penso que é a racionalização dos nossos recursos, ou seja, nós temos de gastar pensando bem onde gastamos e como gastamos. Por outro lado penso que há outro aspecto importante, que aqui também já foi referido, que é a alteração da estrutura, principalmente da análise da balança de pagamentos, ou seja, eu penso que é necessário não é exportar mais mas exportar produtos e serviços com maior valor acrescentado, ou seja, de facto é uma alteração estrutural que demora algum tempo mas penso que é nesse sentido que nós temos de caminhar.
 
Prof. Dr.António Borges
Muito bem. Portanto, há aqui dois pontos interessantes. O primeiro é que, é um ponto fundamental, é que de facto temos de ter muito mais rigor na maneira como gastamos os recursos porque já não é o facto de termos poucos recursos para gastar, é que não temos nenhuns, é que estamos completamente na dívida. Não há um tostão que se gaste que não venha do exterior, estão a perceber, não há um tostão que se gaste a mais que não tenha de vir do exterior, que tenha de ser financiado com crédito, não é? Portanto nós já estamos numa situação de tal deficit comercial que tudo o que gastamos tem de ser visto à lupa como sendo de uma… Enfim, com critérios de grande exigência. Ora isto, é exactamente o contrário daquilo que os senhores vêem no programa do PS, aquilo que há de mais extraordinário no programa do PS, para quem já gastou algum tempo a olhar para aquele documento, é que não faz escolhas nenhumas. Esta lá tudo. Vamos fazer isto e mais aquilo e mais aqueloutro e tudo é possível, e não há limite e não sei que mais, não é? Não faz sentido, não tem nenhuma seriedade, se quiserem.

O ponto de partida para um país que está numa situação como a nossa é o do país que tem de ter o maior dos cuidados com todo o tostão que gaste e sobretudo tem que pôr a questão: será que este gasto que eu vou fazer vai ser realmente produtivo ou não, vai realmente melhorar a situação do país ou não. Porque se não for só estamos a aumentar o nosso problema número um que é endividarmo-nos cada vez mais e tornar a situação das gerações futuras cada vez mais difícil. Isto era o primeiro ponto, já vou ao segundo

 
Rui Pedro Bento
Rui Bento, grupo cinza: para responder directamente à pergunta do Sr. Professor, a única ou as únicas soluções possíveis para responder, ou para resolver este imbróglio em que estamos é simplesmente aumentarmos a produtividade e a competitividade das pequenas e médias empresas.
 
Prof. Dr.António Borges
Muito bem. Pelo menos há aqui uma pessoa que já leu o programa do PSD, já teve acesso, enfim, ao que nós andamos a dizer desde o princípio. E aqui está a questão, que no fundo tem que ver ali com o segundo argumento que estava a ser mencionado que é que em primeiro lugar, a primeira de todas as prioridades, tem que ser como é que tornamos o país mais produtivo, como é que aumentamos a produtividade, como é que criamos mais valor, como é que evoluímos para produtos com valor mais acrescentado, como é que de facto deixamos de trabalhar com actividades que já não têm aquela posição de mercado que tiveram noutro tempo e pelo contrário vamos para actividades em que os portugueses possam ser mais produtivos, possam criar mais valor, possam de facto realizar o seu potencial produtivo. Porque, isto é simples, basta olhar para esta equaçãozinha outra vez e ver que se nos temos um problema de despesa, temos eventualmente que ter muito cuidado com a despesa e não gastar senão aquilo que é estritamente indispensável para gastar e ao mesmo tempo temos também de ter um grande ênfase na produção e portanto de facto ou bem que, como estamos não podemos continuar. Então, temos duas soluções, ou apertamos o cinto, apertamos o cinto, apertamos o cinto, o que não é realmente solução para conseguir reduzir a despesa, para eliminar o deficit externo ou então tornamos o país mais produtivo e aumentamos o PIB. Porque o PIB pode aumentar, e pode aumentar muito. Nós estamos muito abaixo daquilo que poderia ser o PIB potencial português. Como toda a gente sabe, pelo país fora, toda a gente está muito insatisfeita com a sua actividade produtiva, toda a gente não, mas a grande maioria das pessoas, toda a gente reconhece que poderia estar a fazer muito mais. Em primeiro lugar, desde logo, os desempregados, que como vimos estão a nível recorde, mas não só os desempregados, sobretudo todas as empresas ou a grande maioria das empresas, a grande maioria da capacidade produtiva do país esta muito abaixo daquilo que poderia estar e portanto aqui entramos num segundo tipo de problemas.

Mas deixemos desde já claro este ponto fundamental: não se pode continuar numa política de gastar à ‘tripa forra’ porque não temos maneira de pagar, estamos muito acima daquilo que produzimos, isto traduz-se em deficit externo, que inevitavelmente nos endivida cada vez mais em relação ao estrangeiro, e já estamos num ponto tal de dívida externa que começamos a estar verdadeiramente com a água a subir, subir, subir e depois são os activos portugueses que vão sendo despejados no mercado internacional e vamos perdendo a nossa independência económica. Portanto, não estamos aqui a falar de coisas propriamente marginais, estamos a falar de coisas muito, muito sérias. A única forma, portanto, de resolvermos este problema é ter um grande cuidado com a despesa, fazer uma grande selecção e em particular, uma prioridade absoluta, é tornar o país mais produtivo, tornar o país mais eficaz, criar maior valor, e aqui está justamente a razão principal pela qual desde o primeiro dia que a Dra. Manuela Ferreira Leite tem dito que estes investimentos, estes grandes investimentos e grandes obras públicas são um desastre calamitoso para o país. Porquê? Porque evidentemente são mais despesa, não interessa se é investimento, se é gasto publico, se até é secundário neste momento, acaba tudo por se reflectir no orçamento do Estado. Se quiserem podemos discutir essa matéria, os privados também não são parvos, e não se metem nestes grandes projectos sem garantias do Estado de toda a ordem e feitio, não é? Mas o ponto principal até não é só este, é que esses investimentos são muito pouco produtivos. Se os senhores perguntarem como é q as auto-estradas todas ou o TGV ou o Aeroporto aumentam a produtividade das empresas portuguesas, a resposta é “zero”.

Até podem ter um impacto, mas completamente marginal quando comparado com o montante dos investimentos em questão, e, portanto, pode-se argumentar, eu estou disposto a argumentar se quiserem, que muitos destes investimentos até são contraproducentes, até tornam o país menos produtivo e não mais, por razões de equilíbrio geral que eu depois posso explicar se quiserem. E portanto esta é que é a questão central: como é que nos tornamos o país mais produtivo, como é que as empresas portuguesas, os trabalhadores portugueses, os investidores se tornam tão bons ou melhores do que os alemães ou franceses ou os ingleses. Porque não há nenhuma razão para não serem igualmente produtivos. Aliás basta ver, como sabem vivi muitos anos no estrangeiro e acho extraordinário ver os portugueses lá fora tão produtivos ou mais produtivos do que os que lá estão, os nativos, digamos, os franceses ou os ingleses e portanto não há nenhuma razão, nenhum obstáculo, diga-se o que se disser, fala-se muito na cultura e nos maus hábitos portugueses, isso é tudo mentira. Os portugueses limitam-se a reagir ao ambiente, ao enquadramento em que estão, as empresas não podem fazer milagres quando há uma certa política económica e quando o enquadramento é favorável e positivo, as pessoas são tão produtivas ou mais do que os outras da Europa, portanto não há aqui nenhuma razão para estarmos preocupados com alguma atavismo português ou alguma incapacidade nossa de acompanhar os outros, antes pelo contrário. Agora, quando a política económica é errada então não há nada a fazer, e aliás a melhor prova disto é que em épocas recentes da nossa historia económica temos crescimentos económicos rapidíssimos, dos mais altos da Europa, e até do mundo   a determinada altura, e foi com os mesmos portugueses que agora cá estão, não é verdade? E, portanto, o problema não pode estar aí, tem que estar de facto na forma como somos governados e na forma como o governo orienta as coisas, bem ou mal.

E portanto a questão que vamos aqui tratar agora é esta: como é que tornamos o país mais produtivo, como é que a actividade económica se torna mais eficaz? Mas antes disso, vou só passar aqui um ou dois slides: este é o do deficit externo, portanto, reparem no valor em que está. A Espanha tem um valor muito semelhante ao nosso, um deficit externo muito, muito alto também financiado pela entrada de capitais, menos financiamento bancário, muitas vezes são investidores estrangeiros que investem em Espanha. Os Estados Unidos têm sistematicamente um deficit externo, mas reparem, mesmo o deficit dos Estados Unidos, que toda a gente critica e acha que é uma grande fonte de desequilibro, nunca é mais do que, vá lá, 6%, aqui 4, estão a ver? Nada de extraordinário. O nosso é o dobro disso ou o triplo disso às vezes, não é? E, por ultimo, a zona Euro em geral, isto é, os países da Europa no seu conjunto estão equilibrados, uns têm deficit outros superávit, mas estão relativamente equilibrados. A Europa é uma zona muito sensata na forma como a sua política económica é conduzida. A Europa no seu conjunto claro.

(Isto não tem interesse por ai além, isto também não, o que eu queria mostrar era sobre o deficit).

Este é ponto principal que explica o drama do deficit português. É que esta linha amarela que aqui está é a taxa de poupança portuguesa, ao longo destes anos todos, desde 1988 para cá. Portugal era um país que tinha uma taxa de poupança muito alta e essa taxa tem vindo a diminuir sistematicamente, e agora tornou-se numa das mais baixas do mundo, em particular a poupança das famílias. Isto é, nós infelizmente com a entrada no Euro os juros ficaram muito baixos e começamos a gastar, gastar, gastar, gastar e de facto toda a política financeira deste governo tem sido no sentido de penalizar ainda mais a poupança, de acabar ainda mais com incentivos à poupança e de tornar a vida mais difícil ou enfim o retorno mais baixo para quem poupa.

O PSD, como sabem, sempre propôs um regime de segurança  social em que as pessoas pudessem completar a sua reforma básica com uma poupança pessoal que lhes permitisse ir garantindo um capital que mais tarde lhes completaria a sua reforma da Segurança Social, isso é um incentivo muito forte à sua mudança, que existe em toda a parte do mundo, e em particular nos países mais socialistas que são aqueles que eu, pessoalmente, mais admiro como a Suécia, a Finlândia, etc., etc., que têm regimes destes a funcionar impecavelmente, não é verdade? O Governo português, do Eng.º Sócrates, nunca quis nada com isto e sempre pôs de parte todo e qualquer projecto que o PSD apresentasse nesta matéria, mesmo os mais modestos, mesmo os mais limitados. E depois o outro exemplo que toda a gente já ouviu falar, foi a forma como o Governo, este Governo, eliminou os certificados de aforro que eram um instrumento muito interessante de poupança, de pequenas poupanças para as famílias. Não era para as famílias pobres, mas era para famílias modestas, e enfim com algum rendimento. Podiam pôr algum dinheiro de lado e isso ajudava muito, isso ajudava muito à poupança nacional, ‘pumba’, cortou-se com aquilo precisamente na pior altura, porque o Governo acabou por ter de financiar mais caro para depois pagar os certificados de aforro que teve de reembolsar. Portanto a decisão mais disparatada, admito que tenha havido um bocadinho de má sorte, mas acabou por ser uma das decisões mais disparatadas do país. Portanto reparem que ao nível europeu as taxas de poupança andam aqui nos vinte, vinte e dois por cento, está aqui a Alemanha e a França, isto não se vê muito bem mas, espero que consigam, mesmo lá atrás consigam ver. Os Estados Unidos são um país com uma poupança muito baixa e por isso é um país onde o valor do dinheiro é muito mais alto e onde ninguém tem o direito de utilizar, de esbanjar dinheiro senão é eliminado rapidamente pelo mercado, portanto há um sentimento do valor do dinheiro muito mais forte e uma disciplina de gasto, de investimento muito mais alta.

Quem é que sabe porque é que os Estados Unidos têm uma taxa de poupança tão baixa? É um tema até muito interessante aqui para a juventude portuguesa. Porque é que a taxa é tão baixa? (Tem de dizer o nome).

 
Ilídio Leite
Ilídio Leite, grupo Roxo. Também pelo baixo custo do crédito nos Estados Unidos.
 
Prof. Dr.António Borges
Ah, mas o crédito é ainda mais barato na Alemanha e França e no Japão. O Japão, então, que é o crédito mais barato do mundo, tem a taxa de poupança mais alta do mundo. Portanto, não é essa a razão. Aqui há uma razão, realmente, profundamente cultural. (Nome?)

