ACTAS  
 
8/25/2009
Tensões, conflitos e riscos no Mundo
 
Dep.Carlos Coelho

Todos os participantes da Universidade de Verão 2009 estão na sala, não há ninguém que falte, antes da hora, e portanto começamos da melhor maneira a nossa primeira jornada de trabalhos. Queria dizer-vos que esta sessão está a ser emitida na net em canal fechado, apenas para os ex-participantes das Universidades de Verão. Portanto, os vossos colegas de 2003, 2004, 2005, 2006, 2007 e 2008 receberam os códigos que lhes permitem aceder à emissão. Porque é que não fizemos esta emissão em canal aberto como fizemos a sessão de abertura e como iremos fazer a sessão de encerramento? Porque queremos que os nossos convidados se sintam a falar em casa e uma coisa é falar para a Universidade de Verão e outra coisa é falar para o público em geral. Assim, os nossos convidados sabem que estão a falar para nós, mas demos a faculdade àqueles que participaram nas universidades anteriores de assistir, através de um código que lhes permite visionar o broadcasting destas sessões.

Fizemos também uma inovação este ano. A inovação é a seguinte: todos os participantes das Universidades anteriores que estão a ver poderão dirigir-nos perguntas, ou melhor, dirigir perguntas aos nossos convidados. Essas perguntas serão recebidas por email e nós faremos uma selecção curta. Para aqueles que nos estão a ouvir à distância, porque já passaram por aqui, compreendem que essa selecção terá que ser muito curta. Nós não queremos prejudicar o espaço dedicado ao Catch the Eye, às perguntas livres daqueles que estão na Universidade 2009 e portanto iremos seleccionar em cada tema apenas uma ou duas perguntas daqueles que estão a ouvir-nos à distância e que enviarem as suas perguntas pela internet. É uma forma de participar, é uma forma de recordar os tempos que viveram aqui na Universidade de Verão em anos anteriores.

E é com muito prazer que dou as boas-vindas ao Dr. Miguel Monjardino. O Dr. Miguel Monjardino não está aqui pela primeira vez, deu-nos o prazer de ser um dos convidados para um jantar-conferência na universidade de 2006. É um especialista reputado em questões internacionais, todos nós estamos habituados a ouvi-lo através dos grandes meios de comunicação social, é Professor convidado dos estudos políticos da Universidade Católica Portuguesa, cronista, colunista, analista em diversos órgãos de comunicação social, mestrado em Segurança Internacional e doutorando nestas áreas. O hobby é andar a pé de mochila às costas, ler e reler os clássicos gregos, a comida preferida é peixe, o animal preferido é o golfinho, o livro que sugere é “Tussídis, história da guerra do Peloponeso”, o filme que nos sugere “Cold Moutain” e a principal qualidade que mais aprecia é a determinação e, portanto, determinadamente, vamos ouvi-lo. Muito obrigada. Dr. Miguel Monjardino tem a palavra.

(Aplausos)

 
Dr.Miguel Monjardino
Bom dia a todos. Conseguem ouvir-me aí atrás? Ok. Bom dia selecção nacional! E bom dia geração de mudança! Eu queria começar por agradecer muito o convite para voltar a estar aqui. Eu estive aqui em 2006 e adorei e, portanto, estou aqui com imenso gosto. Mas também estou aqui um bocado pesaroso. O que eu não teria dado, há muitos anos, para participar numa coisa deste tipo. O que eu não teria dado. O mundo na altura era muito diferente e não havia nada que se parecesse com isto em Portugal e portanto a sensação que eu tenho, não sei se vocês sentem o mesmo, é que vocês são uns privilegiados em relação à minha geração. Portugal há 25 anos era um deserto nesta área, não havia rigorosamente nada parecido com isto. E portanto, por essa razão adicional, tenho muito, muito gosto em estar aqui.

O meu tema tem a ver com conflitos, tensões e riscos no mundo. E deixem-me começar com uma coisa que me aconteceu em 1987. Em 1987 eu fui chamado para a tropa e estava um dia assim bonito, muito calor, muito, muito calor. E nós éramos 36 pessoas que não nos conhecíamos, a única coisa que tínhamos em comum é que não tínhamos cabelo e nesse dia de manhã tentamos marchar juntos para o pequeno almoço. Foi uma catástrofe. Os nossos instrutores iam desmaiando com a nossa incompetência. O pequeno almoço foi, assim dizendo, foi, enfim, espartano e depois tentamos marchar de volta para a caserna. Ainda foi pior. Não nos conseguimos entender. Brigámos todos uns com os outros. E depois tivemos que voltar a formar, na parada. A parada tinha aquele alcatrão que derretia facilmente com o calor e tinha aquela brita assim um bocadinho espetada. Enfim, nós estávamos ali, 36 marmelos ali à espera de qualquer coisa e depois vimos um ser pequenino caminhar na nossa direcção, assim passo enérgico, “TAC TAC TAC TAC” e ao lado dele vinha um soldado com uma arma. E depois começamos a perceber que esse oficial trazia uma mochila grande às costas. Ele chegou ao pé de nós, olhou para nós assim com o maior desprezo que é possível, foi ao chão, punhos fechados, posição de flexões de braços, diz ao soldado: “agora ponha a arma em cima”  - era daquelas metralhadoras grandes e ele pôs, e depois virou-se assim para nós e disse assim: “agora todos comigo” e nós olhamos para ele, “você tá mas é maluco”, aquele alcatrão quase que fervia, “este tipo tá a brincar connosco”. Mas ele não estava. E nós fomos todos para o chão, uma, duas, três, quatro, cinco, aquilo nunca mais acabava. E quando nós nos levantamos, pensamos, “isto não está a acontecer, isto não é possível, que seja esta pessoa que vá tomar conta de nós nos próximos 4 meses”, tipo, “tirem-me daqui!”.

Nessa noite nós deitámo-nos mais ou menos à hora que vocês se deitaram, três, alguns num estado deplorável e eu como tinha uma certa relutância em ir para a tropa, fiz uma asneira monumental. Eu fui o penúltimo a entrar. O penúltimo a entrar, fiquei com o beliche mesmo em frente à entrada da caserna. Durante 4 meses, todos os bêbados que entraram passaram por mim... (risos) Mas nesse dia deitámo-nos muito tarde, tipo 3 da manhã, e às 5 da manhã a porta abre-se e a personagem das flexões de braços entrou com a banda da unidade. (risos)Tantaran...” Tambores, música, nós só gemíamos.

Eu estava no beliche de baixo, no beliche de cima estava um camarada muito simpático, mas como era Verão, dormíamos de tronco nu. Essa personagem era um homem muito peludo e quando o oficial das flexões de braços disse “desça”, ele mandou-o... enfim... àquela parte. E o oficial das flexões de braços deitou-lhe a mão e ele, em meio segundo, bem, um quarto de segundo, estava cá em baixo mas tinha um buraco aqui. (risos) Tinha um buraco aqui.

E vocês perguntam, “Mas ouça lá, mas o que é que isto tem a ver connosco?” E tem muito a ver convosco pelo seguinte: aquilo que eu senti na altura foi a mudança; e quão penosa ia ser a mudança, pelo menos durante aqueles 4 meses. E aquilo que nós queríamos ao fazer muitas flexões de braços naquele alcatrão foi “por amor de Deus, apareça aí um árbitro”, daqueles árbitros de boxe que fazem uma contagem de protecção quando nós já não aguentamos mais. Mas nós rapidamente chegamos à conclusão que o árbitro não ía aparecer. A mudança era inevitável e nós, ou nos adaptávamos, ou então íamos sofrer ainda mais. Eu devo dizer que dali a 18 meses, quando saí da tropa, adorei ter estado lá. Mas o custo do ajustamento foi, inicialmente, muito, muito, muito grande. E aquilo que no fim de conta vos vai acontecer, quer vocês queiram, quer vocês não queiram, é que a mudança vem aí, vocês são a geração da mudança e vocês vão te um papel importante na interpretação e disseminação da mudança. Mas a mudança vai ser penosa para a vossa geração e isso é a primeira coisa que vocês têm que ter em conta. Se vocês quiserem – estejam descansados, nós não vamos fazer flexões de braços ali para a porta do hotel (risos), isso não vai acontecer – mas o meu papel hoje é um bocadinho o papel daquele oficial que apareceu com a mochila às costas e pediu para pôr a arma em cima. Nós vamos muito falar da mudança que aí vem e daquilo que vai acontecer.

Se vocês olharem para o título que o Presidente desta Universidade graciosamente me deu, “Tensões, Conflitos e Riscos no mundo”, todas as três palavras implicam mudança, todas as três. Eu agora gostaria de fazer aqui – eu prometo que não vou falar muito, isto não é uma aula tradicional, estejam descansados. A pior coisa que pode acontecer é um professor com um microfone - mas eu gostava que falássemos bastante e queria fazer aqui uma primeira pausa para vos fazer uma pergunta. Quando vocês olham para o mundo ou pensam sobre o mundo, o que é que vos preocupa, o que é que vocês vêem? Eu não sei se vocês estão ordenados por grupos ou não. Estão? Então nós fazíamos aqui, tiramos 2 ou 3 minutos, vocês falem uns com os outros, aquilo que eu vos pedia era que cada grupo me dissesse o que é que vocês vêem no mundo, o que é que vos preocupa, tá bem? Ok? Vamos a isso.

(Pausa)

 
Dep.Carlos Coelho
Eu presumo que o Dr. Miguel Monjardino vos vai passar a palavra, só duas recomendações: nós fazemos as actas da Universidade e, portanto, precisamos de ter o registo das vossas intervenções gravado, sob pena de eles não aparecerem, portanto, quem responder agora às perguntas do Dr. Miguel Monjardino  terá de usar os microfones. É simples, basta carregar no botão e têm que, quando terminam a vossa intervenção, tornar a desligar porque isso prejudica o acesso de outros colegas ao microfone. Miguel.
 
Dr.Miguel Monjardino
Ok? Eu não sei as cores dos grupos. Então começamos lá por trás. Qual é a cor do grupo lá atrás? Laranja! Laranja, muito bem! (risos) Então digam lá.

Dep. Carlos Coelho – Peço desculpa, digam também o vosso nome quem estiver a falar, porque senão não é possível depois identificar quem é que falou.

Grupo Laranja – A mim o que mais me preocupa é a crescente pobreza no mundo, não só a pobreza extrema, mas também a pobreza que vemos nos supostos países desenvolvidos e que atinge sobretudo os jovens, que é uma coisa inédita, e jovens licenciados e capacitados e também a contínua violação dos direitos humanos, apesar de todos os avanços e de todos os diplomas que vamos construindo nesse âmbito.

Dr. Miguel Monjardino – Muito obrigado. A seguir é o grupo vermelho, é?

 
Miguel Nunes Silva
Muito bom dia. O grupo vermelho tem sérias preocupações a nível da crise de valores. O excesso de egocentrismo, um pensamento a curto prazo e as consequências que isso pode trazer para o mundo. A indiferença, a apatia política e sobretudo as consequências que isso terá nas gerações futuras. O legado que nós estaremos a deixar e as consequências que isso deixará no mundo.

 

Dr. Miguel Monjardino - Muito bem. Grupo Cor de Rosa? Um grupo que tem que ter muita coragem! (risos)

 
Carla Marcelino
O grupo Cor de Rosa recolheu como as principais preocupações para além da pobreza, a sustentabilidade dos recursos naturais e a existência de regimes ditatoriais em vários países, que contrasta com a formação que nós temos aqui hoje e, portanto, é uma das preocupações que nós temos em relação aos jovens dos outros países. Obrigada.
 
Jean Barroca
O grupo Azul tem como principal preocupação a questão da incerteza do que é que vai ser amanhã e da instabilidade constante que se vive no mundo, não tanto a instabilidade, mas a iminência da mudança, não saber de hoje para amanhã o que vai acontecer mas ter a noção de que qualquer pequena perturbação vai obrigar a uma grande mudança.
 
Filipe Almeida
A nossa preocupação, quando nós olhamos para o mundo, nós dividimos esta questão essencialmente em 3 pontos: o egoísmo, portanto na incapacidade de os países olharem os problemas como globais; a divisão entre civilizações / países, originando choques aos níveis sociais, económico, políticos e também ao nível das desigualdades.
 
Liliana Vaz de Carvalho
Bom dia a todos. O nosso grupo preocupa-se com a perda do sonho; a guerra, no que diz respeito à segurança militar; o ambiente, no que diz respeito aos riscos ecológicos; os conflitos sociais, com a exclusão social e o desemprego; o futuro dos nossos filhos e, como já foi dito, o desenvolvimento sustentável pela escassez de recursos.

Dr. Miguel Monjardino – Obrigado.

Grupo Cinzento – Bom dia. O nosso grupo seleccionou os seguintes temas: crescimento do extremismo, nomeadamente religioso em alguns estados islâmicos e o político em alguns estados europeus; a ausência de um equilíbrio natural entre potências económicas e militares, com certa manutenção dos Estados Unidos como potência militar, não havendo uma outra potência reconhecida; a ausência de uma preocupação genuína no combate à pobreza; a falta de solidariedade no mundo e uma falta de liberdade nos media em determinados estados mundiais.

Dr. Miguel Monjardino – Muito obrigado.

 
Francisco Miguel Sousa
Nós centramo-nos muito na questão da instabilidade. Instabilidade cultural, social, pessoal, política, a nível religioso. Fruto também da comunicação e aproximação dos pólos, dá um facto da falta de consistência da parte global.
 
Guilherme Diaz-Bérrio
A nossa grande preocupação é a proliferação dos estados falhados que basicamente utilizam a intolerância para com os outros povos e fanatismo como uma arma política, sendo por isso o perfeito barril de pólvora para a instabilidade mundial.
 
André da Silva Mota
Nós entendemos que o desenvolvimento não sustentável, em termos mundiais, tem reflectido impressões financeiras  em que, Estados e vários países pelo mundo têm criado um conjunto de pressões financeiras e de negócio que criam instabilidade em termos sociais. Porque há alguma ostracização de alguns recursos que limitam outros estados a ficarem com menos recursos e a Europa neste campo também sofre um bocadinho porque está a sentir pressões de países emergentes e que reflectem um bocadinho também a insegurança com que vivemos neste momento face a outros países que também o sentem, sem dúvida nenhuma, mas que jogam com regras, se calhar, não tão éticas nem tão humanas.
 
Dr.Miguel Monjardino
Falaram todos os grupos ou houve algum que ficou esquecido? Falaram todos. Muito bem. Eu tomei aqui umas breves notas sobre o que os grupos disseram e agora queria perguntar-vos uma coisa. Não vai ser por grupos, mas podemos fazer uma votação de braço no ar e podemos arranjar uma maneira de contar os votos.

Se eu vos perguntar se vocês estão optimistas, olhando para os próximos 15, 20 anos, se eu vos perguntar se vocês estão optimistas ou pessimistas em relação ao vosso futuro, o que é que vocês me dizem? Individualmente. Podemos fazer uma votação. Pensem um bocadinho: olhando para os próximos 15, 20 anos, com base no que vocês acabaram de me dizer, vocês estão optimistas em relação ao vosso futuro, estão pessimistas ou não têm opinião? Pensem um bocadinho.

