Nas avaliações que fizemos de anteriores Universidades de Verão, os vossos colegas disseram que havia uma lacuna na estrutura temática da nossa Universidade, uma vez que não havia nenhum tema sobre o Estado. Introduzimos isso em duas Universidades anteriores, com outra designação, “A máquina do Estado vista por dentro” ou “O Estado visto por dentro”, com a convicção de que jovens que querem ter mais intervenção cívica e política precisam de perceber como é que o Estado funciona.
É essa a razão de ser da introdução na estrutura temática da nossa Universidade de verão 2009, um tema a que chamamos “O estado do Estado” e temos o grande prazer de ter connosco o Dr. Paulo Rangel que é advogado, é docente universitário, foi deputado e líder do PSD na Assembleia da República, um grande líder parlamentar, e foi cabeça de lista às eleições europeias e é actualmente o vice-presidente do grupo parlamentar do PP e o Coordenador do Grupo Europeu do PSD.
O Dr. Paulo Rangel tem como hobby ler, tem como comida preferida o arroz de frango, tem como animal preferido o cão, que é aliás a mascote mais votada por convidados e participantes da Universidade de Verão.
O livro que sugere é “As memórias de Adriano”, um livro notável de MargueriteYourcenar, para quem não conhece recomendo a leitura. O filme que sugere: “Trainspotting”. E a principal qualidade que mais aprecia é a frontalidade. Vamos pois ouvir uma intervenção frontal sobre o estado do Estado. Tem a palavra o Dr. Paulo Rangel, muito obrigado por estar entre nós.
Dr.Paulo Castro Rangel
Em primeiro lugar, muito boa tarde a todos. Como isto é suposto ser uma aula, eu vou falar de pé, porque nunca dei nenhuma aula sentado, portanto, seria uma inovação que não vou aqui introduzir.
Em primeiro lugar queria pedir-vos desculpa por alguma falta de treino, de treino nestas coisas políticas. Mas eu ao fim de um mês de férias, que foram férias, absolutamente férias, sinto realmente alguma incapacidade de retomar a actividade, portanto estou aqui, como se diz em Direito ‘capitis diminutis’, quer dizer, com uma diminuição à partida, mas enfim, espero que relevem isso e, portanto, dêem aqui um desconto a esta intervenção.
Ora bem, a primeira coisa que eu lhes queria dizer é porquê este tema. Porque é que temos de falar sobre o estado do Estado? Sendo que aquilo que eu lhes queria, em primeiro lugar passar, era a ideia de que nós vamos ver aqui o Estado um bocadinho de fora, não tanto o Estado de dentro, mas o Estado de fora. E vão perceber, à medida que eu for andando, porque é que é o Estado visto de fora. É o Estado enquanto organização política. Não é tanto o Estado enquanto máquina interna, mas o Estado enquanto forma política, isto é, enquanto modo da organização das qualidades humanas. Quer dizer, como é que os homens, portanto, ou os seres humanos, se quiserem assim, para usar uma explicação, expressão políticamente correcta, que abrange homens e mulheres, os seres humanos não é, como é que eles se organizam políticamente. É muito mais para esta leitura do que, por exemplo, para uma visão da administração pública, ou para uma visão do parlamento ou para uma visão do sistema do Governo, relações entre o presidente, o Governo, o Parlamento, mais do que isso é para o Estado visto de fora, e vamos já perceber porquê.
Agora, o que é que me parece que torna muito oportuno nós reflectirmos sobre o Estado? Porque é que é fundamental, hoje, que quem está a fazer formação política, tenha que ter uma perspectiva do que é o Estado? Porque, em particular nesta conjuntura, portanto, de há um ano a esta parte, deu-se a crise financeira. E a crise financeira e a crise económica, grave, considerada a mais grave desde a grande depressão de 1929, esta crise fez com que muita gente começasse a dizer que havia uma espécie de retorno ao Estado.