 RICARDO - Ricardo. Não sei se já foi dito, mas o consumo.

 PROFESSOR ANTÓNIO BORGES – Pois claro. Oiça isso é por definição, não é? Porque poupança é aquilo que não se consome. Portanto, dizer que a poupança é baixa e que o consumo é alto, é mais ou menos a mesma coisa.

 RICARDO - Mas, eu posso não consumir e posso não poupar porque posso investir.

 PROFESSOR ANTÓNIO BORGES – Não, não. Poupança é o rendimento menos o consumo. Portanto tudo aquilo que nós não consumimos é poupança, depois evidentemente que a poupança normalmente é investida, ninguém põe o dinheiro debaixo do colchão não é? E portanto, normalmente a poupança traduz-se em investimento. Mas qual é razão pela qual o consumo é alto, a poupança é baixa, nos Estados Unidos da América?

 
Rui Cepeda
Rui Cepêda, grupo roxo. Porque investem muito?
 
Prof. Dr.António Borges
Não. Isso é… Como eu disse, o investimento inicia-se com a poupança. Eu vou-vos explicar porque é mais rápido assim. É que ao contrario da Europa ou da Ásia, nos Estados Unidos não há nenhuma tradição de deixar dinheiro aos filhos, tirando as grandes riquezas, as grandes fortunas, a grande maioria da população americana educa os filhos, considera que a sua responsabilidade é dar-lhes, se possível, um grau universitário e partir daí, meu amigo, vá à sua vida e que se desembarace e não conte mais com os pais e cada um que se… Enquanto que na Europa existe muito ainda a tradição de no fim da vida deixar um certo pecúlio aos filhos, o que faz uma diferença muito grande em termos de taxa de poupança. Porque nos estados Unidos da América não é que as pessoas não poupem, poupam e bastante, mas depois chegam ao fim da vida e gastam aquilo que pouparam e se tiverem feito aquele timing bem feito, no dia em que morrem não têm nada. Ora isto faz uma diferença muito grande na taxa de poupança do país em média, não é verdade? Enquanto que na Europa há esta tendência de deixar dinheiro aos filhos o que se traduz numa taxa de poupança mais alta. Portanto as questões fundamentais em Portugal é como vamos convencer os Portugueses a poupar mais. Ora isto, e muito difícil numa altura de enormes dificuldades como aquelas que o país atravessa hoje e portanto não é às pessoas que estão desempregadas ou com salários mínimos que se vai pedir para poupar mais. Ainda que em certos países, por exemplo no Brasil que está agora numa fase muito boa de crescimento económico, porque o presidente Lula convenceu os brasileiros que valia a pena poupar dinheiro, notem bem, que é uma coisa notável, mas em Portugal há muita gente que pode poupar e temos que os tratar bem. As pessoas que têm rendimentos que já lhes permitem pôr um pouco de lado e investir em activos financeiros, com boa rentabilidade, isso tem de ser bem tratado, essas pessoas têm de ser cuidadas e acarinhadas e  recompensadas porque isto se transformou num problema dramático do país. (Isto já vimos desculpem). Cá está, isto é o mesmo gráfico. Reparem como a poupança das famílias baixou muitíssimo, já vai só em 6% do PIB e agora reparem aqui num outro tema muito interessante, que são as taxas de investimento. Isto é a taxa de investimento na Europa, na zona euro, mais ou menos 20% do PIB, e isto é a taxa de investimento do EUA que até é mais baixa, um bocadinho mais baixa, o que se compreende porque os americanos poupam menos e portanto têm menos recursos para investir e vá lá que utilizam muito capital estrangeiro para financiar o seu investimento. Isto é a taxa de investimento portuguesa que tem estado, agora é que não, mas que tem estado muito acima daquilo que nós observamos no resto da Europa e dos Estados Unidas da América, estão a ver aqui? Vinte e sete, vinte e oito por cento do PIB, enquanto que a Europa, nesta altura, estava a investir 21% e por aí fora não é? Só agora, recentemente, é que as dificuldades são tantas que o investimento se tornou mais baixo do que aquilo que habitualmente era. O que é que isto quer dizer? Como é que nós explicamos uma taxa de investimento tão alta e um crescimento tão baixo?

 PLATEIA - Mau investimento.

 PROFESSOR ANTÓNIO BORGES – Mau investimento, muito simples, muito bem. Ora bem aqui esta um pensamento que não entra na cabeça do Eng.º Sócrates, para ele todo o investimento é bom, tudo o que se faça nem que seja comprar computadores que não funcionam ou não sei o quê, ou fazer auto estradas onde não passa carro nenhum ou etc., etc., não interessa. Tudo isso é investimento e tudo isso é bom para o país. Isto é uma ideia dramaticamente perigosa até porque estamos a investir muito mais do que os outros, com dinheiro que não temos, que não é nosso, financiado no estrangeiro a preços cada vez mais caros, para investir em coisas que não são produtivas. Os outros com metade, com metade não digo, mas em relação aos estados Unidos, quase metade, consegue um crescimento económico muito mais rápido do que nós. Portanto há aqui um problema muito – (1 minuto inaudível) – Central do país é uma questão de eficiência, estão a perceber? Não é uma questão de termos investimento ou de precisar de gastar mais para pôr a economia a avançar, não, não, não. Precisamos é de pôr a economia a produzir não é a gastar, pôr a economia a produzir, e a produção depende da qualidade daquilo que se faz, da qualidade do investimento que se faz e da forma como se ajudam as empresas portuguesas, fundamentalmente eliminando obstáculos, que é o problema principal, a tornarem-se mais produtivas, mais eficazes e mais competitivas. Isto é mais uma vez comparação de taxas de investimento, taxas de investimento mais altas que nós na zona Euro, incluindo mesmo os Estados Unidos, só a Espanha e a Irlanda. Espanha e Irlanda têm um problema idêntico ao nosso, investimento altíssimo, muito pouco produtivo e mobiliário em excesso, quer na Espanha, quer na Irlanda, mas sobretudo em Espanha e depois quando não aparecem operadores, quando aquilo realmente se revela excessivo é evidente que a crise não pode deixar de se concretizar. Em Portugal uma parte deste investimento é também investimento em habitação que fez falta. Nós tínhamos um deficit brutal de habitação que entretanto desapareceu, portanto esse tem ao menos uma componente social que tem toda razão de ser agora ao mesmo tempo que estávamos a recuperar do nosso deficit habitacional brutal também estamos a fazer investimentos loucos em obras públicas que realmente o país não precisava, não ficou nada para investir na indústria, enfim, em termos, exagerando um bocadinho, em termos caricaturais, não ficou nada para a industria, daí não admira que o país tenha o problema, o drama de crescimento que tem. Aqui só um indicador de qual é o nível de endividamento, o endividamento do país é o reflexo do endividamento de todos nós, das famílias, das empresas, do Estado e tudo o mais. Reparem como o endividamento tem vindo a crescer loucamente: a azul é o endividamento dos particulares, a cor de laranja o endividamento das sociedades não financeiras, portanto as empresas todas, menos os bancos e as companhias de seguros, portanto reparem como o país se foi habituando a viver com dívida, divida, divida não é verdade? O que de facto é uma espécie de fuga para a frente, não é? Em lugar de uma exigência de produtividade, eficiência, competitividade, etc., não! Vai-se buscar mais crédito, daí que uma das grandes diferenças que nós temos em relação ao PS nas medidas que foram tomadas para acompanhar a crise, é que o PS facilitou às empresas mais crédito ainda, portanto é mais do mesmo vício, mais da mesma droga, se quiserem, para ajudar a resolver o problema. Não resolve nada. Só se resolve quando as empresas se tornarem mais eficientes, mais rentáveis, economicamente mais eficazes, etc., não é?

E aqui, este tema já falamos é a balança de pagamentos portuguesa, aqui em baixo está o deficit, corrente e aqui em cima esta a maneira de o pagar. Paga-se em parte pela entrada de capital, dos estrangeiros que investem no país e depois pelo endividamento bancário, que é a chamada balança financeira, ou endividamento bancário no exterior, que a soma destes dois é o simétrico disto, estão a ver? Ao nível zero, e a soma destes dois é o simétrico disto e portanto é evidente que grande maioria de um deficit que cada vez se torna maior é financiado através de um financiamento externo, do crédito bancário que evidentemente nos põe numa posição cada vez mais difícil. (Bom, isto é um tema que depois vamos ver a seguir).

Muito bem, ponto seguinte agora, como é que se torna o país mais produtivo? Isto é, como é que nós aumentamos o PIB, como é que nós em lugar de uma política de austeridade realmente só serve para resolver problemas momentâneos, digamos, mas não é uma política de longo prazo, não é, como é que nós alteramos esta situação dramática através de um aumento do PIB? Por onde? Vamos a uma questão um bocadinho mais… Um bocadinho prévia a esta. Porque é que o PIB não aumenta mais? Porque é que tendo nós despesa a mais, como já vimos, tanta gente desempregada, tantas empresas que gostariam de produzir mais, de ter mais actividade, etc., etc., porque é que o PIB não aumenta? (Pode ser aqui, você já falou há bocadinho. Tem de dizer o nome).

 
Luís Pombo
Luís Pombo, do grupo amarelo. Eu penso que há um problema estrutural que toda a gente admite que é a educação, que é, antes de mais, o grande motor para a competitividade e para a produtividade como falava o colega lá atrás. E se esse aspecto está descurado obviamente que o PIB não pode crescer porque não estamos a investir com qualidade, não estamos a ser produtivos, não conseguimos competir lá fora.
 
Prof. Dr.António Borges
Ora bem, sobre esse assunto eu vou exprimir aqui uma opinião um bocadinho radical, que é a de que não é esse o problema. E claro que é preciso ter cuidado porque a educação é extraordinariamente importante. Eu, toda a minha vida fui Professor e portanto não posso dizer que a educação não é importante, é claro que é importantíssima, nós aliás estamos a chegar a um ponto em que a educação se está a transformar num drama, porque com o problema do abandono escolar e da péssima performance do ensino secundário já temos muita gente que não acompanha a nova tecnologia, etc., etc.,  mas por enquanto ainda não é esse o problema. E porque é que não é esse o problema? Porque realmente os senhores acham que os emigrantes portugueses que foram para a França e para a Alemanha na década de 60 e de 70 eram muito educados? Nem sabiam ler, nem escrever e chegaram lá e em questão de meses, ou pouco tempo, tornaram-se tão produtivos como os outros trabalhadores alemães ou franceses, isto é, há aqui uma questão muito importante é que a educação é fundamental sobretudo para a economia do conhecimento, para a economia moderna, novas tecnologias, etc., etc., mas na verdade, uma grande parte do capital humano das pessoas adquire-se nas empresas, no trabalho, sobretudo nas boas empresas, e uma pessoa mesmo relativamente pouco formada mas com uma grande vontade de trabalhar, com uma boa capacidade de aprendizagem, num instante, numa boa empresa se transforma num operário extraordinariamente produtivo e rapidamente sobe e mais tarde vai assumir responsabilidades, etc.

Isto é, a educação fundamental, a educação básica, pela qual nos todos começamos dá uma plataforma mas depois uma  grande parte do capital humano vem de facto das empresas e insisto neste ponto porque eu acho que a educação é um problema muito grave do país, mas não é desculpa para não estarmos a produzir melhor. Até porque se fosse, tínhamos de esperar 30 anos, que viesse uma nova geração melhor formada e melhor educada e não sei o quê, porque não temos esse tempo, não é? Nós temos de tornar os portugueses actuais, os que estão agora a trabalhar em gente muito mais produtiva que é o que acontece quando eles passam a fronteira, não é? E portanto, é isso que nos temos de fazer cá em Portugal. Portanto, a educação é muito, muito importante mas é para o futuro, estão a ver?

 

PLATEIA (?) - Na minha opinião, acho que, a forma de aumentar o PIB seria baixar a carga fiscal às empresas públicas porque quem dá emprego a Portugal são pequenas e médias empresas, quem produz em Portugal são as pequenas e médias empresas, e actualmente o que se passa é que com a grande carga fiscal e nesta ‘conjectura’, isso na minha opinião…

 

PROFESSOR ANTÓNIO BORGES – Conjuntura!

 

PLATEIA (?) - Peço desculpa, conjuntura económica, eu não percebo muito de economia mas seria breve e facilitava a vida a quem é empresário, reduzir impostos, como o PEC, por exemplo porque muitas empresas passam mal e o Professor sabe bem melhor, não é, fecham empresas todos os dias em Portugal e portanto, e o trabalho actualmente das finanças não tem sido famoso porque actualmente os inspectores das finanças, e quem anda atrás das empresas, só andam atrás das empresas que pagam impostos, porque reconhecem que àquelas que não pagam, não têm forma de reaver o dinheiro, não é? E então, ainda estão a penalizar mais as pequenas e médias empresas.