(pequena pausa)

Então vamos votar. Quem é que está pessimista?... Contei 27. Quem é que não tem opinião?... Uau... (risos) Então eu presumo que isto queira dizer que os outros 73 estão optimistas. É isso? A minha conta está certa? Muito bem. Então agora, antes de avançarmos, eu presumo que vocês tenham algures na vossa pasta ou algures por aí uma canção dos R.E.M. chamada “It´s the end of the world and i feel fine”.

Isto foi uma canção dos R.E.M.  – nem faço ideia se vocês conhecem os R.E.M., na minha geração era muito conhecido e quando eu andava a fazer flexões de braços (risos), deixem-me dizer “i didn´t feel fine” e julgava “It´s the end of the world, oh God”. A canção é muito rápida e por isso eu pus a letra aí para vocês verem. Mas é para vocês também verem que em 1987, há muitos anos, algumas pessoas não tinham nascido aqui, a maior parte de vocês andava de fraldas, tinham começado a andar, estavam na classe, talvez, também já na altura havia medo da mudança. A mudança é algo que acontece sempre, o que  vai acontecer agora é que a mudança vai ser muito mais rápida. Ele canta muito, muito depressa e portanto a letra é um bocadinho para vos ajudar a seguir o que é que ele canta, ok? Têm todos? Então, vamos a eles.

(Toca a música)

Ok, antes de passarmos à canção, como isto aconteceu há muitos anos, na 2ª linha tem o Lenny Bruce. Lenny Bruce foi o primeiro stand-up comediant nos Estados Unidos, anos 60. E quando ele diz “Lenny Bruce is not afraid” é porque ele foi uma pessoa muito controversa. Mas isso depois vocês vão ao Google e percebem porquê. Quando se chega cá a baixo, na primeira folha, depois há 4 nomes: Leonard Bernstein foi um grande maestro e um grande músico norte-americano; Leonid Breshnev foi um dirigente da União Soviética que deu um beijo na boca a Richard Nixon. (Às vezes penso que o Watergate só aconteceu...) (risos) Depois aparece-nos outra vez Lenny Bruce e depois aparece Lester Bangs que era um jornalista americano especializado em música que morreu aos 33 anos, um pouco subitamente, a ouvir música. Agora que vocês leram a letra, ou seguiram a letra, a canção é sobre o quê? Levantem a mão só para eu olhar para a pessoa que quer falar. O que é que vocês vêem na canção? Diga:

 
André da Silva Mota
A aceitação que o mundo está em constante mudança e que eles já não conhecem o mundo como era e estão a aceitar um novo mundo, novas mudanças, um conjunto de novas ideias.

Dr. Miguel Monjardino – Muito bem. Mais ideias?

 
Carlos Maciel
Velhos países, os mesmos conflitos.
 
Rui Pedro Bento
Uma música datada de 1987, 2 anos depois cairia, no dia 9 de Novembro de 1989 o Muro de Berlim, portanto já se pressentia os ventos da mudança e o início da Perestroika.
 
Pedro Cunha
Vejo simplesmente um processo de crise.
 
Hugo Costa Sousa
Eu gostava se calhar de resumir isto, dizendo que é a actualidade. Sinto que é isto que nós vivemos.
 
Beatriz Ferreira
Eu vejo sobretudo uma juventude inconformada, como é actualmente.
 
Gonçalo Maia Marques
Tal como o próprio ritmo da canção, frenético, mudanças alucinantes em pouco tempo.
 
Dr.Miguel Monjardino
E aqui a rapaziada da ala esquerda? Ninguém se oferece? Então quando nós acabarmos, acabamos com uma canção, começamos por vocês.

Reparem, há 22 anos havia claramente a sensação de que algo de muito grande estava a acontecer. Mas quando aconteceu, foi uma surpresa. Eu estava numa tasca em Moscavide quando o Muro de Berlim caiu. E o que é extraordinário se nós olharmos 22 anos para trás - e eu penso que o Director desta Universidade se lembra tão bem como eu - foi o optimismo no Verão de 1989. Verão/ Outono de 89, foi um ano mágico porque aquilo que era considerado impensável aconteceu. E quando ele canta ao ritmo que canta sobre mudanças vertiginosas que estão a acontecer – e vocês têm que perceber que o período da Guerra Fria foi considerado, pelo menos por nós, na Europa, um período em que a mudança foi muito lenta. O que se começou a perceber em 1987, 1988, foi que vinha aí qualquer coisa. Vinha aí qualquer coisa. E depois em 89, enfim, isto espatifou-se tudo e começou uma coisa nova. Mas foi uma coisa surpreendente, e o que ele canta aqui é “eu sei que a mudança vem aí, eu aceito a mudança, eu não tenho medo”.

Eu mostro-vos esta canção porque uma das coisas que provavelmente vai acontecer mais nos próximos anos para países pequenos ou médios como Portugal, que tem poucas alavancas em termos de política internacional, é medo. E vão ser precisas muitas pessoas, principalmente na vossa faixa etária, também ao nível mais sénior, mas muito na vossa faixa etária, pessoas que ajudem a interpretar o que está a acontecer. E esta mudança vai ser muito pouco confortável, eu não vos estou a dizer que a vossa missão será explicar a mudança no sentido de dizer “calma, não vai haver problemas”. Não, vai haver, vão haver problemas, mas nós temos que ser um bocadinho como os R.E.M., ou pelo menos como ele nesta letra, que é “a mudança vem aí, não há nada que eu possa fazer”, tal e qual como eu a fazer flexões de braços na parada, naquele Verão, não há nada que me livre deste tipo nos próximos meses, a não ser desistir e voltar outra vez. E portanto nós vamos ter que fazer isto, quer queiramos, quer não. Portanto, voltando um bocadinho atrás, muito do vosso trabalho para o futuro vai ser perceber o que está a acontecer e tentar, no fim de contas, tranquilizar as pessoas para a mudança que estará a acontecer a todos os níveis na sociedade portuguesa e também no exterior. Isso é das coisas mais importantes que vocês terão de fazer e se quiserem usar a canção dos R.E.M. para ilustrar este ponto de vista, sintam-se perfeitamente à vontade para o fazer.

Dúvidas ou questões até agora? Não há. Então eu tenho aqui a lista daquilo que vocês disseram e há aqui um grande paradoxo que é o seguinte: se vocês olharem para o mundo, praticamente toda a gente fora da Europa ou dos Estados Unidos/ Canadá gostaria de viver na Europa, o número de pessoas que quer vir ter connosco ou que quer atravessar a fronteira para os Estados unidos ou viver nos Estados Unidos e Canadá, é enorme. E o paradoxo é o seguinte: se toda a gente quer vir ter connosco, é porque nós temos algo de especial. O número de pessoas que tem morrido nos últimos anos a tentar atravessar o Mediterrâneo ou a fazer o Atlântico de África em direcção à Europa é colossal. Tem morrido muita, muita gente a tentar fazer essa travessia para nós. Nós temos algo de especial. Nós vivemos bem, apesar do todos os nossos problemas. Mas apesar disso, o que vocês mostram nas perguntas é que vocês se sentem inseguros em relação ao mundo, até algum medo. De onde é que este medo vem? Como é que é possível nós vivermos, comparado com os outros, nós vivemos muito bem e apesar disso, vocês, eu, nós, sentimo-nos mal, temos dúvidas em relação ao futuro, o exterior tende a ser visto como uma ameaça. Porque é que isto é assim? Diga.

 
Joana Morais Ribeiro
Tem a ver com expectativas, tem a ver com aquilo com que nós crescemos. Eu nasci nos anos 80, cresci nos 90 e agora que entrei para o mercado de trabalho estou aflita. Tem a ver com o que me foi vendido enquanto crescia e com aquilo que os maus pais lutaram e com aquilo que eu consigo ter agora.
 
Ricardo Gonçalves
Bom dia, eu acho que o medo advém do facto de termos algo a perder. Nós vivemos com determinadas condições especiais e olhamos para os outros povos que não têm condições nenhumas e se calhar temos um pouco de medo de ficar como esses povos, sem nada. Como eles não têm nada a perder, não têm medo. Penso que é por aí.
 
Ricardo Campelo de Magalhães
Eu acho que o medo vem da incompreensão das pessoas daquilo que se está a passar no mundo. Há um grande shift das economias ocidentais para as economias orientais emergentes e as pessoas vêem isto como uma crise mundial quando na verdade é uma crise das nossas economias. As pessoas têm medo...
 
Marta Pereira
Bom dia. Eu penso que esse nosso medo, sobretudo na Europa, vem um pouco da nossa noção da nossa fragilidade. No fundo nós vivemos num sistema bastante eficiente mas que muito facilmente poderá ter os seus riscos.
 
Dr.Miguel Monjardino
Antes de avançarmos, deixem-me só contar uma pequena história. Eu vim estudar para Lisboa em 1979, tinha acabado de fazer 17 anos e vinha dos Açores, duma ilha pequena e quando aterrei em Lisboa em 1979, eu julguei que tinha chegado ao 4º mundo. Eu fiquei, “mas isto é que é a capital do meu país? Isto é uma desgraça”. Porquê? Eu vivia numa ilha - e vivo ainda, metade da minha semana é passada lá - numa ilha que tinha uma base americana grande. E portanto habituei-me a ter muitas das coisas que os americanos tinham: coca-cola, hamburguers, batatas fritas, as calças de ganga Levi’s, os cigarros Marlboro, o whisky Johnnie Walker, mas em Lisboa não havia nada, nada. Pensei, “mas isto o que é?”. Nós dizíamos – eu penso que o Carlos Coelho se lembra – nós dizíamos isto: “Nós vamos à Europa”. A Europa era uma coisa que começava para lá dos Pirinéus. Nós estávamos numa espécie de limbo, não éramos África, mas também não éramos Europa. E portanto tenham isso em conta, vocês já não têm memória disso. Durante esse ano eu fartei-me de trazer calças de ganga, pacotes de cigarro Marlboro, garrafas de whisky Johnnie Walker. Portugal era um país com uma economia completamente fechada, vocês não imaginam do que é que se safaram. Vocês não têm ideia!...Era muito triste. Vocês hoje vivem num Portugal muitíssimo melhor, muitíssimo mais aberto ao mundo do que o Portugal em que nós crescemos. Mandar vir um livro do estrangeiro? Isso era uma trabalheira medonha, levava meses, meses. Ler um jornal estrangeiro? Televisão era a preto e branco e havia dois canais. Ou seja, o Portugal em que vocês vivem, apesar dos enormes problemas que nós temos, é um Portugal muito melhor do que o Portugal em que eu, e aqui o vosso Presidente da Universidade, crescemos. Este é o primeiro ponto.

O segundo ponto tem a ver com uma coisa que foi dita ali atrás, - eu esqueci-me do nome do vosso colega de camisa azul... Ricardo Magalhães - que tem a ver com: eu acho que as pessoas, os nossos líderes, as pessoas que falam connosco não percebem bem o que nos está a acontecer e eu gostaria de dizer que concordo. Uma das fontes de grande incómodo de hoje em dia é que as pessoas que vos deviam explicar o que está a acontecer – líderes políticos, professores, jornalistas, etc. – também não sabem muito bem para onde é que isto vai, ou seja, não há muitas – se vocês quiserem olhar em termos de GPS’s – não há muitos GPS’s em termos políticos, jornalísticos, que expliquem à vossa geração “Olhe, isto vai ser assim e aquilo que nós precisamos de fazer é isto, isto e isto”.

A dura verdade, e eu não temos problema em dizer isto a ninguém, é que nós, que trabalhamos nesta área, também não sabemos muito bem o que é que está a acontecer. Ou, se temos uma ideia do que está a acontecer, nós não sabemos muito bem como é que é possível mantermo-nos em cima da onda. E isto causa, e vai causar, ainda mais ansiedade à vossa geração ou à geração de pessoas que vocês conhecem que não se preocupam muito com isto mas que serão afectadas por esta mudança e que um dia virão falar convosco e dizer assim: “Ouça lá, você não esteve na Universidade de Verão do PSD? Você não pertence à Selecção Nacional? Vocês não pertence à geração?...  Então explique-me lá porque é que eu não tenho emprego?” Porque é que é que é tão difícil criar emprego em Portugal? A minha sorte é que o Professor António Borges vem aqui à tarde e eu passo estas questões todas para ele. (risos)

 Mas isso serão questões muito, muito, muito importantes para o vosso futuro. E parte do problema que nós temos é que eu e as outras pessoas que trabalhamos nesta área, quando começamos a falar uns com os outros sobre o que está a acontecer, sentimos um bocadinho como se tivéssemos vindo para a Universidade de Verão do PSD, com 18 anos – acho que há aqui 2 ou 3 pessoas que têm 18 anos – e portanto estamos aqui um pouco a aprender mas mais, a Universidade é toda dada numa língua estrangeira que nós não conhecemos e portanto nós ficamos assim um pouco sem perceber o que é que está a ser dito, o que é que está a acontecer.

Aquilo que eu vos gostaria de dizer, sob um certo ponto de vista, eu acho que isto vos tranquiliza mas por outro lado é aterrador, é que nós que trabalhamos nesta área também não sabemos muito bem para onde é que nós vamos e como é que nós controlamos a evolução de tudo o que está a acontecer. Isto não é um pensamento animador, mas é algo que, sendo brutalmente honesto com vocês, eu acho que é geral na área das pessoas que trabalham naquilo que se chama a Política Internacional. Porque aquilo que está a acontecer, e estamos a falar sobretudo no hemisfério norte, portanto, Canadá, Estados Unidos o mundo euro-atlântico todo, depois entrando pela euro-ásia dentro passando até ao extremo do lado de lá, a esse nível a mudança é brutal. Isso depois deixa África para outro tipo de questões a que eu já irei.

Antes de voltar a dar a palavra, aquilo que vocês têm que perceber é que os modelos que os decisores político e pessoas como eu temos usado para falar sobre o mundo, a maior parte desses modelos estão desactualizados. E isto, obviamente, aumenta ainda mais a sensação de instabilidade e de incerteza para a vossa geração, ok? Portanto da próxima vez que vos aparecer alguém que diz “Eu sei a solução”, a minha sugestão é que sejam cépticos. Agora, isto tem uma consequência para vocês: é que se ninguém sabe muito bem o que é que vai acontecer, todos nós teremos que ser agentes da mudança e isso depois tem consequências muito importantes ao nível da liderança e é possível que depois a nossa conversa vá por aí, mas eu não queria ir já aí, já lá irei.

 
Ricardo Santos Lopes
Eu acho que os nossos medos essencialmente têm que ver com a perda de privilégios, com a qualidade de vida que os nossos pais nos habituaram, “somos a geração dos 500”, dos recibos verdes, onde há muitos jovens como nós, na nossa faixa etária, que não têm qualquer tipo de formação, ou muito deficiente, somos cerca de 15 milhões de portugueses, segundo os últimos dados, e um terço vive no estrangeiro e acho que somos bombardeados todos os dias com publicidade que nos faz ser bastante consumistas e por isso mesmo acho que também é um bocado difícil saber gerir... (alguns segundos inaudíveis). Obrigado
 
Hélio Rebelo
Bom dia. A meu ver, o nosso medo provém também muito do conhecimento que temos das nossas capacidades. Da capacidade que temos a nível dos países, dos governos, de fazer bem, mas essencialmente a capacidade que também temos de fazer mal. Acho que é esse um dos nossos  medos, sabermos que há gente que consegue fazer muito mal.
 