Portanto, voltou a haver um entusiasmo pelo Estado. O Estado tem que ter depois de anos e anos de doutrinas, digamos assim, liberais no sentido de retirar o Estado da economia, retirar o Estado da sociedade, entregar, no fundo, o Governo a política, se quiserem assim, a condução da vida social às entidades privadas, apareceu a ideia de que o Estado é imprescindível e de que não se pode viver sem o Estado e de que afinal, no fundo, se está a querer recuperar, se de alguma maneira quiserem assim, a lógica estatista ou estatizante. E, portanto, eu acho que é fundamental, neste momento, nós fazermos aqui, agora já talvez com alguma, eu diria, com algum apuro, com algum brio académico, fazermos aqui umas distinções porque senão está tudo confundido na opinião pública.
Eu devo dizer que a razão pela qual reapareceu ou ressuscitou o Estado, a razão pela qual o Estado ressuscitou, é essencialmente, está essencialmente, vocacionada, ligada a essa ideia de que há uma crise financeira e de que o Estado tem de ter um papel na economia, tem que ser regulador, tem que ser um regulador muito activo, foi por causa disso. Agora, o que me parece é que quem está a olhar para a crise financeira não está a olhar para aquilo que aconteceu na história global nos últimos vinte anos. Porque eu devo dizer o seguinte: há aqui um facto marcante, de que se vão celebrar agora 20 anos em Novembro, que é a queda do muro de Berlim. Portanto, a queda do muro de Berlim, mudou, do meu ponto de vista, no fundo tem o sentido que teve, por exemplo, de alguma maneira, uma revolução francesa, se quiserem assim, tem a mesma lógica histórica no sentido de ser, ou que teve uma revolução russa em 1917, ou seja, é um facto políticamente marcante e que cria aqui uma verdadeira ruptura daquilo que era a lógica do Estado, eu já vou explicar porquê, e abre um período de interregno no qual não se sabe bem para onde é que íamos e começa a euforia liberal. Portanto, a partir de Novembro de 89, começa este ataque, no fundo, ao Estado, que se quebra, do meu ponto de vista, este ciclo, este interregno, este período de revolução constante se quiserem, vai quebrar-se com outro acontecimento mundial de primeira grandeza que é o 11 de Setembro de 2001. Portanto entre 89 e 2001 nós vivemos num período em que não percebemos exactamente qual era o caminho que iríamos seguir. E depois de 2001, de 11 de Setembro de 2001, que eu considero do meu ponto de vista o facto políticamente mais marcante da nossa era, porque ele de facto vem demonstrar em que estado estão os Estados tal como nós os conhecíamos, o 11 de Setembro, reparem que é um ataque terrorista àquele que supostamente era o Estado mais forte no plano mundial mas é um ataque terrorista que não é apoiado nem perpetrado por nenhum Estado, é um ataque terrorista de uma célula que se move sem Estado e sem apoio Estaduais, claro pode ter apoios localizados no Afeganistão, ou aqui ou ali, mas não é nenhum Estado que está coberto disso, não é uma organização terrorista como era o IRA ou como era por exemplo 08:19 , ou como é a ETA que pretendiam fundar um Estado, portanto, estavam ainda dentro dessa lógica, não é nada disso, é uma organização terrorista que vem, vamos chamar assim, da sociedade civil, que tem um projecto politico que não é de criação de Estados, é da criação, no fundo, de uma grande ‘Respública’, digamos assim, uma coisa pública islâmica, à escala global, não é, e em primeiro lugar ligando todos os países islâmicos mas em que no fundo não há uma estrutura estadual, não tem um projecto de constituir um Estado. É esta rede, a Al-Qaeda que desfere um tiro de morte, fatal, letal, numa potência mundial que era um Estado que estava organizado como um Estado e que está. E portanto significa que passamos a ter uma guerra que não é feita, sequer, entre Estados, por isso se fala… Deixou de se falar em terrorismo para se falar em guerra ao terrorismo. O conceito de guerra veio outra vez para a frente, mas é uma guerra que não é entre Estados. Todas as guerras que nós conhecíamos até hoje eram guerras entre Estados. Aquelas que nós conhecíamos, que estavam no nosso horizonte, eram entre Estados. Era entre a Argentina e o Reino Unido, o Irão e o Iraque, portanto era entre Estados. Os fenómenos terroristas tinham sempre uma lógica de Estado: ou pretendiam mudar o regime