 

PROFESSOR ANTÓNIO BORGES – Exactamente.

 

PLATEIA (?) - E eu acho que o problema estrutural está aqui e o central. Relativamente a, queria só dizer mais uma coisa, abrir um parêntesis sobre os investimentos e gastos públicos. Só relativamente ao investimento, a forma como é feito cá e tem sido seguido nos últimos anos,  é que os concursos públicos são mal feitos,  as empresas que ganham, estou a falar principalmente nas construtoras, que são sempre as mesmas, estou a falar da Mota Engil, por exemplo, que tem ficado com a maior parte dos investimentos

 

PROFESSOR ANTÓNIO BORGES - Surpresa, surpresa!

 

PLATEIA (?) - Porque será?... E depois relativamente aos gastos públicos, apertar o cinto, o que o Sr. Professor falou várias vezes no início da sua intervenção, da sua aula, portanto, os portugueses têm apertado o cinto mas os portugueses têm-se apercebido que quer empregadores, quer empresários, e é por isto que os empresários já não têm neste momento coragem para, as empresas que fecham já não têm coragem, os empresários já não têm coragem para iniciar uma  nova empresa e para se lançar no mercado de trabalho porque, para já, se a empresa falir, penso que não vou dizer nenhum disparate, o empregador não tem subsidio de desemprego, não é assim?

 

PROFESSOR ANTÓNIO BORGES – É.

 

PLATEIA (?) - Portanto, qual é que é o empresário que vai-se pôr neste momento no mercado? O governo tem de criar condições mínimas para que se possam criar empresas.

 

PROFESSOR ANTÓNIO BORGES – Certo. Ora bem, há ai uma série de pontos aos quais nós vamos voltar à medida que vamos avançando mas deixem-me começar por um ponto central que é o das empresas, justamente, o do conjunto de empresas que estão em dificuldades permanentes, crescentes, dramáticas e que vão fechando constantemente em números gigantescos e aliás é daí, evidentemente, que resulta este crescimento brutal no desemprego, não é? Só uma palavra sobre este assunto: para todos termos ideias claras, o número de desempregados está mais ou menos, está um bocadinho acima de quinhentos mil, de acordo com os dados oficiais. Todos os meses entram no grupo de desempregados cinquenta, sessenta, setenta mil pessoas. Todos os meses, cada mês. Então como é que o desemprego é só quinhentos mil? Já devia estar num valor muito mais alto do que isso, acumulando a entrada de pessoas no desemprego por mês. É que todos os meses saem do desemprego não tantos como aqueles que entram mas muitos, trinta, quarenta mil saem do desemprego todos os meses, porquê? Ninguém sabe. O governo não explica. Não dá os dados. Muitos é porque desistem, porque para estar no desemprego é preciso estar à procura de emprego, muitos desistem pronto, acabou-se já não tenho mais.. Outros é porque perdem direito ao subsídio, porque passou o seu tempo perdeu direito ao subsídio fora, riscado, da lista. Outros é porque vão para formações mais ou menos inventadas para esconder os números mas quando se fala em 500 mil desempregados não são 500 mil desempregados são muito mais muito, muito mais ponto números um ponto número dois o desemprego os tais 50, 60, 70 mil que entram no desemprego todos os anos não são jovenzinhos acabados de sair da universidade, esses também têm muitíssimas dificuldades. A grande maioria dos que entram no desemprego são empresas que fecham, são empresas que fecham aos milhares todos os meses. Por outras palavras nós estamos numa situação em que o país está, de facto, no caos, porque o número de empresas a fechar e quando fecham de facto desaparecem, o capital que pronto… Ficamos todos mais pobres, indiscutivelmente. Porque é que as empresas fecham desta maneira? Basta pensarem, não, não é a carga fiscal, a carga fiscal ajuda mas não é a carga fiscal… Basta pensarem no seguinte raciocínio o PIB este ano está abaixo do ano passado, quanto? Não me digam que não sabem? Quase 4% está 3,7/ 3,9 % abaixo do ano passado. O rendimento nacional tem em conta não só o PIB mas também a parcela do rendimento que é paga aos estrangeiros, por causa da nossa dívida externa. Reparem, se a dívida externa pagar 4 ou 5 % de juros, como está em outro rendimento, não é, a quem nos empresta o dinheiro, como está em 100% do PIB são 4 ou 5% do PIB adicionais, portanto não só temos a queda do PIB como a fatia do PIB que vai para o estrangeiro, para pagar, está a aumentar constantemente, um grande bocado. Portanto aquilo que fica como rendimento nacional para nós portugueses caiu muito mais do que os tais 4%, e depois nós vamos ver a estatísticas do Banco de Portugal, e até o Eng.º Sócrates fala disso constantemente, mas o rendimento disponível das famílias melhorou e daí que o consumo não tenha caído tanto… Como é que isto é possível… Como é que é possível que o rendimento nacional tenha caído uma brutalidade e o rendimento das famílias até tenha melhorado? É porque alguém está a levar um aperto como nunca, e esse alguém, são as empresas, está a perceber? Quer dizer, o rendimento nacional no seu conjunto, está a cair muito, as famílias por várias razões, que nós podemos discutir, têm sido relativamente poupadas a essa queda de rendimento e até o rendimento disponível em 2009 até pode aumentar um bocadinho, daí que o consumo não tenha caído tanto, agora as empresas é que levam um apertão brutal porque aquilo que vendem, cada vez é mais barato e aquilo que pagam cada vez é mais caro e daí que estejam a falir aos milhares. Portanto o problema central, em termos da tal produtividade do país, é como vamos travar esta dramática sucessão de falências que corre a um ritmo alucinante, como é que vamos permitir que as empresas recuperam a sua viabilidade. Este é que é o tema central. Porque é que a Dra. Manuela todos os dias fala das pequenas e médias empresas? Porque aí é que está o coração do problema, o coração do problema não está na Mota Engil, nem na EDP, nem na PT, nem no banco BPI ou BCP, ou seja o que for, não é! O problema do país está nas pequenas e médias empresas que são essas que estão a levar este apertão sistemático e permanente e muitas das quais não estão a aguentar, e naturalmente que já muito fizeram elas para ir sobrevivendo este tempo todo. Portanto há aqui uma questão de sobrevivência económica das empresas que não se aguentam no mercado, é aquilo que nós normalmente chamamos um problema de competitividade. Se os portugueses estão a gastar mais, mais do que o que deviam, ou mais do que o ano passado, o crescimento do consumo terá aumentado um bocadinho etc., porque é que as empresas portuguesas não aproveitam a oportunidade para produzir mais? Porque é que ninguém compra? Exactamente… O problema central é que cada vez é mais fácil e mais barato ir comprar ao estrangeiro. Se os senhores falarem por exemplo com todas as empresas de distribuição, de grande distribuição do país, Sonae, Jerónimo Martins, etc., os grandes supermercados, Auchan, tudo isso, a percentagem de produtos que vêm do estrangeiro aumenta todos os anos sistematicamente, porque é mais barato… Mais barato, e portanto, do interesse de fornecer preços baixos aos consumidores é aí que eles vão buscar, e é assim que a concorrência obriga. Por outras palavras, as empresas portuguesas cada vez estão menos competitivas. Porque é que não aproveitam para exportar então? Mesma coisa… Porque no mercado externo há mais barato. Isso é verdade, mas não é a única justificação. Portanto, de facto, temos aqui um problema central de competitividade que é o problema número um do país. E agora, antes de nos dirigirmos a este problema, que é onde vamos ocupar o resto do tempo, antes disso queria esclarecer aqui uma coisa, muito clara, porque daqui é que vem aquela confusão toda que eu falava à pouco e daqui é que vem a polémica sobre política económica: é saber que interesses é que a política económica defende, ou protege. Porquê? Porque se nós olharmos para as pequenas e médias empresas, de facto, encontramos dificuldades de toda a espécie, empresas a falirem constantemente, etc., etc., uma perda de rentabilidade dramática, dai que não haja investimento privado no país praticamente. Mas se olharmos para as grandes empresas, acabamos por ter situações de extraordinária rentabilidade… Empresas grandes do sector da banca, dos seguros, das telecomunicações, da energia, da distribuição, etc., tudo empresas muito grandes, cotadas em bolsa, com níveis de rentabilidade altíssimos, algumas das quais, algumas não, quase todas são as primeiras a admitir que não sabem o que é que hão-de fazer ao dinheiro, isto é, que não têm condições para investir em Portugal. Porque é que não têm condições para investir em Portugal? Pois se o país não cresce, não é? E vão investir no estrangeiro. Vão investir nos EUA ou na Polónia ou no Brasil enfim, com bastante sucesso nalguns casos, menos noutros, não interessa, mas quer dizer, em Portugal é que não investem. Portanto há aqui uma questão muito importante que convém ter presente que é a dualidade. Em Portugal não há uma economia, há duas. Há a economia das pequenas e médias empresas, como nós lhe chamamos, que está na miséria, com raríssimas excepções, e há a economia das grandes empresas protegidas que está com uma rentabilidade elevadíssima. Daí que, meu caro amigo, descer o IRC para dar mais dinheiro a quem já tem dinheiro a mais… Não contem connosco, está a perceber? Agora descer a carga fiscal sobre as pequenas e médias empresas, nomeadamente, aquela carga fiscal que incide sobre os custos das empresas para que elas sejam mais competitivas, isso sim, isso é que é uma boa medida, está a ver? Qual é a diferença principal entre essas grandes empresas que eu falei agora e as tais pequenas e médias empresas que a Dra. Manuela fala constantemente? É que as grandes empresas, quase todas sem excepção, trabalham para o mercado interno e estão protegidas da concorrência estrangeira, não é verdade? Se algum dos Srs. quiser comprar electricidade é difícil não comprar à EDP. Se algum dos Srs. quiser telecomunicações, a probabilidade de comprar a uma empresa.. Não, ninguém vai comprar telecomunicações a não ser quem está em Portugal, e quem está em Portugal trabalha para o mercado português, e num regime regulatório de fixação de preços que os protege, e que lhes garante a rentabilidade. A mesma coisa nos bancos, a mesma coisa até na distribuição, são empresas que trabalham fechadas. Se os Srs. estão em Lisboa e quiserem ir às compras não vão às compras em Badajoz, em Elvas ainda vá lá, mas em Lisboa, não vão. Vão às compras aos supermercados portugueses que trabalham em Portugal, podem até ser estrangeiros, mas trabalham em Portugal estão protegidos da concorrência estrangeira pela distância, não é verdade? Por outras palavras, a grande maioria das empresas que estão muito bem têm um regime em Portugal fechado, protegido da concorrência estrangeira, muitas vezes um regime regulatório, como é o caso da energia e das telecomunicações, em que o Governo lhes garante a rentabilidade. Os preços são fixados por uma entidade do Governo que lhes garante a rentabilidade. Por exemplo: o preço do petróleo sobe, a EDP tem o direito de reflectir esse preço na tarifa que cada um de nós paga, está na lei, não é? Agora os Srs. vão a uma empresa têxtil sobem os custos e onde que eles, alguma vez, podem reflectir no preço que o consumidor paga? Não podem, senão são varridos do mercado, não é? É uma situação completamente diferente. Isto é, temos que ter presente que em Portugal há dois grupos de empresas: uns que são chamados o sector não transaccionável, que é o tal sector protegido, que o sector das empresas que não sofrem com a concorrência estrangeira e o outro que é o dos bens transaccionáveis que são aqueles que estão constantemente no mercado externo a exportar ou a sofrer com a concorrência das importações e que têm que garantir a sua competitividade. E no sector transaccionável quem é que nós encontramos? Encontramos a agricultura quase toda, porque hoje produtos agrícolas podemos comprar em qualquer parte do Mundo a preços até muito mais baratos. A indústria quase toda, quase toda a industria, está em mercados competitivos abertos, concorrenciais, etc., etc., etc. E quando muito o turismo, pq realmente os turistas estrangeiros podem escolher vir para Portugal ou ir para a Croácia ou qualquer coisa assim e portanto há aí uma competitividade também bastante acentuada. A grande maioria dos serviços está no sector não transaccionável: a banca, seguros, transporte, energia, telecomunicações, etc. E, de facto, o sector não transaccionável prospera em Portugal, está protegido e a política governamental tem os ajudado imenso. Agora o ponto é este, é que o sector competitivo, transaccional, também depende dos tais serviços e portanto, quando o governo protege este sector, e lhes dá melhores condições de rentabilidade, fá-lo à custa do outro, que tem de pagar energia mais cara, telecomunicações mais caras, taxas de juro mais altas, etc., etc., estão a perceber? Portanto, ao ajudarmos um sector estamos inevitavelmente a penalizar o outro. Este é um dos tais pontos em que o PS é completamente incoerente, que é o dizer que toda a gente ganha com isto, não, não, não. Os senhores ajudam uns prejudicam os outros, não se esqueçam nunca disso. Portanto é preciso uma política de extraordinário equilibro para não discriminar contra ninguém, para dar a todos uma igualdade de oportunidade. Não é isso que se passa em Portugal, um grande parte da política económica portuguesa de facto é discriminatória, discriminatória contra o sector positivo que nós, no nosso debate politico, indicamos como o das pequenas e médias empresas porque efectivamente a grande maioria dessas empresas são pequenas e médias, estão a perceber? Agora, se eu perguntasse quantas das pessoas que aqui estão vão começar a trabalhar, algumas seguramente já estarão a trabalhar, quantas quererão ir para uma pequena e média empresa, um sector de têxtil, de calçado ou do que for, se tiverem uma oferta de um grande banco? Ou de uma EDP ou de uma PT? A vida toda, a gente vai para as empresas que estão bem, que estão seguras, que podem pagar bem, dar uma vida tranquila e por aí fora, não é verdade? O que mostra bem até que ponto estes sectores têm mais dificuldades. Porque só vai para ali quem não pode ir para aqui. E com isto temos um… Portanto, isto para lhes ar a entender que embora haja muitas empresas muito bem e cheias de rentabilidade a verdade é que isto se faz em grande parte à custa das outras. E este desequilíbrio é um dos factores principais que depois agrava  o nosso problema geral de competitividade e transforma o nosso deficit num problema gigantesco e, enfim, suicidário digamos. E antes de passarmos à parte seguinte, porque é que isto é assim? Não é inocente que isto seja assim, porque realmente este governo como os Srs. sabem construiu uma serie de apoios, de alianças, de entendimentos entre quase todas as empresas do sector transaccionável que eles controlam directamente e onde têm de facto um poder instalado e que é uma das suas grandes bases de apoio político, e isto faz-se à custa de descriminar contras as pequenas e médias empresas, contra o sector competitivo, contras aquilo que facto garantiria uma melhor eficácia e uma economia mais moderna e mais produtiva. Agora deixem-me só (eh pá, já estão aqui muitas mensagens e eu não tinha visto nenhuma… Uma aqui, outra ali…) deixem-me só dar-vos aqui um ou dois sinais daquilo que eu quero dizer. Reparem, aqui o nosso problema de competitividade número um: a quota de mercado portuguesa nas exportações mundiais, não é? Reparem como tem vindo a cair ao longo dos anos de um nível, enfim, de uma base 100 hoje esta em 75%. Isto é uma coisa dramática: a perda de competitividade portuguesa no mercado mundial, e este é o indicador mais triste de todos, que é o da produtividade. Reparem como neste últimos sete ou oito anos a produtividade portuguesa praticamente não aumentou, está completamente estagnada. É como se as pessoas não evoluíssem, não é verdade? Isto é que é o ponto mais dramático da economia portuguesa, neste momento é este. Como é que se pode dar às pessoas condições de evolução, de crescimento de remuneração, de evolução de carreira profissional, se o país está estagnado, está parado, não há crescimento da produtividade não há melhoria qualitativa digamos. Pronto, só para dizer que isto não foi sempre assim, isto é o crescimento da produtividade das décadas anteriores, 80, 90, 91, 2000 e aqui isto é Portugal. Reparem, a produtividade em Portugal crescia habitualmente 2% ao ano, que era um nível muito honesto. Esta queda brutal para quase zero é recente, é uma coisa… Ninguém venha dizer que os portugueses são sistematicamente produtivos, por que isso é… Estamos a convencer-nos disso graças ao Eng.º Sócrates, porque não era assim nem nunca foi assim. (Enfim, há aqui mais uma série de coisas que eu poderia falar, mas não temos tempo para isso, de maneira que vou deixar isto como está). Só lhes queria chamar a atenção para um outro ponto muito, muito importante que é este: isto é a medida da desigualdade na repartição de rendimentos. OCDE, portanto, dados completamente  independentes, não se pode dizer que são manipulados por ninguém, muito menos  pelo PSD. Portugal está ali na ponta direita. Pior que nós há o México e a Turquia, isto depois de 95 a 2009, 14 anos de governação socialista, com uma pequena interrupção nossa, acabamos aqui. Portanto, tenhamos presente que este fracasso dramático em termos de política económica, em termos de crescimento, em termos de eficiência, em termos de produtividade, nem sequer foi feito para ajudar os mais pobres a melhorarem a sua situação. Podia dizer-se a bom “sacrificava-se o crescimento, vai haver mais”… Não, não. Nós somos dos países mais desiguais do mundo e a desigualdade tem vindo a aumentar porque realmente se nós ajudamos quem já é rico, se nós ajudamos as empresas que estão bem não admira… Se pomos no desemprego dezenas de milhares de pessoas por mês, não admira que o resultado seja este. Isto não tem nada que ver com a actual crise económica internacional, isto é um problema estrutural, que vem de trás, que a crise económica agravou mas que é muito mais profundo. Aliás, os senhores vão ver: como a crise económica já está a chegar ao fim, já há uma série de países a recuperar rapidamente, e nós vamos continuar com a nossa, enfim, admitindo que as coisas para desastre do país se manteriam na mesma no próximo dia 27.