Rui Cepeda
Eu acho que existem grandes diferenças no mundo no acesso a bens e conhecimento e acho que há uma grande questão que é, se o nivelamento no futuro, nos próximos anos, vai ser feito por cima na aproximação dos outros a nós, ou será feito o nivelamento por baixo, numa descida significativa dos nossos hábitos.
 
Maria Luísa Parracha
Bom dia. O meu maior medo é o que o senhor falou de um mundo incerto, de um futuro muito incerto para mim.
 
Dr.Miguel Monjardino
Ok. Vamos, com base naquilo que vocês disseram, vamos dar um passo em frente. O que é muito curioso quando nós ouvimos vocês – e isso, mais uma vez, é uma coisa que vocês poderão falar com o Professor António Borges hoje à tarde à tarde – é o seguinte: é o medo de perder coisas. Está presente nesta sala como está presente na vossa geração toda, como está presente também nas conversas que eu tenho com as pessoas da minha idade, que o nosso nível de vida baixe.

O que é que isto mostra? Isto mostra que nós continuamos a olhar para o mundo, aquilo que os economistas chamam um jogo de soma zero, ou seja, o tamanho do bolo é este. Se os outros vão ter mais do bolo, eu tenho menos. Se vocês olharem para praticamente todas as nossas conversas, tudo aquilo que vocês dizem parte do pressuposto de que o tamanho do bolo é fixo. E portanto, se os chineses e os indianos vêm aí porque também querem ter um bom nível de vida, e têm todo o direito de o ter, isto significa que eu terei menos. Eu acho que isso não é verdade. Mas isso é um ponto de discussão, vocês não estão aqui para concordar comigo, aliás, eu acho que seria tristíssimo se vocês saíssem daqui todos a concordar comigo.

Mas uma das coisas que vocês têm que questionar para o vosso futuro é esse pressuposto. Porque este pressuposto condiciona muito a maneira como vocês pensam e olham para o mundo, um dos vossos pilares conceptuais é dizer aquilo tudo que vocês dizem, a nível transversal é um sentimento geracional que vocês têm. Eu tenho medo de ter menos no futuro do que os meus pais tiveram e vou ter menos porque os outros vêm aí e também querem ter uma fatia do bolo. Como o bolo é fixo, eu em vez de ter metade, só vou ter um terço e portanto nós vamos ter aqui um grande problema.

Isto é muito perigoso e é muito perigoso porque conduz a lógicas nacionais defensivas, conduz a proteccionismo e, num país como Portugal que é um país muito aberto ao mundo, em termos de comércio internacional é trágico, porque significa mais desemprego. E se nós formos por aí - é um risco, e isto não será decidido por nós portugueses, porque nós não temos o peso suficiente na economia internacional hoje em dia para ter uma palavra decisiva aí, portanto, a palavra final não será nossa, teremos uma parte a dizer na União Europeia – mas se nós formos por aí, então a minha sugestão é que vocês ainda terão mais dificuldade em arranjar empregos, bons empregos, os empregos que contam para o vosso futuro. Isto é um ponto conceptual muito importante porque a pressão política, nos anos que aí vêm, para lógicas proteccionistas poderá ser muito, muito grande. E isso aí, para a vossa geração será, do meu ponto de vista, trágico.

E portanto uma das coisas que eu acho que vocês têm que prestar atenção quando continuarem a falar uns com os outros – está a ser criada aqui uma rede fantástica que vocês devem aproveitar ao máximo, já é muita gente que veio aqui. Portugal é um país onde tradicionalmente as redes funcionam mal, vocês têm aqui uma rede extraordinária que devem aproveitar - uma das coisas que vocês devem, do meu ponto de vista, ter em conta quando a rede conversar entre si, prestem bem atenção à estrutura da economia portuguesa e da nossa dependência em relação ao exterior. E vocês se olharem para aí, vêem que uma lógica proteccionista a nível internacional será catastrófica para a vossa geração, e portanto uma das coisas que eu gostaria de deixar aqui, para vocês é: a vossa geração, se quiser ser um agente da mudança em Portugal, tem que convencer os vossos amigos, o vosso grupo, a apostar num Portugal aberto ao mundo.

Qual é o problema? Isto pressupõe uma população muito mais bem educada do que aquela que temos e pressupõe criação de riqueza com grande valor acrescentado, bons empregos e esses bons empregos estão em determinados sectores de Portugal.

Há uma coisa muito curiosa quando nós falamos com pessoas que trabalham em empresas, eu diria que há, pelo menos, 2 Portugais. Vocês se falarem com pessoas na área tecnológica na linha de ponta, e nós temos alguma empresas em Portugal que trabalham nessa área, a visão é uma visão muito optimista em relação ao futuro. Se vocês falarem com as pessoas que trabalham na administração pública, com os professores, é uma visão catastrófica do país. Estamos numa fase, eu diria, bipolar.

Depende muito de com quem é que vocês falam e, parte do trabalho que vocês têm que fazer, e que os partidos políticos têm que ajudar a fazer, mas o que vai ser decisivo na vossa geração é que há 10, 20, 30 anos, a mudança vinha um pouco de cima. Aparecia um líder carismático que chegava aqui e dizia: “Uau, eu vou explicar a vocês como é que é”, e é por isso que vocês gostam todos, praticamente, tenho a certeza, do Barack Obama. “Chegou o tipo que vai resolver isto!” Eu suspeito que não, eu suspeito que não... já lá vamos... características pessoais dele são fenomenais... Mas aquilo que vai ser muito importante na vossa geração é que a mudança está a vir de baixo e vai para cima e como está a ir no elevador, quando está a chegar ao último andar e os líderes políticos abrem a porta vêem e dizem “Bolas, mas não foi isto que eu pedi” Os líderes políticos estão a carregar no botão, o elevador está a subir e quando chega lá a cima e abre a porta, os primeiros ministros, os presidentes dos países dizem “Mas não foi isto que eu pedi! Como é que eu vou explicar isto agora a vocês? Eu não posso!...”

 E portanto grande parte dos problema que as lideranças políticas têm todas a nível internacional é serem brutalmente honestas com vocês, porque o custo político de ser brutalmente honesto é muito, muito elevado. E portanto, parte da solução do problema tem a ver convosco que é, serem vocês de baixo, a alavancarem a mudança para cima e a pressionarem as lideranças políticas. Isto vai colocar-vos problemas muito complicados em termos da gestão das vossas expectativas, da gestão das vossas carreiras, da gestão das vossas ambições políticas e coisas afins, já lá vamos. Mas isso é parte do problema que vocês vão ter. Há alguma coisa que eu tenha dito agora que vos tenha suscitado um comentário?

 
Ricardo Venâncio
Há pouco, quando falava das oportunidades e dos recursos que à partida davam para todos, que nós ocidentais tínhamos mas entretanto outros povos também começam a tender a ocupar as mesmas posições que nós, fez-me alguma confusão. Eu aprendi que os recursos são escassos. Sempre assim foi e penso que sempre assim há-de ser. E depois, quando diz que é uma questão de oportunidade mas que todos poderemos alcançar e que é normal que os outros povos pretendam aquilo que nós pretendemos porque o bolo – deu-me a sensação que queria transmitir que para nós  o bolo é fixo -  mas de facto ele não é fixo. Não consegui perceber muito bem como é que é possível nós perdermos o medo que os colegas têm vindo a falar durante a manhã, quando a educação está no estado em que está, quando os apoios ao primeiro emprego são o que são, quando o apoio à habitação para que os jovens saiam mais cedo da casa dos pais é o que é, quando há falta de apoio às pequenas e médias empresas e a dificuldade em ingressar no mercado de trabalho por própria iniciativa de quem é recém-licenciado.
 
Rita Leitão
Bom dia. Há pouco, quando falou acerca das perspectivas optimistas ou pessimistas da geração em que eu me insiro - eu sou responsável por uma Biblioteca Municipal e sou arquivista numa autarquia local - quanto a mim, o que afirmou não é verdade. Porque eu acredito na promoção social e humana através da educação e acredito nessa educação para o empreendedorismo pessoal e aconselho vivamente a ouvirmos todos pessoas como o Doutor Francisco Banha ou o Engenheiro Mira Amaral, no sentido de nos auto-promovermos socialmente. E eu, como funcionária pública, também me senti um bocadinho injustiçada porque não é verdade, de todo, que sejamos os mais pessimistas. Porque já existe uma história muito antiga dos índios da Amazónia que é a história do Colibri: a Amazónia ardia e o Colibri continuava a acartar gotinhas de água para tentar apagar o fogo. Não é, de todo, verdade que sejamos todos pessimistas na função pública.
 
Dr.Miguel Monjardino
Pois não, não é. Mas eu diria que é o sentimento dominante, eu estou a simplificar e a exagerar e fico muito feliz por me ter chamado à atenção para isso. O sentimento dominante nas empresas tecnológicas tende a ser diferente do sentimento dominante na administração pública.

Deixem-me contar uma história. Eu não sei se o nome Paul Wolfowitz vos diz alguma coisa, foi o número dois no Departamento de Defesa na primeira administração W. Bush e antes disso foi um académico e no início dos anos 80 foi embaixador americano na Indonésia. Antes de assumir o seu posto como embaixador, ele foi falar com o Secretário de Estado americano que era um peso pesado da política das empresas e da academia norte-americana e disse-lhe assim: “Ó senhor Secretário explique-me lá, o senhor é doutorado em economia, foi professor numa grande universidade, foi presidente da maior empresa de construção civil do mundo, e é Secretário de Estado. Qual é a diferença entre o mundo empresarial, o mundo da administração pública e o mundo académico? “. E ele disse: “Isso é muito simples, eu explico-lhe. Nas empresas privadas, você quando pede alguma coisa a alguém e se vira, dali a 6 meses eles já desapareceram; na administração pública você pede alguma coisa a alguém, vira-se, dali a 6 meses está tudo na mesma; e os académicos, bem, os académicos são os piores de todos, você pede alguma coisa a alguém e eles dizem-lhe “quem é você para me dar ordens?”

E portanto, um dos grande problemas que nós temos em Portugal, do meu ponto de vista - mas eu sou liberal, ou seja, sou uma espécie em vias de extinção em Portugal, eu gosto de dizer que é por isso que nós somos pobres, mas isso é outra questão, não estou aqui para falar muito disso – um dos grande problemas em Portugal é que nós esperamos sempre, a tentação natural de um português, e isso tem muito a ver com na nossa tradição política, é esperar que o Estado, ou que as autoridades públicas façam alguma coisa por nós. Há um episódio delicioso passado no dia 12 de Setembro, eu penso, se a memória não me falha, foi transmitido na RTP1, que é um grande choque cultural/ideológico/social, entre um jornalista português e um emigrante português na América. O jornalista perguntava assim: “E agora o que é que espera do governo federal?”, depois do 11 de Setembro. E o emigrante português dizia: “Eu não espero nada, eu é que vou ter que fazer”. E, se a memória não me falha, o jornalista não conseguia perceber: “Mas você não espera nada do Governo?” “Não!” Estão a perceber? A atitude é completamente diferente, o tipo de atitude que nós temos é completamente diferente.

Nós se quisermos começar a ser melhores - e a responder muito às preocupações que estão presentes nesta sala - nós temos que libertar o país. A vossa geração que tem uma energia prodigiosa, vocês querem fazer coisas, vocês esbarram com um problema terrível que são as barreiras que existem neste país à criação de riqueza, à iniciativa. E onde é que isto me leva? Eu já lá vou aos recursos.

Esta cara provavelmente não vos diz nada, este é John Boyd e o título do livro, uma biografia, é “The Fighter Pilot Who Changed the Art of War”. John Boyd foi o melhor piloto de caças norte-americano nos anos 50 e 60. Um homem com uma vida pessoal muito complicada, eu não vou entrar agora aí, mas foi um inovador na arte da guerra. Ele, sozinho, mudou toda a doutrina aérea dos Estados Unidos.

Eu gostaria de lembrar a vocês que aqui estão, porque foi parte da pergunta penso que aqui do grupo cinzento, que os Estados Unidos não perdem um soldado, vítima do poder aéreo estrangeiro, nos últimos 50 anos. Têm morrido muitos americanos em combate e vão continuar a morrer mais, mas nenhum americano morreu vítima do poder aéreo do inimigo nos últimos 50 anos. Isto mostra uma superioridade a este nível, brutal.

Mas não é por isso que eu vos trago a biografia do John Boyd, trago muito por causa aquilo que está a ser dito aqui dos bloqueios estruturais que vocês têm. Está bem, a mudança vem aí, mas como é que eu mudo? É tão difícil mudar. E eu digo, é, é muito difícil mudar.

O ano passado, na Primavera. O secretário da Defesa norte-americano - eu acho que ele é mais é secretário da guerra – o Robert Gates, foi à Academia da Força Aérea falar de John Boyd. Eu pagava para lá ter estado, porque se há pessoa que é mal dita na força aérea americana é o John Boyd. A força aérea americana, apesar de ter melhorado drasticamente graças ao  John Boyd, só de ouvirem falar no nome dele, tremem. Eu não vou entrar agora por aí. John Boyd teve 6 grandes amigos na sua vida que travaram batalhas burocráticas terríveis e pagaram um preço pessoal pesadíssimo, em termos de carreira, pela mudança.

Vocês se quiserem ver, em termos práticos, em que é que o John Boyd se materializou, há um avião que é o A10, que está a ser muito usado no Afeganistão, que é o avião de ataque ao solo que a força aérea americana odeia, mas que é muito útil, e o F16 que está a chegar agora ao fim da sua vida útil.

 E o John Boyd, quando identificava pessoas que ele sabia que tinham enorme talento e enormes capacidades, fazia-lhes esta oração. E Robert Gates foi dizer perante a liderança da força aérea americana - e como eles não ouviram, e eu estou a adiantar-me, Robert Gates demitiu, pela primeira vez na história norte-americana dos últimos 50 anos, o Chefe do Estado Maior da Força Aérea e o Secretário da Força Aérea. Foram os dois para a rua. Mas ele, antes de os despedir, disse-lhes, repetiu a célebre oração, que é “To be or to do?” ,“Ser ou Fazer?”.