político, o caso por exemplo das brigadas vermelhas em Itália, nos anos 70 e 80, o caso por exemplo do grupo Baader Meinhofe na Alemanha no final dos anos 60 e no princípio dos anos 70, portanto, queriam transformar, portanto mudar, por exemplo, para um regime comunista que era no fundo o que se pretendia, ou colectivista nessa época, ou por exemplo o IRA ou a ETA que pretendiam fazer uma secessão, isto é, uma separação, criando um Estado independente. Mas, no fundo, eles estavam sempre na lógica do Estado. A Al-Qaeda aparece com um ataque ao estado numa lógica sem Estado. Ela não pretende fundar Estado nenhum, ela não pretende nada disso, ela não pretende nenhuma mudança política dentro de um Estado, ela pretende uma nova realidade política, que não tem nada a ver com Estados e portanto que é uma realidade diferente. E este facto, vem esclarecer de alguma maneira o sentido das mudanças política profundas que se deram à escala internacional, com grandes repercussões nacionais, isto é, nos diferentes Estados, desde 89. Portanto, estes são os grandes sucessos, acontecimentos políticos que obrigam a que nós reflictamos sobre o que é o Estado e em que Estado é que nós vivemos, para nós percebermos, se algum dia formos políticos ou desempenharmos funções políticas, em que mundo nos estamos a mexer: se é realmente no mundo politico do Estado tradicional como nós o aprendemos ou se é num mundo totalmente diferente em que o Estado já não é nada disso e porventura requer da nossa parte, enquanto titular de funções política, atitudes, estratégias, preparação que não era aquela que até aqui era requerida. Portanto, é este desafio que, no fundo, eu com esta reflexão, pretendo aqui trazer.
Eu queria vos dizer o seguinte: a primeira coisa que é preciso ter consciência, e que muitas vezes não é assumida cá fora, mas que era preciso que todos percebessem, é que o Estado é uma forma histórica de organização política. É histórica no sentido de que nasceu um dia e assim como nasceu vai acabar. Portanto, é uma forma transitória.
Geralmente, nós podemos dizer que na Europa, em particular na Europa, que é onde surgem os Estados, os chamados Estados nacionais não é, porque geralmente têm como base uma nação, isto é, uma determinada homogeneidade étnica e nacional, os Estados surgem, em rigor nós só podemos falar em Estado depois de 1648, isto é depois da Paz de Vestfália, depois da Guerra dos 30 Anos. Portanto, como saberão, porventura, se não souberem também ficam a saber, no princípio do século XVII, 1618 a1648, a Europa é varrida por uma guerra religiosa muito importante, a Guerra dos 30 Anos, e só depois da Guerra dos 30 Anos é que nós podemos dizer que o mundo Europeu está organizado em Estados no sentido moderno do tempo, tal como nós os conhecemos. Claro, houve experiências, houve países, se quiserem assim, onde o Estado nasceu primeiro, nasceu mais cedo. É o caso, por exemplo, da Inglaterra, é o caso, por exemplo, da Sicília, é o caso, por exemplo, de Portugal e até das monarquias peninsulares.
Uma das razoes pela qual Portugal avançou para os Descobrimentos, mais cedo, e portanto foi um dos grandes, digamos assim, um dos grandes iniciadores até da globalização, se quiserem assim, foram os Portugueses, é porque em Portugal já existia um Estado no sentido moderno. Existia um povo, existia um território, existia uma soberania. No fundo nós, de uma forma muito simplista e altamente criticada, mas para o efeito que aqui nós queremos é um conceito operacional, podemos dizer que o Estado é a reunião destes três elementos. É um povo que está assente num território e sobre o qual se exerce uma soberania. Dentro daquele território sobre aquele povo há um poder único que é o poder exclusivo que se exerce, é um poder soberano. Isto é que é um Estado. E isto realmente em Portugal surgiu muito cedo, e essa é uma das razões pelas quais nós estávamos mais preparados, nos estávamos mais desenvolvidos políticamente no século XVI, ou no século XV, do que estavam os nossos concorrentes. Enquanto eles ainda estavam com estruturas medievais, nós já estávamos com estruturas modernas. Porque tínhamos uma estrutura política moderna estávamos em condições de conduzir uma aventura, como foi o caso da aventura dos Descobrimentos, com grande sucesso e com grande força, como enfim todos sabem da História.