Bom, último ponto: não há nenhuma razão, como eu dizia há pouco, para que a produtividade portuguesa não possa crescer tanto como noutros países. Não há nenhuma razão para isso. Nós, se os senhores virem em quase todos os sectores de actividade económica portuguesa, em quase todas as indústrias, os Srs. encontram empresas muito boas, tão boas como as melhores da Europa, infelizmente poucas, mas essas mostram que é possível, mostram que é possível, estar precisamente ao mesmo nível que os outros. Nós temos é de criar condições para que essas empresas tomem conta do resto do mercado, quer dizer, as eficientes tomem conta do resto do mercado. Agora ninguém pode dizer que não possível fazê-lo, porque os exemplos existem. Infelizmente toda a política económica consiste em construir obstáculos a essas empresas e a esses sectores para beneficiar outros que já nem precisam, e daí a dificuldade em nos tornarmos um país mais produtivo e mais eficaz.

Portanto, uma nova política económica tem de ser uma política, como foi dito, de grande rigor na maneira como os dinheiros são gastos, seja que dinheiros for, mas em especial os do investimento e ao mesmo tempo uma ênfase absoluta, uma prioridade total, à sobrevivência total das empresas, à eficácia das empresas, à sua produtividade e à sua competitividade, em particular orientada para os mercados externos e portanto para o sector transaccional.

Daí que resultem todo um conjunto de medidas, que os Srs. depois hão-de ver no programa do governo, mas que são muito diferentes daquilo que as pessoas normalmente esperam que se faça.

O que é que faz a Alemanha, o que é que faz os Estados Unidos? O programa público, de despesas de investimento público para relançar a economia, tudo bem, esses países tem economias extremamente competitivas não precisam de se preocupar com o mesmo que nós.

O que é que faz o Eng.º Sócrates? Mantém a mesma política, propõe a mesma política porque é essa que lhe dá a base de apoio na qual ele assentou o seu domínio politico do país. Mas os custos são absolutamente evidentes. E o que nos teríamos de fazer? Ser capazes de deixar as grandes empresas defenderem-se por si, que são muito boas e muito capazes de o fazer, colocar a total e completa prioridade na remoção dos obstáculos ao crescimento e ao desenvolvimento e à prosperidade das pequenas empresas na redução dos seus custos e nas condições de acesso a tecnologia, a financiamento, a recursos humanos, que lhes permitirão mostrar do que são capazes no futuro. E como já aconteceu noutras épocas recentes de dificuldade económica em que o pais deu um grande salto económico em frente não tenho dúvidas de que a resposta da economia portuguesa muito, muito positiva e muito boa, mas é com uma política completamente diferente da actual. E com esta restrição fico-me por aqui e passemos então a perguntas. Espero que ainda haja algumas embora já tenham participado bastante.

 
Pedro Rodrigues
Muito obrigado Sr. Professor.
 
Prof. Dr.António Borges
Temos até que horas?
 
Pedro Rodrigues
Até às 5.
 
Prof. Dr.António Borges
Temos tempo, muito bem.
 
Pedro Rodrigues
Lembrava mais uma vez que só podem fazer uma pergunta. Apelava à vossa capacidade de síntese e a primeira pessoa a formular a pergunta é o André Fernandes do grupo azul.
 
André Fernandes
Boa tarde. O grupo azul pergunta porque é que a nossa zona económica exclusiva nunca é discutida, nem mencionada nem falada, sendo um dos nossos, com certeza uma das nossas principais riquezas estratégicas, e como é que a podemos aproveitar macroeconomicamente, tendo em conta os nossos problemas financeiros porque sabemos que será com certeza complexo. Obrigado.
 
Prof. Dr.António Borges
Respondo já. Muito bem vou-lhes mostrar já aqui um número antes de entrar directamente nesta questão que é este: reparem, o peso do sector público, sector empresarial, isto tem directamente que ver com a pergunta que foi feita, o peso do sector empresarial público em Portugal já não é tão grande como já foi, por exemplo é maior em França ou é maior em Itália. Com as privatizações o peso do sector público, do sector empresarial público, baixou um pouco, já foi muito mais alto. Agora reparem, em termos de regulamentação da economia, estamos aqui nesta metade superior (falta-me aqui um quadro, desculpem lá) este é que é o tema que me interessa: controle pelo Estado do sector empresarial. E aqui Portugal aparece neste extremo, pior que nós só a Hungria, isto era há uns anos atrás, já melhorou qualquer coisa, mas hoje só a Hungria é que está pior que nós. Hoje, 2003, enfim já foi há uns anos. Isto é, em Portugal, independentemente de o Estado ser ou não ser o proprietário, ter ou não ter nacionalizado a indústria, a verdade é que mesmo quando as indústrias, as empresas são privadas, o Estado continua a mandar muito. Este é justamente o sistema que nestes últimos anos mais se acentuou de maior proximidade entre o Governo e as grandes empresas, de maior ligação entre uns e outros, de maior sintonia e, no fundo, de maior actividade económica por parte do Governo. O que é que isto tem que ver com a zona de exclusividade económica? Não é assim que se chama? ZEE? Porque esse é todo o sector ligado ao mar em Portugal sempre foi um sector extremamente condicionado pelo Estado independentemente da pesca. A pesca é um caso um bocadinho especial, mas tudo o resto  foi sempre muito condicionado pelo Estado e portanto de facto nos hoje somos um país virado de costas para o mar, com oportunidades muito grandes justamente na economia do mar mas em que nunca deixamos que houvesse pujança económica empresarial. Se  nós formos a países de grande costa como a Noruega ou a Dinamarca, por exemplo, encontramos algumas das maiores empresas do mundo no sector da navegação por exemplo, naturalmente, ou no sector dos cruzeiros, ou no sector da pesca evidentemente e por aí fora. E isso nunca aconteceu em Portugal. Porquê? Porque precisamente foi um dos sectores onde o condicionamento por parte do Estado mais notório e mais vigoroso foi e portanto se quiserem uma resposta: há aí de facto um potencial muito grande a explorar mas tem de ser o sector privado, tem de ser o sector privado a fazê-lo. Temos de eventualmente encontrar por parte do Governo forma de remover os obstáculos, criar as condições para as empresas poderem ser prosperas mas depois deixá-las avançar, não se pode pensar que depois é o Estado que vai lançar-se nesse tipo de actividades que isso é exactamente a maneira de as matar.  

 

 
Pedro Rodrigues
Muito obrigado Sr. Professor, a seguir Eduardo Sousa do grupo verde.
 
Eduardo Sousa
Boa tarde, a minha pergunta vem um bocadinho no seguimento do controle do Estado sobre as empresas, e também daquilo que falamos aqui hoje de manhã com o Dr. Miguel Monjardino, que falou que nós devíamos libertar-nos um pouco da cultura paternalista que temos por parte do Estado e a minha pergunta é se continua a fazer sentido termos o Estado, através da Caixa Geral de Depósitos, como participante activo no mercado financeiro. Se não deverá ser apenas um regulador do mercado financeiro, e quais são as alterações que a regulação deve ter para que não torne a falhar como falhou, nomeadamente no BPP e no BPN.
 