Isto era para pessoas que estavam a chegar a Coronel, 40, 40 e poucos anos, e ele dizia assim: “Tigre, um dia você vai chegar a uma encruzilhada na estrada e você vai ter que tomar uma decisão em relação à direcção que você vai seguir. Se você for por ali, você poderá ser alguém. Para ser alguém, você terá que fazer compromissos, provavelmente terá que abandonar alguns dos seus amigos, mas você será um membro do clube, será promovido e terá um bom emprego na administração pública. Se você for por ali, você fará alguma coisa. Alguma coisa pelo seu país, alguma coisa pela força aérea, alguma coisa para si. Mas se você decidir fazer alguma coisa em vez de ser alguma coisa, você provavelmente não será promovido e você provavelmente não conseguirá bons empregos na administração pública e você não será um favorito dos seus superiores. Mas, você continuará fiel aos seus amigos e a si. E assim você poderá fazer a verdadeira diferença”

E grande parte do problema que a vossa geração vai ter, é que vocês, mais tarde ou mais cedo, e para vocês eu suspeito que vai ser mais cedo porque os constrangimentos são cada vez maiores e vocês estão a perceber que se continuarem assim vão todos empobrecer e a perspectiva da pobreza aos vinte e poucos anos não é uma coisa animadora e, portanto, ou vocês de resignam ou vocês mudam. Mas quando vocês optarem por mudar, e eu acho que é por aí que vocês devem ir, este problema vai aparecer porque mais tarde ou mais cedo, quando vocês optarem pela mudança, a mudança implica o que está presente nesta sala: incómodo, incerteza em relação ao futuro, medo.

 Vocês quando foram agentes da mudança - e o que eu estou a tentar explicar bem a vocês é o preço de serem a geração da mudança - vocês têm que perceber bem o q é q a palavra implica. Esta palavra, que é uma palavra essencial para o país, é uma palavra que, de início, terá quase de certeza um custo pesado para vocês. Mais, nenhuma pessoa pode garantir a vocês que a mudança vai levar àquilo que vocês querem. Isto é o grande drama e tem muito a ver com aquilo que vocês estão a dizer aqui.

Nós sabemos que temos de mudar, mas eu não posso garantir a vocês – eu estou a ser muito honesto convosco – eu não posso garantir a vocês que se nós mudarmos vamos ficar melhor. Eu não posso garantir isso a vocês. E isto é muito complicado. Quando vocês têm que explicar às pessoas “Nós temos que mudar”, a pessoa diz “Está bem, mas eu no fim vou estar melhor”. Vocês se forem honestos terão que dizer “Eu não posso garantir isso”. E vocês não podem”. E vocês não podem por uma razão muito simples: a mudança implica sempre incerteza em relação ao futuro. Vocês quando abrem a porta da mudança, vocês não sabem o que é que está do lado de lá. O mais provável é que, ao puxarem pela mudança, aconteçam coisas boas e más em que ninguém tinha pensado.

Deixem-me dar-vos um exemplo: o colapso da União Soviética. Ainda hoje é um dos temas mais debatidos nos círculos académicos. O que é que Gorbachev tinha na cabeça quando decidiu mudar o sistema? Alguém aqui há um bocadinho falou em Perestroika e mudança. Gorbachev julgava que estava a mudar a União Soviética para melhor, ele julgava que conhecia o sistema, ele julgava que controlava o que ia acontecer. O resultado foi o colapso do sistema e  o sistema mudou quase de um dia para o outro.

Aquilo que eu gostaria de sugerir é que quando vocês começarem a puxar por um Portugal que aceite mais a mudança, um dos grande problemas que nós vamos ter é que, à medida que carregamos no acelerador para mudar, vão acontecer coisas surpreendentes, umas boas outras más, e o resultado final desta evolução, é que ninguém nesta sala, nenhum decisor político vos pode garantir que nós vamos ficar todos melhor no fim, não é verdade. Isto é muito difícil fazer politicamente, pedir à pessoas “temos que fazer sacrifícios agora, em nome de um benefício que, sendo brutalmente honesto, temos que admitir que é hipotético no futuro”. Isto será um dos principais desafios para vocês.

Voltando a John Boyd, para quem tem ambições políticas, para quem quer ser eleito, isto é muito difícil, porque vai haver uma tensão muito grande entre aquilo que ele diz ser alguém ou fazer algo que seja genuinamente gratificante. Porque quem quer ser eleito e quer ganhar eleições, não pode, ou é penso que é difícil, ir dizer assim: “Olhe, nós vamos mudar o país, vai levar anos mas nós vamos mudar o país. Mas eu no fim, depois deste sacrifício todo, eu não tenho a certeza que nós vamos ficar melhor”. Se um líder político for fazer isto amanhã, ou nas próximas 4 semanas, eu suspeito que os resultados no dia 27 de Setembro não sejam animadores.

Mas então será que isto quer dizer que nunca vai haver mudança? Poderá haver, desde que haja uma geração nova no país, que terá que ser a vossa faixa etária, que dê cobertura social aos líderes políticos para fazer aquilo que precisa de ser feito. É por isso que a mudança tem que vir de vocês, tem que vir de baixo. Se cada um de vocês falar com cinco pessoas, cada cinco pessoas falar com mais cinco e progressivamente, se este movimento continuar, aí será possível convencer os líderes políticos seniores de que vale a pena apostar ou arriscar na mudança.

Mas lembrem-se de John Boyd, “To be or to do?”. Esta tensão é muito real ao nível político. A propósito, John Boyd nunca foi a General, nunca passou de Coronel e no dia em que ele morreu - ele está sepultado em Arlington que é um cemitério especial na América para certo tipo de pessoas - a força Aérea estava representada com um, um oficial. O único serviço militar americano que abraçou John Boyd e aliás é lá que está tudo o que ele escreveu e fez, foram os fuzileiros, mas isso é uma rapaziada diferente, muito, muito diferente.

Em relação àquilo que o vosso colega disse, e eu vou-me já calar para passarmos às perguntas e respostas e depois acabarmos, eu gostaria só de vos dizer uma coisa em relação aos recursos. 36% dos chineses, ou seja, 480 milhões de pessoas, ou seja, praticamente a população toda da União Europeia, ainda vive com menos de um euro e meio por dia e 75% dos indianos, ou seja, 800 milhões de pessoas, ainda vivem com menos de um euro e meio. Se vocês pensam que nós vamos convencer este gente toda a continuar a ser pobre, i’ve got news for you... Ouçam, isto não vai acontecer, não vai acontecer. Nenhum líder político chinês e indiano vai aceitar “Ah, nós agora vamos deixar de produzir dióxido de carbono por causa do aquecimento global”. O que eles vão dizer, e já estão a dizer, é “Vocês é que poluíram por isso vocês agora paguem. Nós agora temos que enriquecer.” Estão a perceber?

Só na China e na Índia, há mais de um bilião de pessoas - isto é um número incompreensível para nós, nós somos 10 milhões, nós não temos ideia do que é um bilião, eu pelo menos não tenho – há mais de um bilião de pessoas a viver com menos de um euro e meio. Esta gente vai envelhecer toda muito, aliás, uma das características dominantes do vosso mundo vai ser o envelhecimento da população. Agora vocês conseguem pressentir, daqui a 10 anos será brutal. E com o aumento da esperança de vida, que vai ser muito, muito grande nos próximos anos, vocês preparem-se porque toda esta gente vai consumir mais e vai ser muito difícil, eu gostaria de sugerir, impossível ir dizer a essas pessoas “Vocês, por amor de Deus, não podem consumir mais porque isto vai causar aquecimento global, portanto vocês têm que se sacrificar”. E portanto nós vamos ter aí um grande problema político.

Eu vou-me calar agora. O Director da Universidade diz-me que chegou à altura de vocês fazerem perguntas, mais perguntas.

 
Dr.Pedro Rodrigues
Muito bem, a primeira pergunta é do Grupo Amarelo, Luís Pombo, mas eu queria fazer só um alerta. Quando nós dizemos que cada grupo tem uma pergunta, é mesmo só uma pergunta, o que significa que eu serei absolutamente implacável quando alguém tentar extrapolar esta regra e passar para a segunda pergunta.
 
Luís Pombo
Bom dia a todos, queria dar uma saudação especial ao Doutor Miguel Monjardino, Deputado Carlos Coelho, Doutor Pedro Rodrigues e a todos nesta sala. A questão no fundo vira-se um pouco para aquilo que ía falar mas não chegou a falar que foi a questão de África. A questão é: que papel é que tem Portugal actualmente e que poderá vir a ter no futuro, no que diz respeito à geo-estratégia e à intervenção nas forças de paz, especialmente no continente africano, do qual somos parceiros estratégicos.
 
Dep.Carlos Coelho
Doutor Miguel Monjardino, só ligado à questão do Luís Pombo, uma das antigas alunas, a Rita Cipriano, também fala sobre África, envia-nos um email agora que diz: “Portugal teve e tem estreitas relações com África, especialmente com as ex-colónias. Actualmente Angola é um mercado emergente. Acha que as nossas estreitas relações com África podem ser benéficas para o nosso papel na União Europeia?”
 
Dr.Miguel Monjardino
A minha resposta é sim. Nós estivemos 500 anos em África, não vou agora discutir se foi bom se foi mau, mas nós comparado com os Estados Unidos por exemplo, e com muitos países europeus, nós conhecemos África e a dimensão cultural na compreensão dos fenómenos políticos é muito importante, como nós estamos a aprender no Afeganistão agora a nosso custo. Portanto a minha resposta é sim. Mas nós temos que ser modestos em termos de expectativa. Não é por nós termos experiência em África e conhecimentos sobre África que nós vamos mudar África ou a África que fala português.

Há 3 coisas que eu acho que são interessantes em África, e vou tentar ser rápido porque há 10 grupos. Primeiro, a população em África nas próximas décadas vai explodir. E se os países africanos já têm problemas, vai haver muitos países que vão ter ainda mais problemas. Porque estamos a falar de países que institucionalmente não são países fortes, e quando os países não têm instituições fortes, a governação tende a ser má, a corrupção tende a ser elevada, a saúde pública tende a ser péssima. Portanto preparem-se para, pelo menos em algumas zonas de África, termos ainda mais problemas. Ponto número um.

Ponto número dois. A ajuda externa, do meu ponto de vista, não vai resolver o problema. Se alguém vai mudar África, são os africanos. Nós temos que aceitar isto. Nós andamos há 50 anos a despejar dinheiro em África e eu não vejo grandes resultados. Boas intenções é coisa que nós temos, não faltam boas intenções, mas o desenvolvimento é feito não é com base em boas intenções. Tem que haver instituições, tem que haver sociedade civil e nos países africanos não há. Há, todavia, alguns casos de sucesso em África, Botswana por exemplo.

Vocês têm também uma outra coisa que é uma maldição que é a maldição dos recursos. Vocês se repararem no mundo, os países que são ricos em petróleo, diamantes, madeira, gás natural, tendem a ser todos mal governados. Eu penso que a Noruega deve ser a grande excepção. E portanto, um dos problemas que nós temos é: por um lado nós vamos perceber que alguns países africanos vão ter enormes problemas, mas por outro lado como alguns desses países têm grandes recursos naturais, as nossas alavancas em termos de pressão política serão nulas ou quase nulas. O resultado parece-me que será a grande frustração. Mas nós temos claramente um papel desde que tenhamos paciência e sejamos realista em relação ao futuro e isso, obviamente, é uma mais valia em termos de União Europeia.

 
João Rodrigues Azenha
Bom dia a todos. A questão que o Grupo Azul tem para colocar ao  Dr. Miguel Monjardino é se as medidas tomadas no pós 11 de Setembro tornaram o mundo mais seguro ou, pelo contrário, as mudanças ocorridas como a criação de Guantanamo, o patriotic act as prisões da CIA, além de não evitarem futuros atentados da mesma envergadura, apenas aumentam as tensões entre os Estados dando origem à chamada “nova ordem mundial”. Obrigado.
 
Dr.Miguel Monjardino
Uau. Deixe-me chocá-lo. A minha resposta é sim, tornou os Estados Unidos mais seguros. Ponto. E agora, vocês sabem o que é que os vossos olhares me dizem? Eu aqui há uns anos estava num voo entre Houston Texas e Tucson Arizona e o avião estava cheio de mulheres, as mulheres americanas são muito grandes (risos) e elas iam para uma convenção de bowling e eu nunca tinha estado num avião aí com 10 homens e 200 mulheres. Vocês não imaginam a barulheira que era naquele avião. E o comissário de bordo tentou começar a falar, mas não houve hipótese. Ele calou-se e conseguiu pô-las todas como vocês estão agora quando eu disse isto. Ele falou baixinho e disse assim: “Minhas senhoras, bem-vindas ao voo Houston – Rio de Janeiro”. E elas calaram-se todas. (risos) E ele diz: “Bem, agora que tenho a vossa atenção,...”.

Reparem, do ponto de vista da administração Bush, a resposta ao 11 de Setembro foi um sucesso. Porquê? Porque nunca mais houve um atentado nos Estados Unidos. Eu acho que isto é imbatível para um líder político. Mas a questão, como a sua pergunta indicia, não é bem essa, é qual é o preço político e estratégico que se pagou por se ter feito o que se fez. E a resposta óbvia é: elevado. Mas nós temos uma tendência para, quando falamos em política internacional e falamos nos Estados Unidos, parece que a história americana começou no 11 de Setembro ou começou com a administração Bush.

Deixem-me dar-vos o exemplo de um presidente que é universalmente admirado hoje em dia na América e que toda a gente fala como sendo o maior. Franklin Roosevelt. Franklin Roosevelt foi um péssimo aluno, dormia em muitas reuniões de processo de decisão político, prestava pouquíssima atenção aos detalhes e no início da 2º Guerra Mundial, a seguir ao ataque de Pearl Harbor, que foi um ataque surpresa, internou em campos os japoneses americanos, portanto, cidadãos americanos foram internados num processo manifestamente ilegal e totalmente inconstitucional. Essa população foi toda internada em campos nos Estados Unidos. E como o supremo tribunal estava controlado por juízes nomeados por Franklin Roosevelt, o supremos tribunal tomou uma atitude de não aferir, ou não verificar, a constitucionalidade dessas decisões manifestamente ilegais.

Aquilo que eu estou a chamar a atenção é que... Os Estados Unidos tendem a reagir de uma forma extraordinariamente violenta quando são atacados. Nesse aspecto são muito diferentes da maior parte dos países europeus. Uma das coisas mais importantes que vocês têm que perceber em relação aos Estados Unidos e ao futuro dos Estados Unidos no mundo, há uma cultura guerreira na América. Vocês na Europa, exceptuando a Inglaterra, não há uma cultura guerreira, vocês vão ao sul da América e aquilo é impressionante, o apego às armas, a cultura da arma, a cultura da guerra, os Estados Unidos têm isso e isso é uma das razões pelas quais eu estou optimista em relação ao futuro da América. A América está disposta a pagar o preço de tentar ser líder, nós não estamos.

Quantos mortos é que vocês aceitam pagar para ver no Afeganistão uma democracia e as raparigas no Afeganistão aprenderem? Quantos mortos é que vocês estão dispostos a pagar? Eu suspeito que a vossa resposta seja “nenhum” ou “poucos”. Ouçam, quando se combate a este nível por objectivos políticos, e alguns de vocês falaram em direitos humanos, ditaduras e coisas afins,  a pergunta que eu vos faço é, que preço é que vocês estão verdadeiramente dispostos a pagar para mudar isto? E a maior parte de vocês diz-me “Há outras maneiras de fazer isso”. Bem, se calhar até há, mas há casos muito duros e muito difíceis de resolver.