Prof. Dr.António Borges
Isso são duas perguntas muito diferentes, mas de qualquer modo muito interessantes nomeadamente na actual conjuntura política não é verdade? Deixem-me tratar da mais simples que é a segunda. Os casos do BPN e do BPP são casos elementares, de facto, de falhanço da supervisão bancária. Não tem praticamente nada que ver com a crise internacional. A crise financeira internacional veio, digamos, apressar uma coisa que era inevitável, um bocadinho como o MADOFF, não é? Toda a gente ouviu falar no MADOFF, ainda hoje existia se não fosse a crise internacional mas a fraude já lá estava antes não é? E, portanto, o que se passou com o BPP e com o BPN  é exactamente isso: é uma montagem de uma actividade financeira sem fomento e com o elemento fraude bastante importante integrado nessas actividades, que devia ter sido detectado pelas autoridades a tempo e quando eu digo a tempo, digo há muito tempo, porque, de facto, quer num caso quer no outro, mas sobretudo no caso do BPN, já há muito tempo que se sabia das dificuldades que o BPN atravessava porque já há muito tempo que havia as maiores dúvidas sobre o estado do BPN. Em 2002, 2003 por aí, alguns administradores do BPN demitiram-se por desacordo com a Administração e fizeram saber disso a toda a gente. Pouco depois, os auditores do BPN demitiram-se depois de fazer auditorias ao BPN  por desacordo com a Administração e toda a gente soube disto. E o Banco de Portugal não fez absolutamente nada. E mais tarde, enfim, depois de uma série de outras situações em concreto, até em 2007, vejam bem, este é um dossier que eu conheço bem porque trabalhei nele, o BPN em 2007 preparava-se para ir para a bolsa, para fazer um “IPO” e para celebrar em bolsa tendo dado um mandato a um grande banco internacional, o Morgan Stanley para fazer a colocação do BPN em bolsa. Isto só não foi para a frente porque a crise internacional rebentou em Julho de 2007, o mandato tinha sido dado em Junho de 2006. Pronto, já não havia condições, porque senão tinha ido, e tinha ido para a bolsa com base em contas completamente falsas. Portanto, tinha sido uma fraude financeira gigantesca que tinha ido para o mercado internacional com a luz verde do Banco de Portugal, e também da própria CMVM mas sobretudo do Banco de Portugal que é o supervisor do sector bancário. Ora bem, como é que isto é possível, quando já se sabia há muitos anos, já toda a gente sabia que havia problemas muito graves no BPN. É de facto uma pergunta que fica sem responder e por mais que se diga, permite de facto levantar muitas questões, questões mais sérias. Ou por um lado o Banco de Portugal se demitiu da sua actividade de supervisão porque ele existe na parte de supervisão bancária para isso, para detectar a tempo estas situações e impedir que elas aconteçam, ou então teve outras razoes para ir adiando o problema e aí as suspeitas podem ser as piores. Eu não sou muito a favor de teorias da conspiração mas não é difícil alimentar toda a espécie de suspeitas nesta matéria.

O caso do Banco Privado Português é ainda mais extraordinário, porque como talvez saibam, o fundador do Banco Privado Português tinha trabalhado no Banco Totta, tinha sido demitido do Banco Totta com base num certo comportamento que levou a uma denúncia no Banco de Portugal. E o Banco de Portugal autoriza este senhor, pouco tempo depois a abrir um banco e a apresentar-se como grande... Isto são coisas inacreditáveis, de facto, não se percebem. E eu trabalhei no Banco de Portugal três anos, como os senhores talvez saibam, em 80, não, em 90, 91, 92, 93 e de facto não era assim, garanto-vos, na altura não era assim.

O Banco de Portugal é uma estrutura muitíssimo independente, partidariamente muito independente, havia gente de todas as cores políticas mas tinha uma seriedade, um profissionalismo, um rigor, uma maneira de trabalhar que não tem nada que ver com isto. Portanto, é lamentável que tenha vindo a verificar-se este declínio na seriedade com que o banco trabalha ao longo dos tempos. E fico-me por aqui para não alimentar mais especulações.

A primeira questão é uma questão diferente, qual é ou qual pode ser o papel da Caixa Geral de Depósitos. A Caixa Geral de Depósitos é o maior banco Português, tem, portanto, um peso brutal no país, tem porque é em grande parte o principal factor de concorrência, não é? Os bancos portugueses não são muitos, são relativamente poucos: temos o BCP, o BES o Santander e o BPI. E depois há os pequeninos, os pequeninos também têm muita importância do ponto de vista da concorrência mas têm relativamente pouco peso. Os grandes entendem-se facilmente entre eles. É muito bom haver um banco do Estado que seja um elemento de concorrência forte mas é preciso que actue nessa perspectiva. Infelizmente a CGD tem uma vantagem muito grande, que os outros não têm, é que como precisa de capital o Estado entrega-lhe, o Estado emite dívida publica e entrega à Caixa Geral de Depósitos para aumentar o capital da Caixa. Os outros bancos têm que ir ao mercado, têm que se sujeitar à disciplina do mercado, é bastante mais difícil. Portanto  a Caixa tem uma situação muito privilegiada, por todo um conjunto de razoes, e podia ter um papel de disciplinador de mercado, com o bancos a concorrer mais, a servir mais as médias e pequenas empresas, se fizer isso é positivo e é extremamente valioso na actual conjuntura. O problema é quando a Caixa, que hoje em dia não é só a Caixa porque é também o BCP, se deixam instrumentalizar pelo Governo. E passam a utilizar a grande maioria ou uma parte muito importante, ou desmesurada mesmo, dos seus recursos, para financiar projectos que mais ninguém financia. Se os senhores forem ver, estas concessões de auto-estradas que o Governo anda a lançar  a torto e a direito, por todo o lado, sem justificação, se não for a Caixa Geral de Depósitos e o BCP a financiar mais ninguém financia praticamente, pelo menos um bom número delas. O que significa que estes dois bancos, em que o Governo tem um controle muito, muito forte e muito pesado acabam por servir de instrumentos da política que o Governo quer pôr em pratica, seja ela boa ou má, e isso realmente está a desvirtuar completamente aquilo que podia ser um papel muito positivo e construtivo da Caixa Geral de Depósitos no mercado financeiro português.

 
Pedro Rodrigues
Muito obrigado Sr. Professor, Carlos Lúcio, grupo cinzento.
 
Carlos Lúcio
Boa tarde. Carlos Lúcio, grupo cinza. Caro Professor, sabendo que em primeiro lugar o desenvolvimento económico nacional necessita de uma estratégia de longo prazo que é muitas vezes, que é necessariamente superior a um período de uma legislatura e sabendo também que a tomada de decisões, decisões que são necessárias ao desenvolvimento da economia, são muitas vezes impopulares e têm um elevado risco político não deveria ser ponderada a hipótese de ser criado no País uma instância ou um conselho suprapartidário que auxiliasse os partidos na tomada de decisões estratégicas que garantisse uma política económica sustentável de médio, longo prazo. Obrigado.
 
Prof. Dr.António Borges
Isso era uma coisa perigosíssima, perigosíssima, porque no fundo é a negação da democracia não é? A democracia é a alternância. Democracia é termos um Governo desastroso como o actual, temos de o mudar, temos de… Vejam lá se o Eng.º Sócrates tivesse conseguido convencer um grupo de sábios que as políticas que eles estavam a seguir eram as boas. Tínhamos de continuar com elas. A democracia tem esta vantagem, é que nos permite corrigir os erros, permite quando vamos no mau caminho dizer “alto, chegamos aqui ao dia 27 e mudamos para outro caminho” e isso é um mecanismo absolutamente essencial que o País tem para se dispor dele, para eliminar a inércia, digamos, no caminho errado. Esse é o primeiro ponto. O segundo ponto: na situação em que nós nos encontramos hoje nem precisamos de muitas medidas impopulares. Quem vai sofrer muito com a mudança do Governo, são aqueles mais privilegiados. São aquelas pessoas, empresas, investidores que se habituaram a um regime de protecção que esse desaparecerá. São as empresas muito ligadas ao Estado que sempre tiveram da parte do Estado um apoio que não tem justificação, que não tem mérito e que é prejudicial ao resto da economia. Esses sim vão sofrer, mas não me parece que haja muita gente a chorar por eles. Muitos jornais, cadeias de televisão, mas fora disso … Agora para a generalidade da população portuguesa, as medidas que há a tomar não são só, pelo contrário, medidas positivas que estimulam o emprego reduzindo custos ao trabalho por exemplo, de remoção de obstáculos ao crescimento das empresas, apoio à dinamização das empresas com mérito, etc., etc. Isso são tudo medidas que não serão nunca impopulares, não me parece muito difícil por o país no bom caminho relativamente cedo. Depois a seguir é preciso acreditar na democracia também. E quando as coisas correm bem, o país acaba por reconhecê-lo e dizer queremos mais do mesmo. Foi assim que o PSD governou 10 anos quando o primeiro-ministro era o Professor Cavaco Silva, começou, começou bem, começaram as coisas a correr melhor e meteram-lhe mais duas maiorias absolutas não é? Portanto, a democracia também tem esse mérito que é o de recompensar quem governa bem. E depois realmente há certas medidas mais radicais que, certamente não poderão tomar-se já, vão demorar mais tempo. Por exemplo: eu pessoalmente, esta é uma opinião pessoal, estritamente pessoal, portanto os senhores não vão ver no programa do partido, acho que precisávamos de uma grande reforma fiscal. Acho que o nosso regime fiscal está muito antiquado, já tem 30 anos já precisávamos de outro arejamento, 30 não, 20, mas enfim parece mais. Precisávamos de outra, por exemplo de uma saída… Por exemplo choca-me muitíssimo, eu tenho filhos da vossa idade profissionais, acabaram de se formar, estão a começar a trabalhar, casados que pagam logo 30% de IRS. Uma coisa que me faz uma confusão tremenda. Como é que jovens, em princípio de vida, com vinte e poucos anos, começam a ter uma criança… 30% de IRS. Para não falar na Segurança Social. Portanto, há aqui qualquer coisa que não está certo, que não está bem, que não tem nada que ver com o que se passa noutros países, etc., etc., portanto, mas não me parece que estejamos em condições de avançar com uma grande reforma fiscal para o país neste momento. Quando  a Dra. Manuela ganhar as eleições, governar bem e tiver a maioria absoluta a seguir, talvez esta situação seja diferente. Portanto é preciso ter o timing político das coisas, não é? Mas não me parece que reduzir a democracia seja a solução, antes pelo contrário. Se não fosse a democracia não havia maneira de mudar quando as coisas correm mal. Há uma área ou outra em que se poderia tentar uma perspectiva a longo prazo em que houvesse um apoio partidário mais alargado. Vários países tem feito isso por exemplo na disciplina das finanças públicas. Há países como a Alemanha. A Alemanha tem hoje uma grande coligação com o partido socialista e a CDU e a CSU e, portanto, eles em conjunto criaram um regime orçamental que obriga o Governo  a ter um orçamento equilibrado. Isso é uma coisa em que nós podemos pensar, em ter um acordo supra partidário em coisas que são claramente boas para o país e que ninguém discute não é? Mas fora disso, eu não iria muito mais longe.
 
Pedro Rodrigues
Muito obrigado Sr. Professor. De seguida, Ilidio Leite do grupo roxo.
 
Ilídio Leite
Muito boa tarde Sr. Professor. O grupo roxo queria colocar-lhe a seguinte questão: Portugal  actualmente  possui um problema sério a nível social, agora potenciado pela situação do desemprego crescente. Parece pelo menos de bom senso que é fundamental apoiar essas pessoas. No entanto, tendo em conta o nosso deficit externo e principalmente o deficit público, é uma loucura fazer apoios sociais com dinheiro emprestado . Qual é que é o ponto de equilíbrio, qual é a situação para esse problema, pelo menos a longo prazo?
 
Prof. Dr.António Borges
Muito bem, essa é uma pergunta muito séria que tem que ser respondida com rigor e isenção. Em primeiro lugar tenhamos presente que os problemas sociais se têm agravado muitíssimo, isso não tem nada que ver ou pronto, pronto, também estou a exagerar. A crise internacional veio acelerar esse agravamento, mas o agravamento vem de trás. Esta deterioração na repartição de rendimentos, a desigualdade crescente no país, quer a nível social, quer a nível regional, é uma consequência directa da política económica que tem sido seguida até agora. Ao discriminar contra o sector competitivo e portanto contra as Pequenas e Médias Empresas, o Governo está de facto a discriminar contra o emprego porque é aí q esta o emprego, é aí que está a grande maioria do emprego. A grande maioria do emprego não esta só nos bancos, nem nas telecomunicações, não pode estar, são indústrias que não são muito intensivas em trabalho e portanto ao tomar essa opção estamos claramente a dizer que o factor trabalho, se quiserem, pelo menos terá menos procura. Portanto, será desvalorizado e daí resulta uma deterioração da repartição de rendimentos e uma situação, uma tendência dos salários que como sabem é extraordinariamente deplorável porque não têm crescimento real já há muito, muito tempo não é verdade? E mesmo assim as empresas não estão melhor, o que é uma coisa dramática. Esta discriminação é também regional, muitos dos problemas que nós temos a nível social, estão particularmente agravados em certas regiões do país. O caso mais notável é o do Norte. O Norte que era a zona do País mais dinâmica, mais empresarial, mais exportadora, com mais iniciativa há 30 anos atrás, hoje é a zona mais pobre do país, é a zona onde o crescimento do desemprego é maior. É a zona onde mais empresas fecham constantemente, precisamente porque é a zona onde estão mais destas empresas, pequenas e médias, ou voltadas para o mercado externo ou muito dependentes da concorrência com o mercado externo. E portanto, esta desigualdade quer em termos de repartição funcional do rendimento, quer em termos de repartição regional do rendimento é a consequente directa de uma certa política económica que é aquela que eu aqui descrevi e que tem sido seguida em particular por este governo.

Agora como é que se ataca isto? A primeira prioridade tem que ser evidentemente inverter a política económica e depois dar uma prioridade então ao emprego. Isto o objectivo número um, tem de ser pegar nas pessoas e pô-las a trabalhar e é para aí que tem de ir todo o apoio que nós conseguirmos obter e mobilizar, é para a criação de postos de trabalho, para a criação de postos de trabalho de toda a espécie, sobretudo nos sectores mais competitivos, que é onde, se der a volta, há mais potencial de crescimento, tornando as pessoas mais produtivas, reduzindo os custos. Reduzindo os custos por exemplo fiscais e em particular para a Segurança Social, criando um programa de estágios de grande dimensão e de grande amplitude que permita às pessoas fazer uma transição para outros empregos, sobretudo jovens mas também já com uma certa idade, para outros empregos que podem ser novos para elas e facilitando portanto o regresso ao trabalho do maior número de pessoas o mais rápido possível. Essa tem de ser a primeira de todas as prioridades. E depois, para aqueles casos mais dramáticos, tem que se efectivamente melhorar o sistema social que existe hoje. Porque numa conjuntura como esta, com o desemprego no nível como está, uma pessoa chegar ao fim de ‘xis’ meses e ficar sem qualquer apoio do Estado é de uma gravidade e injustiça  brutal e, portanto, pelo menos pontualmente tem de se arranjar uma forma de lidar com esse problema e encontrar outro tipo de apoio para as pessoas. Agora, com que dinheiro é que se faz isto? Vamos pedir emprestado ao estrangeiro para fazer isto? Não. Agora desculpem, o problema neste momento do país não é o de não haver dinheiro para gastar, o problema é de esse dinheiro ser muito, muito mal gasto. O problema é da quantidade extraordinária de dinheiros públicos que vão para despesas a que se chamam investimentos mas que são tudo menos investimentos. Vão no fundo para subsídios a empresas que não precisam de qualquer tipo de subsídio, porque já são suficientemente prósperas. E portanto a primeira prioridade terá de ser re-canalizar uma grande parte dos investimentos de grande dimensão, que até criam relativamente poucos postos de trabalho, em qualquer caso, para financiar outro tipo de actividades mas quase a primeira de todas terá de ser comprar as pessoas para o trabalho e depois o apoio social de que há tanta necessidade. Agora, evidentemente que isto não é fácil, na actual situação não é fácil e os Srs., como lhes disse, não vão ver grandes promessas no nosso programa precisamente porque nós não sabemos o que é que vai se possível fazer ou não e porque ninguém sabe neste momento qual é o valor do deficit publico e qual a verdadeira situação das finanças do Estado. Dado o descalabro destes últimos meses e a forma como o governo continua a esbanjar por todos os lados o dinheiro que não tem, nós não sabemos muito bem o que vamos encontrar. E portanto a pergunta não tem resposta hoje.

 
Pedro Rodrigues
Muito obrigado. Carlos Soares Moreira do grupo castanho.
 
Carlos Soares Moreira
Boa tarde Sr. Professor. Assistimos no ano passado a bancos, com falta de liquidez e em falência técnica remunerarem os seus gestores e eles com bónus milionários, mesmo após receberem ajudas do Estado ou no caso Americano da reserva federal. Até que ponto é lógico e legítimo dar bónus a quem pressupomos que falhou, por serem bónus fixos, previamente contratados e não um bónus por objectivos atingidos? Obrigado.
 
Prof. Dr.António Borges
Essa é simples. É evidente que o Sr. tem toda razão. Que toda a lógica dos bónus ou de qualquer remuneração variável é ser um incentivo ao bom desempenho. E portanto, se o bom desempenho não existe o bónus não deveria existir. Portanto, essa pergunta é fácil de responder. Agora o problema é mais complexo do que isso, não é verdade? Quer dizer, em primeiro lugar, há de facto uma vaga de hostilidade no mundo inteiro em relação às remunerações no sector bancário, em especial na chamada banca de investimentos, porque eram muito altas e há uma grande, digamos, rejeição desse valor altíssimo, desse tipo de rendimentos que as pessoas acham excessivos, exagerados, etc., etc. e portanto criou-se um problema complicado que é um problema político para todos os efeitos práticos, o que é que se deve, o que é se pode e que se deve fazer nesta matéria? Depois há uma série de comportamentos que são induzidos por essas remunerações altas e que podem ser considerados errados, na medida em que levam maus resultados não é? E há até uma tese que diz que a crise financeira internacional se ficou a dever à ganância dos banqueiros que andavam sistematicamente atrás do lucro, independentemente  dos riscos que as empresas corriam e portanto os seus donos é que contavam e portanto, se depois os accionistas perdessem o dinheiro deles, o problema era deles. Esta segunda tese tem muito menos seriedade e muito menos credibilidade porque, na verdade, na grande maioria dos grandes investimentos internacionais, as pessoas eram fundamentalmente  pagas com acções do banco. E portanto, quando esses bancos foram à falência, como foram o caso da Lehman Brothers e de outros, as pessoas que lá trabalhavam ficavam sem nada não é? E portanto, a ideia de que eram eles próprios que estavam a levar os bancos a tomar posições de risco excessivo porque só se preocupavam com os seus bónus é completamente contraditória com a realidade, porque na realidade as poupanças dessas pessoas estavam em acções do próprio banco que desapareceram quando os bancos foram à falência. Portanto eles foram os mais expostos e os que mais perderam com a falências dos bancos, portanto isso como explicação de crise financeira internacional não é uma explicação muito sólida.

Hoje em dia o que vários governos estão a fazer, cá em Portugal o problema não se põe, porque não há os níveis de remunerações que existem lá fora. Há uns escândalos, de remunerações absolutamente excessivas e sem explicação mas felizmente limitados e, em geral, limitados às Administrações de uma ou outra empresa internacional e não se sabe muito sobre o assunto porque os gestores portugueses continuam a recusar-se a divulgar  as suas remunerações ao contrário daquilo que é standard e a norma nesta matéria. Mas numa série de outros países, há de facto um esforço muito sério e louvável de introduzir uma certa lógica nas remunerações elevadas do sector bancário e em particular na componente variável para que essa componente variável tenha uma justificação legitima e ao mesmo tempo uma justificação de longo prazo, não só de curto prazo. E se formos nesse sentido, em meu entender, vamos no bom caminho. Não quer dizer que seja sempre o caso, os chamados bónus fixos são excepcionais, são realmente excepcionais. O caso mais revoltante são os dos pagamentos extraordinariamente elevados aos gestores que são despedidos, não é? É a chamada compensação pelo falhanço. Eu devo dizer, da minha própria experiência, como talvez saibam eu tenho trabalhado muito com empresas internacionais nesta, entre outras, área e muitas vezes vejo essas remunerações excessivas a gente que falhou, como forma do Conselho de Administração lavar as mãos, digamos, dizer “bem, toma lá este dinheiro mas vai-te embora, por amor de Deus” quer dizer, como uma desculpa, não é bem uma desculpa, mas o pretexto para não terem remorsos em despedir o CO. E isto leva a uma série de comportamentos que são realmente contraditórios, são contrários àquilo que seria a lógica de remuneração pelo desempenho, o que levaria a que quando as pessoas falham vão-se embora e acabou. Agora, hoje em dia já começa a haver um consenso bastante generalizado, pelo menos na Europa, sobre o que se deve fazer nesta matéria e julgo que a maioria das empresas vai seguir esses princípios.

 
Pedro Rodrigues
Muito obrigado. Ricardo Magalhães, grupo laranja, só uma pergunta.
 
Ricardo Campelo de Magalhães
Em 2001 deu-se o colapso da bolha tecnológica. Os bancos centrais responderam baixando a taxa de juro o que levou ao enchimento da bolha dos mercados de crédito da banca, do sector automóvel, da habitação. Como o crédito não aumenta indefinidamente, houve uma altura, em 2008 que essa bolha rebentou. Então, o consumo privado foi substituído pelo consumo público e quem tinha reservas, tinha reservas, quem podia aumentar impostos aumentou e estamos agora na fase de contracção de empréstimos. Quando essa possibilidade  terminar, os governos, como precisam cada vez mais de dinheiro vão necessitar de vender dívida à única pessoa que esteja disposta a comprar, que é o Banco Central, monitoriza e portanto vai haver um colapso das divisas, sobretudo do Dólar e do Euro, sobretudo do Dólar. Eu gostava de ver se o Sr. Professor concorda com essa análise e que consequências é que terá para nós.
 
Prof. Dr.António Borges
Pois, há um economista que vem citado ontem no Financial Times, que é o Sr. Muriel Rubini que é conhecido pelo pessimista mor. O cenário que acabou de dizer não se pode dizer que está fora de questão mas é um cenário muito pessimista. Há um ponto em que o Sr. tem toda a razão e é que realmente a crise da qual estamos agora a sair tem a sua origem nos excessos da política monetária a seguir a 2001. Portanto em 2001 tivemos uma crise muito rápida, muito profunda, uma recessão bastante grave por aquela série de acontecimentos, do rebentamento da bolha da Internet, depois o 11 de Setembro, tudo aquilo, uma queda brutal de actividade económica e os governos responderam com medidas de políticas monetárias muitíssimo expansionistas, em especial nos Estados Unidos da América, e depois houve ali um momento de ilusão. O problema não foi responder-se rapidamente à crise da altura, de 2001/2002, o problema foi ter-se prolongado essa política expansionista tempo demais, porque em 2005/2006 a política monetária, nomeadamente americana, ainda era muito expansionista. E porquê? Porque as autoridades e em especial o Sr. Greenspan que toda a gente considera um grande mago, mas que na realidade é hoje em dia provavelmente o maior responsável pela actual crise financeira, o Sr. Greenspan achou que a inflação tinha acabado, que não havia inflação, porque realmente estávamos com um crescimento económico muito rápido, muito forte no mundo inteiro e realmente não havia grandes tensões inflacionistas. E, portanto, parecia que a inflação tinha desaparecido. Graças à globalização, graças à concorrência, à nova tecnologia, parecia que a inflação tinha desaparecido. E portanto para quê travar o crescimento económico se não sinais de inflação? Foi esta a grande ilusão em que se caiu e que levou aos excessos todos de que falou. Realmente não houve inflação dos meios de consumo mas houve depois inflação extraordinária dos preços das habitações, não é, que deu aquela bolha especulativa e que alimentou o “suprime” e tudo o mais e depois a seguir houve uma bolha fantástica das commodities, das matérias primas, que levou o petróleo a 150 dólares, etc., e depois daí acabamos por cair na inflação. Note-se que há um ano atrás, estamos em Agosto, mas em Julho de 2008 o Banco Central Europeu ainda estava a subir taxas de juro por causa da inflação de 2008, portanto de facto, a grande ilusão foi quando nos convencemos, nos convencemos não, as autoridades americanas se convenceram, que não se podia continuar com essa política expansionista e essa é uma lição que temos de aprender para não cair nela outra vez. Note-se que é um perigo muito mais americano do que europeu, porque o Banco Central Europeu é muito mais prudente, muito mais cauteloso nesta matéria, daí que o Euro seja muito mais forte que o Dólar hoje em dia e vai continuar assim enquanto os americanos forem mais, digamos assim, despreocupados com a inflação. Agora actualmente, de facto, estamos numa situação limite, quer dizer não se pode manter taxas de juro de quase zero, deficits orçamentais de 8, 9, 10%. Portanto são condições completamente anormais e excessivas. Daí todo aquele debate entre os americanos e os alemães: os americanos a dizer que já se tinha feito o suficiente, os alemães a dizerem que já se tinha feito demais e aquela história toda, o Primeiro Ministro da Checoslováquia a dizer que isto era a estrada para o inferno, lembrou-se disso porque realmente política macro económica como aquela que estamos a viver é sem precedentes, quer dizer, é como eu digo: deficits astronómicos, política monetária super expansionista com taxas de juro quase zero… Isto não se pode manter como é óbvio. Primeiro, é evidente que está a dar resultado, é evidente que está a relançar as economias. Isso já se nota numa série de países onde as coisas começam a correr bem ou mesmo muito bem. E em segundo lugar, é evidente que isto não se pode manter. O que é que isto significa? Que à medida que a situação económica vai melhorando e que o crescimento económico retoma na maior parte dos países, não será infelizmente o nosso caso tão facilmente mas será seguramente nos países cuja a economia está saudável, à medida que a economia vai retomando é preciso que o Governo  vá retirando, lentamente, pontualmente mas vá retirando todo este efeito pensionista que está agora em curso não é? Em primeiro lugar a política orçamental. O Estado vai evidentemente ter muito mais receita quando a economia começar a crescer, é preciso que essa receita seja utilizada para reduzir o deficit, da maior parte destes países e não para aumentar ainda mais a despesa. E depois, naturalmente que com a própria retoma económica as taxas de juro vão começar a subir e vão evoluir para valores normais, não é? Porque aqueles que estão agora em prática são completamente desproporcionados. Portanto, é essa prudência que tem de existir por parte das autoridades económicas, para não se repetir o erro de 2004, 2005. Agora, eu não sou pessimista em relação à possibilidade de isto acontecer, acho que é perfeitamente possível sairmos da crise com um crescimento económico e com uma moderação da política expansionista mas ter um crescimento sustentado em consequência disso sem que necessariamente haja grandes tensões inflacionistas. Agora, ninguém pode garantir que isto vai correr tudo na perfeição, não é? Depende muito de quem tem que tomar estas decisões.