Portanto, voltando à sua pergunta, a resposta a curto prazo é: os Estados Unidos tornaram-se mais seguros. Nunca mais foram atacados, nunca mais houve um atentado de grande envergadura em relação à América. Mais, se vocês repararem, aquilo que a administração Obama está a fazer garante a vocês uma coisa: Guantanamo não fecha antes do final do ano, as rendições extraordinárias que a administração Clinton começou, que a administração Bush continuou, vão continuar com esta administração. Os assassinatos selectivos obviamente vão continuar. Vão continuar. Ouçam, isto é muito duro, na ponta da espada ao nível mais duro que existe, isto é brutal e quem não está disposto a jogar o jogo a este nível, não merece estar numa posição de comando, porque não sobrevive.

E portanto, uma das obrigações que vocês têm, que é um bocadinho decifrar aquilo que está acontecer, se vocês forem ver o grau de continuidade entre aquilo que a administração Obama está realmente a fazer no terreno, é muito grande em relação àquilo que a administração Bush fez. Muito grande. Vai haver umas pessoas que vão ser sacrificadas agora na CIA, enfim, isto agora também é preciso dar alguma coisa à base política que nos apoia, e foram cometidos excessos enormes, mas a verdade é que, ao nível que verdadeiramente interessa, eu pessoalmente acho que o grau de continuidade é grande e o grau de continuidade é grande porque a administração Obama não vai querer pagar o preço político de sofrer um novo atentado, portanto eu acho que a opção vai continuar a ser muito dura.

 
Francisco Miguel Sousa
Eu gostaria de fazer um contexto a nível do bolo.  O que nos assusta não é o jogo de soma nula, mas o facto de que o bolo, cada vez mais, apesar de ser maior, tem muitas mais mãos e ir buscar e, por outro lado, os recursos são cada vez menores: a manteiga está a escassear, o leite está a escassear, isto para não falar que os padeiros, agricultores são cada vez menos e com maior  força a nível mundial. E é essa a questão que eu queria fazer: poderão os bens essenciais – água, alimentação – constituir uma fonte de conflito internacional no futuro? Se sim, dê-nos uma imagem do que poderia passar.
 
Dr.Miguel Monjardino
Ok. E agora que vocês estão a ficar com calor, o vosso colega graciosamente falou de água e de recursos. Respondendo muito rapidamente à sua pergunta, eu suspeito que se fizesse uma sondagem a esta sala, quando se fala em recursos e na escassez de recursos - petróleo, energia, água, comida - a maior parte de vocês acha  que vai haver guerras pelos recursos, é a linguagem dominante quando nós falamos com a vossa geração e com a minha geração, no futuro haverá guerras pelos recursos.

Eu, pessoalmente, tenho dúvidas. Acho que há muito poucos exemplos de guerras por recursos. A água é o caso mais clássico, conheço muito poucas guerras na História - sou capaz de me lembrar de uma ou duas e a primeira foi há três ou quatro mil anos – de guerras pela água. Ou seja, eu acho que uma das coisas que vos incomoda quando nós falamos de recursos, quando nós falamos de futuro, é esta ideia de que vai faltar coisas. Exactamente porque vão faltar coisas haverá guerras, eu aceito que vai haver competição, pessoalmente tenho dúvidas que vão haver muitas guerras pelos recursos. Não vejo nada na literatura académica e na História que mostre guerras, genuínas guerras pelos recursos. Haverá disputas geo-políticas, haverá divergências, mas acho que o que o padrão mostra é a cooperação internacional ao nível da gestão dos recursos. Isto depois é um tema que, se vocês quiserem, a seguir eu poderei falar convosco.

 
Isabel Peixoto de Castro
A nossa questão é a seguinte: perante uma conjuntura de mudança iminente, a visão portuguesa de Estado paternalista poderá colidir com a nossa abertura e procura de alavancas internacionais, tal como falou, para o nosso desenvolvimento económico ou social e superar essa mesma mudança?
 
Dr.Miguel Monjardino
A minha resposta é sim. Mas a minha resposta é sim por razões que para muitas pessoas em Portugal são inaceitáveis. Eu tenho muita dificuldade em aceitar que um governo de pessoas bem intencionadas e competentes seja  capaz de, por si só, guiar o país em relação ao futuro. Eu tenho dúvidas, tem a ver com uma coisa que eu tentei explicar há um bocadinho, eu acho que ninguém sabe muito bem para onde é que nós vamos.  Tenho dúvidas que os decisores políticos, a geração de decisores políticos que nunca, do meu ponto de vista, trabalhou em sectores altamente dinâmicos de ruptura e de inovação, em que as surpresas são enormes, a flexibilidade tem que ser muito, muito grande, pessoalmente tenho dúvidas que sejam os governos a liderar a mudança. Eu preferia mil vezes, mas isso eu sei que pertenço a uma pequena minoria no país, que qualquer governo no país libertasse o país, libertasse as pessoas para fazerem o que as pessoas querem fazer e aí as pessoas vão errar, vão acertar, mas acho que o resultado final para o país seria muito melhor.
 
Rui Cepeda
Bom dia. Então a questão da nossa equipa é, relativamente à questão do “To be or to do”, até que ponto os políticos e a política externa da União Europeia está demasiado vocacionada apenas para o “To be”.
 
Dr.Miguel Monjardino
Tem toda a razão! Eu não acho que exista política externa europeia, pelo menos não a vejo,  só a  vejo a um nível, que é  no domínio comercial. E isto levanta uma questão, a União Europeia é apenas um espaço comercial de liberdades políticas ou será algo para o futuro? E a ideia dominante no Tratado de Lisboa é, claramente, nós queremos que a União Europeia seja um grande actor político na cena internacional.

Eu pessoalmente tenho dúvidas que nós vamos ser capazes de chegar lá. Acho que a lógica dos interesses nacionais, nesta fase da construção europeia muito grande, à medida que a mudança de que nós falamos começar a chegar, acho que a tentação de nacionalizar certo tipo de coisas será ainda maior. Mas vocês têm aqui um excelente Presidente da Universidade que está em Bruxelas e sabe muito bem como é que são as correntes profundas ao nível da União Europeia. Mas eu, pessoalmente, tenho dúvidas que nos próximos 5, 10 anos, a União Europeia venha ter algo que se pareça genuinamente com uma política externa, excepto na área comercial em que aí, nós somos bons e a nível do desenho e concretização de regras a nível internacional. Aí é que eu acho que poderemos ir, o espaço comercial, a propriedade intelectual, esse tipo de coisas, nós somos muito bons, aí eu acho que vamos continuar a ser bons. A nível do desenho de uma política externa europeia, eu tenho muitas dúvidas que isso seja possível.

 
Maria João Sobreiro
A questão do nosso grupo é a seguinte: dado o conflito que existe entre Israel e a Palestina, Barack Obama tem sido um dos maiores intervenientes pela luta pela paz neste conflito. A nossa questão vai no sentido de saber se esta atitude é um exemplo para seguir noutros conflitos, ou será apenas uma mera  questão de propaganda da sua imagem.
 
Dr.Miguel Monjardino
Eu pessoalmente tenho dúvidas que Barack Obama vá mergulhar na questão Israelo-Palestiniana. Todos os presidentes americanos desde, sei lá, Richard Nixon, têm tentado, de uma forma ou de outra, resolver ou gerir aquele problema. Nunca ninguém conseguiu resolver. Algumas das melhores mentes mundiais trabalham afincadamente naquele assunto. Eu tenho dúvidas que o Barack Obama vá por aí. Há uma coisa que os líderes políticos têm, e Barack Obama sabe isso melhor que ninguém, que é capital político. Eu duvido que ele vá querer gastar o seu enorme capital político num assunto que, literalmente, minou a credibilidade de todos os líderes políticos que o tocaram nos últimos anos. E daí que eu ache que é altamente significativo que ele tenha nomeado um representante especial para tratar do assunto. O que do ponto de vista burocrático sugere, pôr alguém à frente, o senador George Mitchell, que é um homem muito experiente na área de processos de paz ...

(3 minutos inaudíveis)

Dr. Miguel Monjardino - Reparem, aquilo que os terroristas querem, e é bom que todos nós tenhamos consciência disso, é semear o medo. Uma sociedade que resiste ao medo é uma sociedade difícil para o terrorismo. E  portanto, uma das coisas que vocês e eu e todos nós temos que fazer, tem a ver com sanidade mental, sanidade estratégica em função do que está a acontecer. Ponto número 1: eles falharam em toda a linha, e do meu ponto de vista vão continuar a falhar. Onde é que o problema poderá ser maior? No meu ponto de vista, no Paquistão.

Agora, você tem toda a razão quando chama a atenção para a importância do domínio do sagrado e da religião no mundo. Isto é muito complicado em alguns países europeus porque parte da nossa sociedade vive num momento pós-religioso e portanto, de certa maneira, aboliu a religião. Mas se há algo que a História mostra, é o enorme poder da fé. E portanto isto é como as marés do mar: umas vezes está mais baixo, outras vezes sobe. Portanto, esta fase que grande parte da sociedade europeia tem em relação à religião, de cepticismo e de abandono, não sei se continuará daqui a 20, 30, 40 anos, não consigo prever.

Agora, acho que você tem toda a razão quando chama a atenção para o papel da fé e é particularmente importante que nós, num espaço destes, tenhamos consciência de que há pessoas, - continuarão a haver, como houve no passado – gente disposta a matar pela sua fé. E isso obviamente é um problema para nós. Para nós, sociedade europeia, que temos dificuldade em compreender a ideia do martírio. Ninguém nas nossas sociedades quer morrer em nome de uma religião hoje em dia. Mas há gente em determinadas zonas do mundo que está mais do que disposta a pagar esse preço, e uma das questões que nós temos é como é que vamos lidar com este tipo de fenómenos. Não tenho uma resposta no sentido de “olhe, vai ser assim”, não tenho, mas acho que você tem toda a razão em chamar a atenção para a importância do sagrado, da fé, como fonte mobilizadora das pessoas no mundo.

 
Carla Marcelino
Bom dia outra vez. A questão do nosso grupo é a seguinte: partindo do princípio que o Dr. Miguel Monjardino exclui os recursos naturais como causa de uma possível 3ª Guerra Mundial, quais serão os motivos então que, na sua opinião, poderão vir eventualmente a causar um conflito a esse nível e quais os seus efeitos a longo prazo. Obrigada.
 
Dr.Miguel Monjardino
Obrigado. Eu não sei se devo ler alguma coisa no facto de o Grupo Rosa ter falado depois do Grupo Laranja, não sei se isto é sinal que no dia 27 de Setembro a ordem será esta. (risos) Mas tomo nota da ordem.

Ok. Carla, não foi? Carla, é muito curioso quando nós falamos sobre a evolução da política internacional, a frase que a Carla usou, a “3ª Guerra Mundial”. O que é muito interessante no momento que nós estamos a viver, é preciso recuar muitos, muitos, muitos anos, eu quando digo muitos anos estou a falar de muitas décadas, se calhar mais de um século, para encontrarmos uma época, na nossa História, em que a possibilidade de haver guerra entre as grandes potências seja tão baixa como é hoje. Eu vou repetir. A probabilidade, hoje em dia, de haver guerra entre as grandes potências é muito baixa.

Quando nós falamos na evolução da segurança internacional, vocês falam de quê? Vocês mostraram isto aqui. Falam de recursos naturais e falam de terrorismo. Ouçam, em termos históricos, isto é um progresso enorme, é um progresso enorme! Eu e aqui o vosso Presidente da Universidade, no início dos anos 80 havia manifestações em Lisboa, na faculdade de Direito em que eu estava, em que as pessoas marchavam e diziam “Antes vermelhos que mortos!”, por causa dos mísseis que os Estados Unidos colocaram na Europa e nós dizíamos que o Ronald Reagan nos ia matar a todos, que era um estúpido, um anormal que nunca tinha estudado. Hoje em dia é considerado um grande Presidente. E eu agora, para vos chocar completamente: eu não sei como é que daqui a 30 anos George W. Bush será visto. Ah! Agora sim, agora consegui mesmo a vossa atenção! (risos) Eu não sei! E vocês, se lerem – deixem-me dar-vos dois exemplos, eu sei que isto é chocante – mas se vocês lerem dois episódios, vocês se lerem o que foi escrito sobre Franklin Roosevelt nos anos 30, vocês dizem “Isto é o pateta do George Bush. Só pode ser, um atrasado..., só pode ser ele!”. E hoje em dia nós consideramos o Franklin Roosevelt um enorme Presidente, por boas razões.

Vocês se lerem o que foi escrito sobre Winston Churchill nos anos 30, “Que pateta! Mas que incompetente!” Hoje em dia é considerado o maior inglês que viveu porque, num determinado momento, foi capaz de fazer o que mais ninguém era capaz de fazer. Mais. Um dos problemas que o senhor Barack Obama vai ter nas próximas semanas, vamos ver se ele tem coragem política a sério, por causa da questão da saúde. Ele já percebeu que a ala esquerda do seu Partido o quer lixar, os Republicanos obviamente não concordam com ele, os Democratas conservadores do seu partido também não concordam com ele e portanto, ele se quiser fazer valer a sua ideia,  vai ter que gastar muito capital político. Há uma coisa que nós podemos nunca esquecer: nós podemos não concordar com George W. Bush e a maior parte das pessoas, eu suspeito, nesta sala, não sei se haverá uma que concorde, mas há uma coisa que ninguém lhe pode tirar, que é coragem. Vocês podem não concordar, mas ele teve a coragem de fazer aquilo que achava que era preciso. Uma das coisas que nós vamos ver no futuro, nas próximas semanas, é se Barack Obama tem essa coragem. Eu gostava de esperar que sim, mas vamos ver se ele é ou não capaz de fazer aquilo que precisa de ser feito.

Portanto, eu acho que as perspectivas de cooperação internacional, hoje, são elevadíssimas. Se eu quisesse olhar para problemas que podem aparecer, eu olharia para a relação Estados Unidos – China, na Ásia, e olharia com muito cuidado para a Rússia, na fronteira com a União Europeia. Mas, mas preparem-se para surpresas. Ouçam, vão acontecer surpresas! Desagradáveis provavelmente, umas boas, outras más. Mas, em termos históricos, eu acho que nós vivemos um momento muito bom.

 
Miguel Nunes Silva
Bom dia mais uma vez. Uma vez que já houve suficientes questões sobre conjuntura e sobre evoluções macroeconómicas, nós gostaríamos de pôr uma questão um pouco mais específica. Guantanamo já foi referido aqui, mas nós gostaríamos de focar a nossa pergunta nos prisioneiros de Guantanamo que Portugal poderá vir a acolher. E, sobretudo, para quem já leu a história da guerra do Peloponeso, sabemos que os refugiados políticos e as delegações legais ou ilegais nas diversas cidades-estado nem sempre eram elementos de estabilidade, por vezes eram muito subversivos, afectavam a política externa das cidades-estado de maneira negativa. E portanto, talvez o maior exemplo seja Alcibíades. Em função disso, como é que se pode explicar que seja do interesse nacional de Portugal  acolher os prisioneiros de Guantanamo? Interesse nacional, não em termos de considerações éticas ou morais, mas como é que é do nosso interesse, enquanto Estado, acolher essas pessoas?
 
Dr.Miguel Monjardino
Muito obrigado. Alcibíades. Uau, que personagem... O homem mais bonito do seu tempo. Um prodigioso orador político. Um amante fenomenal, reza a história. Também bebia muito. Traiu toda a gente, pelo menos, duas vezes. (risos) As mulheres adoravam-no. Os homens também. Os gregos eram... diferentes. (risos) Se quiserem, como é que eu hei-de dizer isto, se quiserem perceber quão diferentes, leiam a biografia de Licurgo que Plutarco escreveu. Pronto, eu não vou dizer mais nada, há ali uns parágrafos que eu leio sempre com os meus alunos, todos os anos, e os olhos vão, vão,  vão aumentando. E o Alcibíades adorava Esparta, foi, veio e obviamente acabou morto. Mas eu gostei muito de o ouvir falar em Alcibíades porque foi realmente uma enorme personagem política e foi um homem altamente destruidor. Um homem altamente destruidor que obviamente acabou mal mas teve uma vida, meu Deus, que vida!

Em relação à sua pergunta, eu acho que é do nosso interesse e acho que Portugal faz bem. Por uma razão muito simples. Os prisioneiros que verdadeiramente interessam aos Estados Unidos, vão continuar na posse dos Estados Unidos. Eu penso que a administração Obama ainda não sabe, em termos de Direito, como é que isso vai ser feito, porque significa manter num limbo legal pessoas em que é muito difícil obter provas conclusivas num tribunal, mas que não podem ser libertadas por aquilo que os Estados Unidos sabem que eles fizeram. E portanto eu suspeito que essas pessoas continuarão detidas indefinidamente não sei aonde. Há, todavia, uma série de pessoas que podem ser libertadas porque já não representam perigo, ou nunca representaram perigo, e aí o que os países da União Europeia fizeram, Portugal, especialmente os países mais pequenos, foi dizer aos Estados Unidos “Nós estamos dispostos a ajudar e, portanto, estamos dispostos a receber. É evidente que queremos receber pessoas inócuas, não mandem para cá casos difíceis”. Portanto, eu acho que um dos pressupostos da sua observação, que é, que poderiam vir pessoas tipo Alcibíades, não será o caso.

E penso que um dos papeis que pequenos países ou países de média dimensão na Europa podem fazer para manter a relação transatlântica como relação muito importante para nós tem, obviamente com isto que o Governo Português está a fazer e que eu penso que qualquer Governo Português no arco democrático faria, pelos menos é esse o meu ponto de vista. Ou seja, trata-se de uma maneira de mostrar solidariedade euro-atlântica numa questão que é difícil para os Estados Unidos. Do meu ponto de vista é isso.

 
Dep.Carlos Coelho
 Sr. Dr. Miguel Monjardino, se me permitir, eu só gostaria de acrescentar o seguinte: eu acho que fui  o único político português que criticou a decisão do governo, transmitida pelo ministro Luís Amado, de manifestar disponibilidade para receber os prisioneiros de Guantanamo. E critiquei porque achei que o Governo Português não devia ter tomado essa iniciativa voluntária. Não tínhamos nenhum razão para o fazer. Mas com a mesma firmeza disse que, se os Estados Unidos nos pedissem, nós não podíamos recusar essa solidariedade. Por duas razões: primeiro por uma razão de coerência. A Europa não pode, por um lado, criticar Guantanamo e pedir o seu encerramento (como fez, e bem, por decisão unânime do Conselho e por reiteradas decisões do Parlamento Europeu) e depois não querer ajudar no encerramento de Guantanamo. Em segundo lugar, porque para o mundo ocidental, o reencontro com o plano da legalidade é do interesse comum. Porque, a manter a situação anterior, estaríamos numa situação de fragilidade face a outras culturas e outros Estados onde o império da lei não tem a tradição que têm os nossos. E portanto, na minha opinião, nós não podíamos deixar de ser solidários com os Estados Unidos e com esta administração para resolver este problema, mas não tínhamos nenhuma razão para nos pormos em bicos de pés a pedir prisioneiros antes de eles nos pedirem. Portanto é apenas uma questão, se quiserem, de táctica, não é  uma questão de substância. Sim ao acolhimento de prisioneiros, mas não a esta coisa de nós sermos os primeiros a dizer “Nós queremos prisioneiros cá em Portugal”. Isso não faz sentido nenhum, na minha opinião. Mas peço desculpa ao Dr. Miguel Monjardino de ter interrompido.
 
Filipe Almeida
Antes de mais gostaria de, em nome do Grupo Bege, saudar o Dr. Miguel Monjardino, pela palestra a que tivemos o prazer de assistir. Gostaríamos de colocar a seguinte questão: numa altura em que se discute um possível fim da Nato e a criação de um exército europeu, quais são as vantagens e desvantagens que esta situação coloca a Portugal?
 
Dr.Miguel Monjardino
Eu não acho que vá haver exército europeu. Eu não acho que a Nato vá acabar. Nós temos enormes recursos militares, não temos obviamente o que os Estados Unidos têm, mas temos enorme poder militar disponível na Europa, penso que teremos cada vez mais dificuldade em usá-lo. Porque, ao contrário dos Estados Unidos, nós temos cada vez mais dificuldade em matar e morrer. É muito, muito difícil para nós aceitar baixas em combate. E isto tem muito a ver com a evolução da sociedade europeia que foi uma sociedade que pagou um preço terrível ao longo do século XX, a nossa História é terrível. E portanto, nós entre nós conseguimos abolir a guerra, era bom que assim se mantivesse.

Eu penso que a Nato continuará, apesar de todos os problemas, não vejo ninguém a querer sair, só vejo gente a querer entrar, mas a Nato obviamente terá que mudar se quiser continuar a desempenhar um papel importante e terá que mudar a dois níveis: nós temos que arranjar um modo de vivência com a Rússia, será difícil na zona euro-asiática da antiga União Soviética – estou a pensar especialmente no Cáucaso e na faixa que vai do Báltico até ao Mar Negro – e temos que arranjar uma maneira de cooperar com a China e com a Rússia na Ásia Central. Isto dará muito trabalho mas vem aí o novo conselho estratégico e esse trabalho vai obviamente ser feito aí.

Eu penso que para Portugal seria muito importante que a Nato continuasse. Mas uma das coisas que pode acontecer no futuro, e o Professor Carlos Gaspar escreveu agora um ensaio sobre isto, é: nós não podemos garantir que a comunidade euro-atlântica continue. Eu não posso garantir que a Nato vai continuar, eu não posso garantir sequer que a União Europeia vai continuar nos próximos 30 anos, mas acho que devemos fazer tudo o que está ao nosso alcance para que isso venha a acontecer. Mas não acho, pessoalmente não acho, que vá haver nenhum exército europeu, embora aceite que a pressão para a cooperação em determinado tipo de plataformas, que hoje em dia são caríssimas, vai obrigar a escolhas muito difíceis que vão implicar um maior esforço europeu nessa área. Agora, um exército europeu, pessoalmente tenho dúvidas que venha a acontecer.

 
Dep.Carlos Coelho
Vamos entrar nas perguntas livres. O Pedro vai dar a palavra a quem a pedir, mas tenho o José Pedro Salgado, foi aluno em 2006, que faz a seguinte pergunta ao Dr. Miguel Monjardino: Tendo em conta que na década de 90, 89% dos novos habitantes europeus eram emigrantes, e tendo em conta que é conhecido que a economia europeia necessita de 21 milhões de emigrantes até 2030, como consequência do envelhecimento da nossa população, qual acha que será o nível desejável de emigração e quais as consequências dos actuais fluxos migratórios europeus, nomeadamente a nível de tensões e conflitos sociais, ao nível dos países da União Europeia.

Dr. Miguel Monjardino – Obrigado. Não está presente, não?

Dep. Carlos Coelho – Está à distância.

 
Dr.Miguel Monjardino
Muito obrigado. Isto é um problema político muito complicado para nós. Se nós quisermos manter o nosso nível de vida, toda a gente quer, pelo menos, manter, se nós quisermos – e penso que vocês todos quererão – ter pensões de reforma para o vosso futuro, ou nós arranjamos uma maneira de sermos extraordinariamente mais produtivos - e eu gostaria de sugerir que o Estado não é produtivo, o Estado tem dificuldade em criar riqueza - das duas uma: ou nós passamos a ser muito mais produtivos, mas mesmo muito mais, ou teremos que aceitar mais imigrantes. A escolha é nossa. E eu não tenho uma resposta satisfatória para a pergunta, mas gostaria de sugerir que isto terá a ver muito com o nível de imigração que as nossas sociedades estarão dispostas a tolerar sabendo de antemão que a maior parte dessa imigração virá, inevitavelmente, de África. Porque é aí que vão estar as grandes bolsas de crescimento populacional nas próximas décadas.
 
Ricardo Santos Lopes
Bom dia mais uma vez. A minha questão tem que ver com a política externa de Europa que referiu há pouco e que só está vocacionada em termos comerciais. Na Guiné-Bissau foi construída uma ponte que custou à Europa 28 milhões de euros. Qual o interesse para a Europa num investimento desta natureza?
 
Dr.Miguel Monjardino
Eu não sei, não conheço o episódio da ponte. Sei que foi inaugurada agora uma ponte muito importante em Moçambique, agora na Guiné não sei. Mas há uma coisa que África precisa: infra-estruturas. África precisa imenso de infra-estruturas. Os chineses estão a construir imensas infra-estruturas em África, mas se há coisa que África vai precisar, como nós também precisamos, todos os países precisam, é de muito investimento em infra-estruturas. Um país sem estradas é uma país que terá dificuldade em criar riquezas ao nível comercial, um país isolado em África, que não tenha bons caminhos de ferro, bons aeroportos e coisas afins... Portanto, África precisa muito de infra-estruturas, tudo o que nós pudermos fazer para investir em infra-estruturas em África, é do nosso interesse, porque significa que haverá maia actividade comercial, mais actividade económica nesses países. Havendo mais actividade económica e comercial, há mais riqueza, havendo mais riqueza, esses países têm mais condições para se auto-sustentarem. Tudo o que seja investimento em infra-estruturas em África, acho que é muito, muito benéfico para as populações locais. E a União Europeia tem feito muito a esse nível e obviamente espero que continue a fazer.
 
Carlos Soares Moreira
Bom dia. No início falamos do medo e do medo do desemprego. Em Portugal, com o excesso de oferta de licenciados, cada vez mais com as universidades privadas cresce o desemprego, o desemprego jovem, primeiro, e não só primeiro, mas também segundo emprego. Qual será o futuro do nosso país no campo da empregabilidade e o que fazer nessa área?
 
Dr.Miguel Monjardino
Uau, que bom que o Prof. António Borges vem aí à tarde! Ouçam, se há coisa que os governos, qualquer governo, nos próximos 15, 20 anos, vai ter que fazer, tem a ver com isso. E a tentação natural de qualquer governo para resolver este problema tende a ser através de governos públicos, governos no sector público. Nós precisamos de criar muito mais empregos, mas há aqui uma armadilha terrível, que é ouvir políticos dizer que vão criar empregos. Ouçam,  nenhum governo cria emprego! A não ser que seja emprego da administração pública! O que os governos podem fazer é criar condições para vocês criarem emprego. Portanto, quando ouvirem um governo dizer “Eu vou criar emprego”, não vai criar nada! Ou se calhar vão criar os empregos que não interessam. Nós não precisamos de muito mais gente na administração pública. Não precisamos, acho eu! Não precisamos! Nós precisamos é de empresas, de empresas! É isso que nós precisamos.

E portanto, há duas coisas que eu acho que têm que acontecer. A primeira é, a sociedade portuguesa tem que deixar de ter medo de falhar. Nós somos uma sociedade aterrada pelo medo de falhar. Já vos contaram a anedota do caranguejos americanos e dos caranguejos portugueses, dos 2 pescadores... Não? Estão 2 pescadores a pescar e cada um tem caranguejos como isco nos seus baldes. E, às tantas, um pergunta: “Mas que caranguejo é que tu usas?”, “Ah, eu uso caranguejo americano”, “Ah... E tens o balde fechado?”, “Bolas, isto são uns caranguejos terríveis, começam a subir, desaparecem logo. E tu o que é que usas? “, “Ah, eu uso caranguejo português”, “Caranguejo português?”, “Sim!”, “Tens a tampa aberta?”, “Tenho!” “Porquê?”, “Eh pá, o primeiro começa a subir e os outros puxam-no todos para baixo!” (risos) Nós somos assim! Nós somos assim! A pior coisa que pode acontecer a um português é ter sucesso. Logo!! Ou seja, nós preferimos ser todos pobres. É inveja! Luís de Camões já falava nisso, isto é um longo mal nacional, estão a perceber? Portanto, a primeira coisa que era preciso mudar, mas isto não se muda por decreto-lei, isto é uma coisa social, a sociedade portuguesa tem que ser uma sociedade muito mais aberta ao sucesso e ao falhanço.

E uma das coisas mais extraordinárias nos Estados Unidos, que tem coisas muito más, porque é uma sociedade muito dura, é... Ouçam, qualquer pessoa pode chegar à Casa Branca! O George Bush! (risos) Ou o Barack Obama. Ouçam, tudo é possível na América! Vocês têm a sensação que tudo é possível em Portugal? Claro que não! Nós somos uma sociedade muito pantanosa, muito reaccionária. Nós detestamos a mudança. E portanto, respondendo à sua pergunta, em termos sociais nós temos que passar a ser uma sociedade que aceite muito melhor o sucesso e o falhanço. E vocês não podem ser criados com o medo de falhar, porque as pessoas que têm medo de falhar nunca fazem nada. Eu queria acabar com uma canção, espero ter tempo, que tem muito a ver com isso. Se nós temos medo de falhar, nós nunca mudamos, nunca começamos a fazer o caminho, “ah, eu posso falhar, fico quieto a ver”. Quando um de vocês consegue o sucesso, às vezes até é a pessoa que ninguém esperava, mas foi a pessoa que teve a audácia ou teve a ideia, “Grande malandro!, anda cá, para baixo”. Isso é a primeira coisa que vocês têm que fazer. A segunda coisa é pedir aos governos que criem condições para serem vocês a fazer. Não vai ser nenhum Primeiro Ministro que vai fazer isto, teremos que ser nós.

 
André da Silva Mota
Queria voltar um bocadinho atrás, à parte do proteccionismo. Tendo em conta que hoje vemos que os Estados Unidos estão a tornar-se ligeiramente proteccionistas em relação a alguns aspectos e especificamente a Europa não está a dar, pelo menos a imagem que irá fazer algum proteccionismo ou ter algum proteccionismo, vemos alguns casos tanto em termos industriais como em termos dos primeiros sectores económicos. Seremos capazes, há pouco disse que o proteccionismo seria um erro claro, eu pergunto é, se não utilizarmos o proteccionismo, seremos capazes de daqui a... Porque a China e a índia, como disse, com um euro por dia ou um dólar por dia, durante muito tempo, isso vai demorar muito tempo a esbater-se, portanto a eles virem subir. E vimos nós aguentar este gap até que eles consigam atingir e que não sejam explorados e toda a nossa produção seja feita lá, nós cada vez mais a balança a pender para o lado asiático. Seremos nós capazes de aguentar isto sem algum tipo de proteccionismo?
 