 Não sei se os senhores ouviram hoje na rádio que o Sr. Ben Bernanke acabou de ser confirmado para mais um mandato à frente da Reserva Federal, eu acho que é uma boa nomeação, mas, enfim, são essas pessoas que vão tomar as decisões chave nos próximos tempos. Não sei quem será o futuro Governador do Banco Central Europeu, atendendo a que o Sr. Trichet já tem uma certa idade, mas enfim, não será seguramente o Sr. Vítor Constâncio.

 
Pedro Rodrigues
Muito obrigado. Diogo Tadeu, do grupo rosa.
 
Diogo Tadeu
Boa tarde. Professor  Doutor, considerando como já foi aqui dito, que as empresas mandaram milhares e milhares para o desemprego, que aumentaram o seu endividamento externo mas ao mesmo tempo reduziram a sua competitividade. No ranking do World Economic Forum  passaram de 24º para 43º. Ao mesmo tempo, não conseguimos encarar a nossa dívida económica e o endividamento externo aumentou, como também aqui já foi dito. Uma legislatura em que o PS só conseguiu cumprir a sua bandeira económica na questão do equilíbrio das contas públicas, conseguiu cumprir em parte…
 
Prof. Dr.António Borges
Como? Como?
 
Diogo Tadeu
Conseguiu cumprir em parte, foi a bandeira económica que conseguiu cumprir mais em conta, actualmente da carga fiscal.
 
Prof. Dr.António Borges
Acha que sim? Eu acho que eles vão acabar com um deficit maior do que começaram. Mas enfim, logo vemos, continue.
 
Diogo Tadeu
Mas basicamente da carga fiscal, em que Portugal ficou a ser o país da União Europeia que paga mais impostos e numa altura de desconfiança nas grandes empresa, em que o governo aposta num programa de selecção criteriosa e um bocado duvidosa como aqui já foi dito, apoia só algumas empresas muito especiais, isto agora já é uma pergunta um bocado de especulação que é, caso a, caso não, a Dra. Manuela Ferreira Leite vai ganhar as eleições em Setembro, mas caso o Dr. seja convidado para ser Ministro da Economia e aceite, que duas ou três medidas fará logo, se for eleito, que considere muito importantes? 
 
Prof. Dr.António Borges
Isso não tem nada que ver com o eu ser ou não ser o Ministro da Economia ou das Finanças ou o que for, porque o que será feito é o que está no programa do PSD, seja quem for que vá para lá, porque a Dra. Manuela já deixou muito claro que só prometia aquilo que fosse efectivamente fazer e portanto não vai nomear uma pessoa para fazer o contrário do que está no programa. Portanto, quando os senhores virem o programa já sabem o que vai ser feito independentemente de quem sejam as pessoas, esse é o primeiro ponto. E portanto, eu não lhes queria estar a dizer o que está no programa não é? Porque isso é depois de amanhã, mas é evidente que, primeiro está na continuidade daquilo que temos falado desde o principio, que a Dra. Manuela tem falado, desde o primeiro dia, e muitas das medidas que lá estão também já foram bandeiras nossas desde o princípio, nomeadamente a redução a carga fiscal sobre os custos das empresas, em particular da Taxa Social Única, o fim do PEC, a descida, a alteração do pagamento do IVA no sentido de só ser pago depois de as empresas receberem.. Tudo medidas destinadas, logo à partida, desde o primeiro dia, digamos, a melhorar a situação de custos das empresas. Permitir que às empresas que olhem para a sua viabilidade económica de outra maneira e possam ter outra perspectiva de sobrevivência e depois de crescimento e prosperidade. Portanto, aliviar os custos e reduzir estes obstáculos à competitividade das empresas, isso será logo uma das primeiras coisas a tomar. E em paralelo com isto aparecem logo uma série de medidas que eu já falei aqui mas que não vou entrar muito em pormenores, desculpem lá, de apoio ao emprego, de fazer com que as pessoas possam imediatamente começar logo a trabalhar. E não é começar a trabalhar no sector público, em projectos “bidons” e não sei o quê, e obrigar as empresas boas a comprar as empresas falidas para se safar postos de trabalho, como dizia o Ministro Manuel Pinho, não é bem isso, não é nada disso mesmo. É permitir que as pessoas consigam recuperar empresas em empresas boas, viáveis, com futuro, e em particular no sector mais competitivo e mais voltado para o exterior.

A seguir virão uma série de medidas que demoram mais tempo a pôr em prática e que se traduzirão precisamente numa alteração desta discriminação que existe hoje. A alteração de modelos de regulação económica, investimento do Estado, esforço do Estado, no sentido de ajudar as empresas boas a desenvolverem-se, nomeadamente no estrangeiro  e em particular a uma concretização de um potencial que o país tem e que hoje está extraordinariamente sobrevalorizado. Aí é que o Estado deve agir, na área político-económica, evidentemente o mais depressa possível. Mas para mais pormenores vai ter de esperar mais dois dias está bem?

 
Pedro Rodrigues
Muito bem. João Janes do grupo encarnado.
 
João Janes
Sr. Professor António Borges, falou acerca das PME’S e eu gostaria de puxar o tema do empreendedorismo. Há cerca de 1 ano e meio, 2 anos, assisti a uma conferência do Dr. Manuel Forjaz  em que ele dizia que os portugueses tinham um problema em relação ao empreendedorismo, eles tinham medo de ser criativos, medo de falhar.
 
Prof. Dr.António Borges
Isso é completamente falso. Desculpe lá interrompê-lo.
 
João Janes
Pronto, mas já agora… E que tinham medo de ter medo, foi inclusive um tema abordado pelo Dr. Miguel Monjardino hoje de manha. E a minha pergunta é, qual seria o conselho que daria a qualquer aluno desta selecção nacional uma vez que qualquer um de nós pode ser empreendedor, porque antes de mais é uma mentalidade. Se o conselho seria “emigrem”, se o conselho seria “não vão por aí”, se o conselho seria “vão por aí” e se de facto há condições e se há quais deveriam ser as condições criadas.
 
Prof. Dr.António Borges
Olhe, em primeiro lugar eu queria desfazer essa ideia de que Portugal não é um país empreendedor. Eu acho que é, sempre foi, continua a ser e só não é quando as circunstâncias são tais que isso se torna praticamente suicídio uma pessoa se lançar em aventuras empresariais. Porque de resto não é assim. Um bocadinho de perspectiva histórica: nós temos dois momentos de extraordinário crescimento económico em Portugal em épocas recentes. Um foi a década de 60 e outro foi a década de 85/95. Foram períodos em que Portugal teve taxas de crescimento económico das mais altas do mundo.  Na década de 60, entre 60 e 72 mais ou menos, Portugal foi o segundo país com maior crescimento económico no mundo. O único que cresceu mais do que nós foi a Formosa, Taiwan, de resto tivemos um crescimento anual de 7% ao ano, coisa extraordinária. Porquê? Por uma razão muito simples, a política económica muito diferente desta. O país entrou na EFTA portanto na Associação Económica de Comércio Livre, que se formou ao mesmo tempo que o Mercado Comum, o Mercado Comum nunca nos aceitaria por sermos uma ditadura, e, portanto, fomos para a EFTA  um bocadinho por obrigação, digamos, e a EFTA teve um resultado, um impacto extraordinário. O país abriu-se ao exterior e uma série de empresas novas apareceram graças a um conjunto extraordinário de empresários, todos eles, gente completamente desconhecida e que de facto deram um dinamismo, um crescimento, uma inovação à economia. É daí que resultam aquilo que nós hoje chamamos as indústrias tradicionais, os têxteis, vestuário, calçado etc., apareceu tudo nessa altura e apareceram empresas que ainda hoje têm 5.000 empregados que na altura não existiam e que foram começadas por gente que eram operários que se lembrarambem, agora vou aqui fazer uma empresazinha, vamos lá ver se isto resulta”, e depois resultava, resultava mesmo e iam crescendo, crescendo e chegavam aos milhares. Foi portanto um esforço extraordinariamente dinâmico de empreendedorismo que levou a todo aquele crescimento económico, em paralelo com uma série de sectores mais manipulistas organizados pelo Dr. Salazar, com base no cooperativismo, os grandes grupos económicos, que era um travão ao crescimento da economia, justamente da tal economia dinâmica e empresarial. Portanto apesar de uma política de protecção a sectores manipulistas a verdade é que o dinamismo dos empresários foi suficiente para gerar um crescimento económico extremamente rápido todo ele voltado para o estrangeiro, isto é, para a exportação, para os mercados europeus que a EFTA tinha tornado possível. Pois se os senhores viram a década de 85, 95, que eu conheço bem porque justamente entre 90 e 93 foi quando eu estive no Banco de Portugal e acompanhei muito bem tudo aquilo que foi evolução económica dessa altura, esses números existem, os senhores podem ir vê-los. Portugal foi um dos países com maior criação de empresas do mundo, evidentemente à nossa escala, nessa época, porque o crescimento económico era favorável,  os obstáculos iam desaparecendo, os empresários eram bem sucedidos e criaram-se muitíssimos, aliás se os senhores pensarem bem muitas das empresas grandes, que hoje são grandes empresas que nessa altura não existiam e foram criadas. A Sonae, por exemplo, o Grupo Amorim. Não existiam em 85, existiam umas coisinhas de nada, praticamente desconhecidas, não é verdade? O BCP, o BPI por exemplo não existiam, foram criados nessa época. Houve alguns empresários mais ou menos loucos que acharam “bom, agora é que é o momento de me lançar, de lançar uma empresa” e quando se lançaram não tinham nenhumas garantias de sucesso e a verdade é que aquilo correu bem, enfim, uns com mais sucesso a longo prazo, outros com menos, mas de facto nessa época criaram-se empresas muito importantes. Eu devo dizer, aliás, que uma das coisas que devo dizer é que uma coisa que faz falta ao país é uma segunda vaga de empresários como aqueles que existiram em 85, e que fizeram coisas extraordinárias, não é? Agora, as condições hoje são muito mais difíceis e apesar disso continua a haver muita e interessante iniciativa empresarial. Há uma série de empresas relativamente novas, que não existiam há uns anos atrás, por exemplo a Martifer, que os senhores talvez conheçam não é? Era uma empresa que tinha 10 pessoas aqui há unas anos atrás e que hoje é um gigante das construções metálicas e das energias renováveis, não é, esse é um bom exemplo. Mas há no sector das novas tecnologias uma serie de exemplos de empresas extremamente bem sucedidas muito, muito sofisticadas, muito tecnologicamente avançadas, todas elas voltadas elas para o mercado externo e que são casos que mostram que é possível. Gente que sai da Universidade é que se lança nestas um bocadinho loucos não é, e portanto, mostram que isto é possível. Depois as dificuldades acabam por se revelar é na capacidade de pegar nesses casos bem sucedidos e faze-los crescer para um nível em que se realiza completamente o seu potencial e aí é que muita gente acaba por vender. Um professor universitário, só para falar num caso concreto que que lança uma empresa e depois oferece 150 milhões de dólares a uma empresa, perante as dificuldades que ele se debate no território, “tomem lá a empresa e dá para cá os 150 milhões”... Quer dizer, noutro ambiente teria a perspectiva de ir para um bilião ou dois ou dez, não é? Cá em Portugal é que não há uma conjuntura ideal que facilite porque realmente o Governo está muito mais preocupado com as industrias que eles protegem do que em permitir que estes casos extremamente promissores cheguem à escala que eles podem e merecem atingir. Mas apesar das dificuldades há suficiente iniciativa empresarial para mostrar que isto continua a ser uma realidade em Portugal. E de facto hoje em dia este ponto é muito, muito importante. Quase todo o progresso económico resulta de novas iniciativas empresariais, o que implica uma grande tomada de risco e portanto os senhores não tenham ilusões, quem quiser ser empresário tem de estar preparado para correr riscos e para eventualmente falhar e se falhar, aliás a probabilidade de falhar é muito mais alta do que a probabilidade de ser bem sucedido, portanto se falhar falhou! E recomeça-se de novo ou vai-se para outra coisa, etc., etc. Agora, sem essa capacidade empresarial, que depois traz essa enorme inovação, e em particular a inovação tecnológica, não há grande crescimento económico. Se os senhores forem ver os países europeus mais bem sucedidos que repito são os países escandinavos, os nórdicos, quase todo esse sucesso tem que ver com iniciativa empresarial em particular em sectores de ponta e todos eles voltados para o estrangeiro, portanto uma política económica exactamente o oposto daquela que o partido socialista tem vindo a pôr em prática nestes últimos anos que é proteger as grandes empresas voltadas para o mercado interno. Estamos a falar exactamente do oposto.
 