Dr.Miguel Monjardino
Depende muito dos sectores que nós estamos a falar. A China produz hoje em dia, cima de tudo, produtos baratos, por mão de obra barata. É isso que a China produz. A prazo produzirá outras coisas. A resposta à sua pergunta está um bocado relacionada com o tema que foi levantado a seguir. Quanto mais valor nós formos capazes de criar, em termos empresariais, e isto obviamente pressupõe uma população educada em termos de universidades boas e boas escolas secundárias e iniciativa. Quanto mais nós formos capazes de fazer isso, menos tentações teremos ao nível do proteccionismo.

Agora, há lobbys proteccionistas na Europa fortíssimos. O mais conhecido, que aqui o Presidente da Universidade conhece muito bem, é a política agrícola comum, que é umas das coisas, no meu ponto de vista, mais escandalosa que existe à face da terra. Que é nós andarmos a dizer “Coitadinhos dos africanos que ninguém os ajuda” e depois termos uma política que, do meu ponto de vista, é quase uma coisa obscena. Uma vaca na Europa vale mais que uma criança em África. Ouçam, mas será que vocês estão dispostos a prescindir disso? Eu acho que Portugal, se calhar, não tinha muito a perder porque nós não somos ao grandes beneficiários em termos de política agrícola comum. Mas nós temos práticas proteccionistas na Europa que, do meu ponto de vista, são aberrantes nesta grande convergência em termos internacionais. Na América, o exemplo mais escandaloso são os agricultores de algodão, em que 40 mil pessoas dominam o mercado completamente a nível mundial.

Eu queria acabar a horas, não sei... Eu queria só mostrar-vos uma canção... Ah, ainda temos tempo! Ah, pronto.

 
Eduardo Freitas
Bom dia antes de mais. Gostaria de dizer que partilhei também, não do mesmo sentimento se calhar, foi em 2004, quando vim para Lisboa, que eu sou da Madeira, e o sentimento de chegar à “capital do império”, quase assim, ainda por cima ir viver para uma terra que é Almada é muito complicado (risos).

Dr. Miguel Monjardino – Sim, para alguém do PSD deve ser! (risos)

Eduardo Freitas – Mas a minha questão, a nossa questão daqui do grupo Bege é muito simples. Nós somos um povo que descobriu novos mundos ao Mundo, ou deu novos mundos ao Mundo. Angola foi um desses casos, que nós não descobrimos mas quase redescobrimos e, actualmente, acontece outra vez essa nova vaga. Redescobrimos Angola, voltamos outra vez para Angola, Angola actualmente é o elo dourado dos portugueses. Os portugueses são dos povos onde qualquer país, a nível mundial, gostaria de ter como os seus empregados, que fossem todos portugueses. Bastava ver um vídeo há uns meses atrás que havia até dos canadianos que diziam que o canadiano não sabia fazer nada e então comparava um pouco aos portugueses, qualquer coisa arranjava-se um português para arranjar qualquer coisa. A minha pergunta é a seguinte: porque é que os portugueses não são tão dedicados em Portugal ou porque é que será que o Estado não dá as mesmas condições ou condições necessárias para que os portugueses sejam tão dedicados como são lá fora?

 
Dr.Miguel Monjardino
Ok, dois pontos. O primeiro em relação às descobertas, esse período mítico da nossa História. Reparem, as descobertas foram feitas e geraram uma mudança avassaladora em termos mundiais. 500 anos depois, vale a pena olhar para trás, porque aquilo que Vasco da Gama fez – e eu gostaria de lembrar que a chegada de Vasco da Gama à Índia foi tudo menos pacífica, houve muita gente que foi esquartejada e o nosso poder foi conquistado pela força das armas – mas aquilo que Portugal fez com as descobertas foi alterar completamente a distribuição de poder a nível mundial através de uma coisa muito simples que é o controlo das rotas das especiarias. Foi isso que nós fizemos.

Aquilo que pode acontecer em termos energéticos a nível mundial ou com a descoberta do novo paradigma de produção de energia a nível ??? carbono, é exactamente a mesma coisa. Quem for por aí, quem conseguir chegar aí, conseguirá uma vantagem em termos de poder e de influência brutal, na área energética.

Portanto, nós fomos capazes de liderar e gerir durante algum tempo a mudança, mas perdemos. Perdemos porquê? Porque fomos incompetentes, do ponto de vista estratégico. E fomos incompetentes por uma razão que eu acho que é relevante hoje em dia. Nós não conseguimos gerir aquilo que conquistamos. E não conseguimos gerir porquê? Porque a tradição política baseia-se no afogar de tudo o que sejam iniciativas independentes. É muito difícil  aparecer alguém em Portugal que crie uma coisa genuinamente independente do poder político. A tentação natural em Portugal é, o poder político tem que controlar, tem que ter uma palavra a dizer. Enquanto for assim, eu gostaria de sugerir que nós seremos sempre dos mais pobres da União Europeia. Mas isto é uma mensagem muito impopular em Portugal, que vive à base da ideia de que o Estado vai resolver os nossos problemas. Eu não acredito! Mas eu, como vos disse, pertenço à minoria da minoria portuguesa portanto já sei, tenho ideia, enfim, de como é que as coisas são. Mas acho que o problema é esse. Enquanto os governos persistirem na tentação de controlar, e controlar é importante porque dá poder, o benefício a curto prazo implica enormes custos a longo prazo para a sociedade. O meu recado para vocês, e vai estar na canção final é que esse preço é incomportável para a vossa geração. Porque se nós formos por si, do meu ponto de vista, o vosso futuro será mau. Mas isso é uma questão de opinião e é para isso que nós estamos aqui.

 
Rui Cepeda
Bom, a minha questão é: até que ponto é que nós temos legitimidade e autoridade moral para impedir o país de desenvolver tecnologias que nós, países ocidentais, dominamos e utilizamos em benefício das nossa sociedade, nomeadamente a energia nuclear.
 
Dr.Miguel Monjardino
Legitimidade, nenhuma. Interesse, todo. Todo. Deixe-me explicar, deixe-me dizer o Irão, por exemplo, vem aí uma decisão muito difícil, não sei qual é a decisão iraniana, embora suspeite qual é que possa ser, eu acho que se baseia no controle do ciclo nuclear, mas eu agora não vou entrar por aí, que eles talvez não atravessem o patamar nuclear, mas eu também não vou por aí.

A lógica é tentar dizer “Ah, se nós temos, os outros também podem ter”. Numa perspectiva política internacional, eu penso que não é assim que o mundo funciona. Determinados países, se tiverem acesso a determinado tipo de armas, vão alterar o equilíbrio do poder. A alteração do equilíbrio do poder  vai gerar determinado tipo de problemas. Se estes problemas forem mais graves do que aqueles que existam actualmente, e do meu ponto de vista serão, essa situação é má para a política internacional. O caso do Irão parece-me ser um caso claríssimo. Se o Irão atravessar o patamar nuclear ou for visto a atravessar o patamar nuclear, eu não acredito que, da Turquia à Arábia Saudita, os países vão ficar quietos, não acredito. Aliás, vocês já começaram a ver todos esses países, muitos deles riquíssimos em petróleo, estão subitamente interessados em projectos nucleares civis. E os projectos nucleares civis é o primeiro degrau no caminho para um arsenal nuclear. Foi sempre assim.

Portanto, legitimidade, em termos daquilo que nós entendemos, nenhuma, embora o tratado de proliferação nuclear confira a um pequeno número de Estados o privilégio de serem os únicos Estados com armamento nuclear. Mas em termos daquilo que eu penso que está subjacente à sua pergunta, que é “Que legitimidade é que temos para dizer aos outros”, eu diria “Nenhuma”, é uma questão de interesse nacional. Agora, não me venham dizer que isto não terá consequências ao nível da distribuição do poder e política internacional. Terá e muitas.

 
Essi Silva
Muito bom dia Dr. O meu nome é Essi Silva. Tendo em conta a herança judaico-cristã da União Europeia, gostaria de saber se é necessário limitarmos as práticas das comunidades islâmicas na União Europeia ou se acha que uma gradual aculturação irá diminuir as diferenças entre nós.
 
Dr.Miguel Monjardino
Uau.... Hum... Países com, por exemplo, a tradição política de França, tentarão abolir essas práticas, ou controlá-las ao máximo, e o debate sobre a burca em França parece-me ser o melhor exemplo. Países como a Inglaterra, países que têm uma tradição política diferente, penso que tolerarão bastante mais o que esses muçulmanos e o que essas pessoas fazem.

Há também aqui um ponto que me parece interessante que é a reinvenção do Islão. Reparem, o Islão que tanto nos amedronta, é um Islão acima de tudo do deserto saudita, que é um Islão muito conservador, muito céptico em relação às mulheres. Eu suspeito que o Islão europeu e, acima de tudo, que o Islão do sudeste asiático – Indonésia, por exemplo – seja bastante mais tolerante e aberto. Agora, quem vai fazer o processo de reinvenção de Islão, serão os muçulmanos. E isto vai ser muito difícil. Porque se vocês olharem para o Iraque, quem passou a vida a matar outros muçulmanos foram muçulmanos. E vocês têm muita dificuldade em ver intelectuais e entidades religiosas muçulmanas, já começam a aparecer alguns, a criticarem duramente esse tipo de actos. Esses actos baseiam-se numa interpretação do Islão, numa determinada interpretação do Islão que é prevalecente no arco que vai da Arábia Saudita ao Paquistão. Mas o mundo islâmico é muito maior e portanto eu olharia para o futuro do Islão muito mais, por exemplo a Indonésia, Malásias. Que têm um Islão muito mais tolerante, muito diferente, menos asfixiante em termos sociais,  muito mais aberto em relação ao papel das mulheres por exemplo, eu olharia mais para aí. Ou seja, não se deixem fixar apenas no Islão oriundo dos desertos sauditas, que é o Islão que vocês vêem mais nas notícias dos jornais, é o Islão que ataca mais as escolas no Afeganistão, é o Islão que trata pior as mulheres, enfim, a ideia de que as mulheres podem fazer alguma  coisa é uma coisa apocalíptica. Eu olharia mais para aí. Mas isso vai ser muito difícil dentro das comunidades muçulmanas na Europa. Vai haver um grande debate interno sobre o que é que pode ser feito e o que é tolerável ou não, e o que é que os governos estão dispostos a aceitar ou não. Vai haver.

 
Carlos Lúcio
Bom dia. Sabendo que a Europa, nomeadamente Portugal e Espanha, tem uma relação privilegiada com a América Latina, qual é o posicionamento que a União Europeia, e Portugal em concreto, deverão ter face às tensões geopolíticas que existem e têm vindo a desenvolver-se nas últimas semanas nessa região? Quais os maiores riscos que poderão advir dessas tensões, sabendo que a Venezuela já tem feito uma corrida ao armamento, é expectável que venha a desenvolver-se uma guerra?
 
Dr.Miguel Monjardino
A resposta é: eu penso que a União Europeia, Portugal, Espanha, tem um grau diminuto de influência na América Latina, embora eu distinga entre Portugal e Espanha. A nossa influência sobre o Brasil é z-e-r-o. Zero. O Brasil vai ser, desde que continue a ser gerido de uma forma competente, um grande país. E não vai precisar de Portugal para nada. Para nada. Embora nós possamos desempenhar um papel interessante, mas nunca será um papel de explicar ao Brasil “Olhe, isto vai ser assim”, isso não vai acontecer. O Brasil tem todas as condições, desde que continue a ser bem governado, para ser uma grande potência internacional. Vamos ver se consegue ser.

A Espanha terá mais influência porque, uma das obras primas da política externa portuguesa é o Brasil. O Brasil é uma obra prima geopolítica, é o país dominante na América do Sul e está claramente numa batalha político-ideológica pelo controlo da agenda da América do Sul. E o adversário é Chavez. A grande diferença entre a Venezuela e o Brasil é que os governantes do Brasil são competentes e os governantes da Venezuela parecem-me ser supremamente incompetentes. E portanto eu acho que o resultado está traçado. Embora haja muitas surpresas na política internacional, eu estou disposto a apostar com todos vocês que a História registará o líder da Venezuela como um líder manifestamente incompetente e mau para o seu país. É claro que faz as delícias nas páginas de jornais, faz, enfim, aquelas coisas todas... Enfim, nós temos um grande fascínio por populismo na América do Sul. Fidel Castro, essa grande desgraça, e agora o Chavez.

Acho que devíamos prestar muito mais atenção ao Chile, que é governado por uma mulher, Michelle Bachelet , do que andar a gastar tempo com a Venezuela. Não consigo compreender como é que um país com a História do Chile, presidido por uma mulher que tem feito coisas tão interessantes, complicadas sem dúvida, mas que é um governo reformista feito por uma mulher, não atraia a atenção de ninguém em Portugal e passamos a vida a discutir as últimas piruetas do Sr. Chavez, que a História não registará como sendo um líder competente ou uma pessoa que alcandorou o seu país a uma posição nova. Mas pronto, faz parte do folclore político e da linguagem de resistência que obviamente é habilmente usada para escolher erros crassos de governação política e outras coisas muito complicadas que estão a acontecer na Venezuela. Imaginem-se num país governado por uma pessoas de centro de direita, que estivesse a fazer o que ele está a fazer, por exemplo o que foi feito em relação à Imprensa, o que é que não teria acontecido na Europa. Praticamente não se ouve falar do assunto.

Na dúvida, o meu conselho para o futuro é, se tiverem uma tentação revolucionária, sejam de esquerda. Estão sempre safos! (risos) Falem contra a América , usem a linguagem populista, ouçam, na Europa adoramos! Nunca sejam de uma linguagem de direita. Nunca. Isso é terrível. Terrível, terrível, terrível.

 
Nuno Ricardo do Carmo
Bom dia. Nuno Carmo, sou do Grupo Bege. Ora bem, eu gostaria de voltar um bocadinho atrás, ao fenómeno da imigração. A questão já foi tocada um bocadinho pelo Zé Pedro e também pela Essi de certo modo, mas eu vejo as coisas de uma perspectiva um bocadinho mais dramática, digamos. Prevê-se que a Europa continue a crescer em termos demográficos até cerca de 2035 e isto acontece só por causa dos imigrantes que vêm e que obviamente têm que constituir famílias muito mais numerosas do que uma habitual europeia, digamos. O que se prevê é que depois desse período seja necessário ir quase buscar imigrantes aos seus países para vir para a Europa para continuar numa cena de crescimento. Isto obviamente é algo que para um cidadão normal europeu, causa alguns problemas em termos de compreensão normal. Tem que haver uma mudança de mentalidades, e aqui é que liga um bocadinho ao que a Essi disse, mas de que modo é que nós estamos preparados para essa mudança de mentalidades? Porque ao mesmo tempo, em 2060, um terço da nossa população vai ter mais de 60 anos. E com mais de 60 anos e com um grande influxo imigrante, vai haver aqui desequilíbrios estruturais. Com a China e a índia a criarem 50% do PIB mundial ao mesmo tempo, uma pessoa tem que perguntar qual é o futuro para a Europa neste campo, porque vão haver fracturas internas e não só nos países em si mesmo mas também ao nível da União Europeia e todo o balanço vai estar profundamente afectado. Por isso eu perguntava-lhe apenas qual o futuro da Europa em termos demográficos e como é que isso vai afectar as suas relações tanto intra-europeias como no mundo global.
 
Dr.Miguel Monjardino
Em relação à Europa, a população europeia até 2050 e nós já sabemos isto, o mundo terá à volta de 9 biliões de pessoas em 2050. Desses nove, 2 biliões terão acima de 60 anos. Essas pessoas já nasceram, portanto não há nada que vocês possam fazer para abolir o problema, ponto número um. Já cá estão! (risos) Portanto, o problema está aqui. Ponto número dois: a maior parte dessas pessoas  - e o número que você disse penso que está correcto, são as últimas previsões das Nações Unidas – 30% da população europeia terá mais de 60 anos. Vai haver muita gente acima dos 80 anos. Eu tenho aqui um dado, só para vocês terem ideia, isto vai ser, esta pergunta, do meu ponto de vista vai ser a coisa mais importante em termos geracionais na Europa nas próximas décadas. A não ser que aconteça assim uma guerra apocalíptica.

Em 1900, a esperança média de vida ao nível mundial era 30 anos, nos países europeus ricos – e nós não éramos – era, mais ou menos, 50 anos. Hoje em dia, a esperança de vida média a nível mundial é 67 anos e nos países ricos – onde nós estamos – são 78 anos. A única excepção a este panorama, grande, visível, é a Rússia, que tem a distinção de ter uma esperança de vida média para um homem abaixo do que se vivia no tempo final do Estaline, 50 e poucos anos. O que é obra. Há 2 milhões de abortos por ano na Rússia. Dois milhões por ano. É o campeão mundial dos abortos. E isto mostra bem, enfim, não é um país em que haja grandes perspectivas de futuro, do meu ponto de vista. Um país em que há 2 milhões de abortos por ano, um país que está a perder 700 mil pessoas por ano, aí acho que o cenário é bastante mais dramático.

Mas, a nível europeu, o que você vai ter, respondendo à sua pergunta, é: nós vamos viver cada vez mais.  Mas a pergunta que eu vos faço é a seguinte: você quer ter uma pensão boa ou não? Vocês todos querem ter pensões... E a pergunta que eu vos faço, e vocês podem devolver a pergunta a quem sabe, ao Prof. António Borges, é: como é que nós vamos fazer isto? A população vai viver cada vez mais, um terço da população vai deixar de trabalhar, ou então... ou então já lá vamos. O que é que nós fazemos? Das duas uma, ou o orçamento de Estado passa a ter uma fatia ainda maior para pensões e reformas, ou então as pensões e reformas vão ser menos generosas. Ou então, outra alternativa, você aceita mais imigrantes, para esses imigrantes trabalharem, contribuírem e ao contribuírem manterem a sustentabilidade do sistema. Estou a falar em termos muito gerais porque, enfim, não tenho conhecimentos profundos sobre este tipo de área. Mas os números mostram claramente o que está a acontecer e vai ser difícil mudar isso. Há, todavia, uma coisa que está a acontecer que é o número de filhos por mulher está a diminuir muito em termos mundiais. Nos anos 70 cada mulher tinha em média 4,3 filhos a nível mundial, hoje em dia estamos nos 2 e...  (10 segundos inaudíveis).

Portanto, a não ser que as senhoras aqui presentes e os senhores aqui presentes queiram dar uma grande contribuição para o futuro e passar a ter muitas crianças, mas que já não vai resolver o problema que nós temos, há um problema de sustentabilidade. Se todos nós quisermos continuar a depender apenas de reformas com base em contribuições  para o sistema público; nós poderemos ir por outro caminho, que é pouparmos mais para investirmos em termos privados mas isso implica, como você estava a falar, uma taxa de poupança muito maior.

Deixe-me dar-lhe um exemplo drástico que ilustra bem o problema: a população chinesa poupa 50% do seu rendimento, 50% do seu rendimento porquê? Porque não tem um sistema de segurança social. Sabem quanto é que a população americana poupa? 2,7. De cada 100 dólares, poupam 2,7. Ou seja, nada. Ou seja, o futuro não existe, enfim, o futuro há-de vir. Eu não sei quanto é que vocês estão dispostos a poupar, para além daquilo que vocês já descontam, para a vossa reforma daqui a 30 anos. Quando se ganha muito pouco, será que ainda, para além da contribuição dos impostos que vocês pagam, será que vocês ainda vão conseguir poupar mais com base numa coisa de futuro? Eu suspeito que não. A não ser que vocês passem a ganhar muito mais.

Agora, a tendência, voltando à sua pergunta, parece-me inevitável. Os 2 biliões de pessoas que vão ter mais de 60 anos em 2050 já nasceram. Portanto, a não ser que aconteça qualquer coisa catastrófica, você tem toda a razão, vai haver um problema muito grave a nível de sustentabilidade de finanças públicas. Mas olhe, vocês têm um grande Presidente que trabalha nessa área... Mas nos números você tem toda a razão, os números mostram a magnitude do problema em termos de recursos – que já foi falado aqui – e em termos do que isto implica, por exemplo, em gastos de saúde para uma população que vai viver muito mais e não vai poder trabalhar. Eu suspeito que a idade da reforma vai voltar a aumentar, parece-me inevitável.

 
João Paulo Meireles
Professor, ouvi-o dizer que, relativamente ao fanatismo que está por trás e que está na génese dos ataques terroristas, que tinha sido um absoluto falhanço, essencialmente pela razão de que não ocorreram mais ataques terroristas aos Estados Unidos mas também porque não conseguiram criar o medo que pretendiam. E a minha pergunta, sem querer estar a incentivar os terroristas, é como é que nós podemos afirmar isso quando, pensando só por exemplo nos países presentes na Cimeira das Lages, nos Estados Unidos houve uma restrição de direitos, liberdades e garantias; em Inglaterra Brown substituiu Blair e retirou uma grande parte do seu contingente; em Espanha o ataque terrorista teve uma influência directa no resultado das legislativas que sucederam imediatamente. Portanto, talvez exista algum medo. Muito obrigado.
 
Dr.Miguel Monjardino
Não, medo há! Medo há! E houve. Medo há e houve. Mas em relação a Espanha, o que houve foi um falhanço de imaginação. Reparem, a seguir ao 11 de Setembro, parte da dificuldade que todos nós tivemos a seguir ao 11 de Setembro é explicar o que é que está a acontecer. E criou-se a ideia de que o 11 de Setembro aconteceu por causa dos Estados Unidos e de Israel. E que nós, países europeus, estávamos imunes a este problema. Não é verdade, não é verdade. Houve o atentado em Inglaterra, houve o atentado em Espanha.

Agora, o terrorismo é uma arma que é utilizada para conseguir determinados objectivos  políticos. Se vocês olharem para os objectivos políticos de Al-Qaeda, eles estão publicados, estão disponíveis na internet, a lógica de atacar aquilo que eu chamo inimigo distante, ou seja, os países que apoiam os regimes árabes sunitas, era fazer com que esses países retirassem da zona para assim ser mais fácil conquistar o poder político. Na base desta ideia está o pressuposto que nós somos fracos. Se vocês olharem, nenhum regime árabe caiu, até hoje. A Al-Qaeda não conseguiu conquistar um único país, não conseguiu conquistar o poder político em nenhum país. E se vocês olharem, por exemplo, para as sondagens no Paquistão, os Estados Unidos continuam a ser extraordinariamente impopulares no Paquistão. Mas a Al-Qaeda ainda é mais.

 Reparem, a Al-Qaeda não tem uma visão de futuro para ninguém, a Al-Qaeda propõe um regresso ao passado completamente alucinante! Quem é que daqui quer voltar a viver no ano 1000? (risos) Vocês vão dizer a uma mulher, a uma rapariga da vossa idade na Paquistão, “Olhe, apoie-nos porque temos um futuro para si, ser mártir ou regressar ao ano 1000” (risos) A sério, vocês se conseguirem isso venham trabalhar para Portugal porque vocês conseguem tudo! A Al-Qaeda não tem nada para dar a ninguém, é uma filosofia reaccionária, totalitária, de um regresso a um passado imaginário com base em quê? Há um bocadinho, um de vocês mencionou Said Qutb, que é o grande ideólogo da Al-Qaeda, que foi aos Estados Unidos enquanto homem jovem e quando viu o que as mulheres faziam nos Estados Unidos nos anos 50 ficou chocado, voltou para trás e disse “Isto não pode ser, vamos carregar no botão e vamos voltar ao ano 1000 que elas não mandavam nada. Isto é uma coisa decadente, decrépita”. E portanto eu suspeito que a Al-Qaeda terá muita dificuldade no futuro em conseguir convencer grande parte dos seus apoiantes a fazer o que precisa de ser feito para conquistar o poder político. Sob esse ponto de vista falharam, e como a população está a envelhecer e a revolução é um jogo de gente nova, mais 10 ou 15 anos disto e eu suspeito que eles perderão ainda mais.

Mais, se o preço da energia continuar alto, e eu suspeito que vá continuar a subir, os governos árabes terão mais dinheiro para disponibilizar às suas populações, ou seja, a lógica terrorista terá menos apelo. Agora, pode acontecer que o governo paquistanês caia, pode acontecer, mas a tendência não me parece mostrar isso. Agora, que vai continuar a haver muita violência em algumas zonas do mundo, ah claro que vai, esta gente não se vai embora assim sem lutar até ao fim, não vai.

 
Dep.Carlos Coelho
Olá Teresa, , lamento mas já não há tempo para as vossas questões, bem como para sete dos participantes aqui na Universidade de Verão 2009. Os que aqui estão têm oportunidade de almoçar com o Dr. Miguel Monjardino e colocar-lhe a questão no almoço, mas não aqui na sala. O Dr. Miguel Monjardino queria acabar de uma forma especial e passo-lhe a palavra.
 
Dr.Miguel Monjardino
Eu queria acabar com uma canção, não sei se conhecem a Fiona Apple, é uma canção de 2005. Esta canção tem a ver com o tema da nossa sessão que é a mudança. A mudança e aquilo que, no fim de contas, eu gostaria que vocês levassem destas duas horas fascinantes aqui. A canção chama-se “Extraordinary machine”e é uma rapariga muito nova, a letra está aí, e tem muito a ver com o preço da mudança. Vamos ouvir.

Música

(Aplausos)

Dr. Miguel Monjardino – Para vocês que são “the babies of the family”, “I can not promise you everything will be just fine”, como ela diz aqui no fim. Mas o que vocês vêem aqui quando ela diz, na quarta linha, “I still only travel by foot and by foot, it's a slow climb” mas ela depois diz “mas eu sou boa quando me sinto pouco confortável”, isto é uma pessoa que aceita a mudança e que, apesar de tudo, está disposta a fazer o caminho. Portanto aqui o que eu vos desejo, não é que sejam “extraordinary machines”, mas que sejam “extraordinary people”. Ok? Muito obrigado.

(Aplausos)

 
Dep.Carlos Coelho
Agradeço em vosso nome ao Dr. Miguel Monjardino. O Pedro Rodrigues e eu vamos acompanhar o nosso convidado à saída. O Duarte Marques e os avaliadores vão proceder aos procedimentos, passo o pleonasmo, que vocês vão exercitar pela primeira vez nesta Universidade e eu depois regresso aqui, dentro de 2 minutos, para alguns avisos importantes antes de sairmos para almoço.
 
Dep.Carlos Coelho
Desculpem lá, parece que há duvidas. A pergunta que vos fazemos é se vocês acham que esta sessão foi útil, ok? É uma espécie de avaliação global, depois vocês, por voto secreto, vão ter que fazer aquelas votações que eu vos referi ontem e que daqui a pouco torno a referir mas, para já, queremos uma apreciação global.

Acabamos a sessão, o orador foi lá para fora e a pergunta que vos fazemos é: acham que isto foi útil para vocês ou não? Se foi muito útil, levantam o cartão sim, que é o verde; se foi bastante útil, o azul, que é o 4; se foi assim-assim, o amarelo, que é o 3; se foi pouco útil, o laranja, que é o 2 e se foi nada útil, o um, que é o vermelho, ok?

Portanto, é essa a pergunta. Isto foi útil ou não?

Votação

Vão ter de fazer outras duas coisas, que são os votos obrigatórios. Têm que fazer a avaliação do tema – foram os impressos que vocês receberem quando entraram na sala, num envelope com o vosso nome – nessa avaliação têm de avaliar se o tema era importante antes de o terem ouvido, se depois foi interessante e se vos trouxe novidades. A grelha é sempre a mesma: 5 para muito, 4 para bastante, 3 para assim-assim, 2 pouco, 1 nada.

Depois vão avaliar o orador. Se ele sabia da matéria, se ele soube transmitir e se criou empatia. São os 3 factores de avaliação. E os 3 últimos é relativamente ao caderno de documentação – neste caso eram apenas as letras das 2 canções -, aos meios audio-visuais – que foram os filmes correspondentes – e ao tempo de duração da sessão. Se vocês achavam que o tema justificava mais tempo, muito mais tempo, se estava bem assim, se era menos tempo ou se era muito menos tempo.

Ao mesmo tempo vamos pedir para vocês preencherem aquele impresso “Eu aprendi que”. Ou seja, nesta sessão o que é que vocês aprenderam de novo? Alguma coisa? Uma, duas, três ou nada? Preencher, dobrar.

À saída todos passam ali onde estão os votos e fazem a introdução na urna dos vossos 2 boletins de voto. Se tiverem sugestões anónimas, aproveitam para incluir também nesta votação, ou seja, as sugestões anónimas, para serem anónimas são colocadas na urna no momento do voto.

As perguntas devem ser entregues agora e eu recordo que vocês podem fazer perguntas, hoje, para 3 pessoas: para o Dr. Marques Mendes, que estará connosco logo à noite; para o Prof. João de Deus Pinheiro, que responderá à distância e o Dr. Durão Barroso, que embora não vá responder hoje, por questão de gerir a agenda dele, temos que enviar as perguntas hoje para depois, provavelmente, termos as respostas amanhã ou depois de amanhã.

Hoje, excepcionalmente, vocês vão ter 3 possibilidades de fazer perguntas à distância, embora só 2 sejam para incluir no JUV de hoje. E as 2 que serão incluídas serão as perguntas a Marques Mendes e a João de Deus Pinheiro . Durão Barroso será mais tarde na semana.

Alguma dúvida sobre estes procedimentos? Alguma dúvida sobre estes procedimentos? A primeira vez é sempre a que custa mais, depois vocês entram na rotina e já não têm dúvidas.