Pedro Rodrigues
Muito bem, muito obrigado Sr. Professor. Temos 2 questões e vamos juntá-las porque estamos com 10 minutos para terminar a sessão portanto a palavra à Cristina Barros do grupo bege.
 
Cristina Barros
Boa tarde a todos. O que verificamos hoje é que no fundo vivemos numa crise de confiança. Confiança na Economia, dos investidores, nas famílias, como devolver a confiança ao país? E se efectivamente fossemos um grupo de investidores prontos para criar uma PME, qual seria o melhor sector para investir? Obrigada.
 
Pedro Rodrigues
Guilherme Diaz Bérrio, do grupo amarelo.
 
Guilherme Diaz-Bérrio
Ora, muito boa tarde. Pegando na pergunta do empreendedorismo e na sua resposta, há aqui uma questão que eu tive alguma dúvida, que é como é que nós vamos enfrentar o povo português? É com o seguinte, é muito simples, dinamização de uma economia o ‘y’ também vai implicar que nós temos de repor os incentivos de mercado. Porque é que nós lá fora somos produtivos e cá dentro não somos? Porque lá as empresas têm mercado e dão-se a uma disciplina e consciência. Precisam de inovação, precisam de ser competitivas não há o Estado sempre a ajudar, portanto nós vamos ter de flexibilizar algumas coisas, por exemplo as falências, temos também de flexibilizar a reestruturação de dívida, o emprego, portanto vai haver um período de ajuste, vai haver um período em que as nossas políticas vão dar mais desemprego do que inicialmente, um período aqui em que a economia, presumo eu, esta é a questão, a economia estará num período de transição e portanto como é que nós explicamos isto aos portugueses e não enfrentando a sua fúria tendo em conta que os portugueses vivem cá em Portugal, não os que trabalham lá, nós estamos um bocado mal habituados, ficamos um pouco comodistas e a mudança é algo que para nós é muito estranha. Muito obrigado.
 
Prof. Dr.António Borges
Como deve calcular não estou exactamente de acordo com isso, enfim. Portanto, a primeira questão é sobre a confiança, e essa é uma questão importante. A confiança é absolutamente necessária mas não é suficiente. Reparem que esse foi um dos principais erros do Eng.º Sócrates, foi tentar resolver os problemas todos com base na confiança. Dizer “o país está óptimo”, isto foi há uns anos atrás, agora já não tem essa coragem, mas na altura “o país está óptimo, isto está bestial” e não sei o quê, e tal, e “vamos crescer a todo o gás”, e não sei o quê e “o que é preciso é confiança”, e não sei o quê e não sei o que mais. Muito bem, não é! A confiança é muito importante, é uma condição necessária mas não suficiente. Eu acho que a confiança se restaura, hoje em dia, de facto, não há confiança. Não há. As pessoas estão descrentes, não é? Seja em que nível for, seja em que actividade for, está tudo descrente. É por isso que se as coisas não mudassem no dia 27 seria o maior de todos os escândalos, porque os portugueses não são capazes, estando eles tão descontentes e tão descrentes, com tão pouca confiança, não são capazes de abanar isto tudo e mandar este pessoal para outra vida não é? Ora, a confiança é portanto um primeiro objectivo, imediato que é realmente a Dra. Manuela tomar conta do governo e indicar “não, agora mudou, agora o regime é outro, agora de facto vamos viver noutro registo, os senhores podem contar com isso”. E esse é talvez o seu principal atributo, é que as pessoas têm razão para acreditar, porque ela nunca disse nada que  não fizesse a seguir, não é? Ou que não se verificasse também. A prudência que ela tem é justamente não prometer aquilo que não é capaz de concretizar é precisamente para não comprometer essa tal objectivo da confiança que é crucial quer dizer, “os senhores acreditem em mim, os portugueses podem acreditar em mim porque sabem que eu não vou prometer aquilo que não sou capaz de concretizar”. Portanto, um primeiro ponto, e uma grande esperança que nós temos, e que temos de ter, é que com a mudança política virá uma mudança muito importante na confiança das pessoas. Agora, não se pense, de facto que com confiança os problemas estão todos resolvidos porque é preciso efectivamente, há também problemas estruturais, muito fundos, muito sérios que ou bem que se resolvem ou então as pessoas acabam por perder outra vez a confiança.  Portanto, a confiança é um primeiro ingrediente, mas se não se resolverem de facto os problemas esse ingrediente  esvai-se também rapidamente, portanto temos depois de actuar com seriedade e portanto entramos aqui nesta segunda pergunta. Mas ainda na sua pergunta, se quisessem, em resposta a uma grande mudança política no país lançar-se numa aventura empresarial, eu pouco aconselhava-os claramente a lançarem-se numa aventura ligada ao estrangeiro, ligada à exportação, ligada a mercados externos em que os senhores sejam capazes de uma forma ou de outra atrair clientes ou consumidores ou, enfim,  internacionais, investidores mesmo para o vosso projecto. Não fiquem limitados ao mercado interno, é excessivamente pequeno e excessivamente viciado, digamos, em muita coisa tal como na década de 60 como eu dizia, ou na de 85, olhem com vistas mais largas para o exterior e com essa disciplina fiável em que se sabe, efectivamente, como se é bem sucedido ou não, aí sim vale a pena apostar. E depois apostar com os pés assentes na terra, saber exactamente com o que é que se pode contar quando se lança um projecto novo. Mas há de facto muitos projectos novos que tiveram resultado, que conseguiram.  Depois, esta questão do pessimismo em relação à capacidade dos portugueses de aceitarem a mudança que é necessária. O ponto esta muito bem feito de que precisamos também de uma mudança de regras de jogo.  A ideia central da economia de mercado e a ideia central do capitalismo, se quiserem, é a do mérito, é a de quem tem mérito sobrevive, quem não tem mérito é varrido do mapa pela concorrência não é, e esta ideia tem de se recuperar de forma muito, muito forte. Tem de se recuperar a ideia de que o capitalismo é a sobrevivência dos melhores, a economia de mercado é para se fazer limpeza entre os bons e os maus e portanto quem não contribui para a prosperidade colectiva não pode ser tratado da mesma forma de quem contribui. Isto está muito esbatido, para não dizer pior, na actual situação portuguesa, porque nos vimos gente do melhor que há a trabalhar que nem uns desalmados: empresários, trabalhadores, colaboradores, tudo isso em sectores que não têm futuro, que a política económica é contra eles. E depois vemos os apoios todos e os gastos do Estado todos e a actuação do Estado no sentido de apoiar aqueles que já não precisam de ser apoiados, que já são tão grandes, tão prósperos e portanto há aqui um movimento que de facto tem de ser profundamente alterado.

Agora, o que eu tenho uma opinião completamente diferente é que isto é completamente impossível de se fazer porque temos de enfrentar a oposição do povo português. Eu não estou de acordo com isto, eu acho que as pessoas, os portugueses gostam de ter bons incentivos, que é para isso (ou por isso) que eles lá fora… Reparem, se os emigrantes vão para o Estrangeiro e vão em grande, continuam a ir, ao contrario do que se pensa, infelizmente, nunca houve tanta gente a ir para Inglaterra como nos últimos cinco anos por exemplo. Foram 500 mil pessoas para Inglaterra nos últimos cinco anos, 500 mil portugueses, uma coisa escandalosa, as pessoas terem de sair do seu país para terem alguma chance de se desenvolverem pessoalmente e profissionalmente. Bom, porque é que os Portugueses seriam tão opostos à mudança em Portugal mas depois vão para países onde a situação é muito mais rigorosa e muito mais exigente? É porque gostam de ir para lá não é? Ninguém os obriga a ir não é? E portanto é isto que eu acho, que as pessoas respondem bem se as medidas que são postas em prática, são medidas que se destinam precisamente a compensar quem merece ser recompensado. Evidentemente que alguns não gostarão mas não quer dizer que esses dominem a vida política portuguesa, eu não acredito nisso, acho que os portugueses até são muito sensatos em particular na altura de votar, e portanto não tenho esse pessimismo quanto à impossibilidade de em democracia voltar às regras do jogo sãs e essenciais da economia de mercado. Também não concordo que o primeiro impacto de uma nova política económica é aumentar no desemprego, exactamente ao contrario. Nós estamos numa situação em que é perfeitamente possível com uma alteração de política económica restaurar a validade de muitos postos de trabalho e portanto o desemprego começar a diminuir mais depressa do que noutras circunstancias. Não quer dizer que se tenha o primeiro emprego amanha mas que se pode inverter a tendência rapidamente pode. E depois à medida que se for recuperando o crescimento económico que só pode ser possível com uma política económica muito diferente, mas à medida que se for recuperando o crescimento económico em taxas normais, 3 ou 4% ao ano, isso é que é a norma de qualidade de um país como nós então aí sim, podemos encarar medidas mais difíceis, mais duras, que já são melhor aceites porque as pessoas estão em situação em que têm melhores alternativas, em que têm outras hipóteses, em que têm outras opções. Esse timing também… a política é muito a questão do timing não é?

Lembrem-se, por exemplo, da Sr. Thatcher que fez aquela revolução profundíssima em Inglaterra. Não quer dizer que eu esteja de acordo com tudo o que ela fez, mas que fez uma grande revolução fez, mas ela escolheu muito bem o timing exacto das medidas que foi tomando. E se o timing tivesse sido diferente, provavelmente teria sido varrido do mapa muito cedo. E é isso, precisamente, que nós temos de saber fazer e ir fazendo ao longo do tempo para ter constantemente o apoio do eleitorado senão de facto somos… não há futuro, em democracia não há futuro sem o eleitorado.

 
Dep.Carlos Coelho
Queria em nosso nome, em vosso nome, agradecer ao Professor António Borges a aula que nos deu e a resposta às nossas questões. Como é habitual eu e o Pedro Rodrigues vamos acompanhar o nosso convidado à saída. Peço ao Duarte Marques e à equipa dos Srs. Avaliadores para vir aqui. Sr. Professor, muitíssimo obrigado.
 
Prof. Dr.António Borges
Obrigado eu.

(Aplausos)