Ora bem, isto dito e percebido isto, de que o Estado é uma forma histórica a primeira pessoa que usou a palavra Estado no sentido moderno foi um autor que todos já ouviram falar que foi o Maquiavel. Portanto, o Maquiavel, no seu célebre livro “O Príncipe”, que é um livro muito pequenino cuja leitura recomendo vivamente a quem queira ou fazer gestão de empresas ou exercer política, que é o “O Príncipe” do Nicolau Maquiavel, que é um livro muito importante, e o Maquiavel é um autor muito importante porque é dos primeiros autores que separa claramente a esfera religiosa e moral da esfera política, o que aliás, diga-se de passagem, talvez merecesse a pena ser analisado com cuidado, porque agora está outra vez na moda falar-se muito sobre ética e política e política e ética, mas a política é autónoma da ética e a ética é autónoma da política. E essa é a grande lição do “Príncipe” e portanto convinha ter aqui… Eu julgo que anda para aí, sinceramente o digo aqui, num aparte à conjuntura, anda para aí muita confusão na cabeça de muita gente com responsabilidades sobre o que é o plano jurídico, o que é o plano politico e o que é o plano ético. E eu não entro nessa afirmação políticamente correcta em que agora toda a gente entra, porque julgo que isso é apenas uma questão de conjuntura. Não olha para os dados estruturais, da autonomia do político, sobre essas questões. Mas enfim, é uma questão para se debater noutro plano e que podemos desenvolver, porventura, mais tarde. Mas o Maquiavel é esse grande autor que claramente separa essas duas esferas e é a primeira pessoa que utiliza a palavra Estado no sentido que nós hoje lhe damos: a entidade política na qual se organiza uma comunidade humana. É realmente, a primeira pessoa a fazê-lo, é o Maquiavel.
Ora bem, meus caros amigos, o que é que eu teria aqui a dizer? Nós, reparem, nós nem damos conta da importância que o Estado tem para nós sob o ponto de vista de organização política. Não é tanto sobre esta questão liberal, social, se intervém mais ou se intervém menos, mas o Estado é nas construções humanas, naquelas construções que nós, espécie humana, fomos capazes de fazer, aquela que se aproxima mais de Deus, é o Estado. Porque o Estado é omnipresente mas é invisível. Portanto, nunca ninguém viu o Estado. Assim como nunca ninguém viu Deus, nunca ninguém viu o Estado, e no entanto ninguém duvida que o Estado exista e que ele está em todo o lado. Portanto o Estado é a coisa mais próxima de Deus que nós temos. E por isso é considerado uma obra de arte. O Estado é uma obra de Engenharia política, de engenho humano, extraordinária. Uma das razoes porque nós hoje vivemos com tanta apreensão, com tanta insegurança, com tanto risco é porque sentimos que o Estado se está a esburlar, que está num processo de declínio.
Foi uma construção, que os homens tiveram, muito sofisticada. Reparem bem, uma pessoa à noite deita-se, deita-se com o Estado. Apaga a luz, lá está o Estado. Abriu a torneira, lá está o Estado, não é? De manha sai para a rua, o Estado está na rua. Usa dinheiro, o dinheiro tem o Estado. Portanto, tudo o que faz tem implicações com o Estado. Portanto o Estado é neste sentido um ser omnipresente, não é? E, portanto, é de facto uma categoria política que está próxima do divino. Portanto, é um Deus, se quiserem, quase que um Deus não divino, se é que isto pode ser assim. Mas é na verdade isso, porque depois reparem, dizem assim “mas então o Presidente da República é o Estado”. Mas se o Presidente da República morre ou é morto, ou o Primeiro-Ministro, etc., se ele desaparece, o Estado não desaparece. Se nós destruirmos a capital de um país, o Estado não desaparece. Portanto, não há nenhum suporte físico para o Estado, ele tem uma continuidade muito para lá dos aspectos físicos e portanto é uma realidade espiritual que nos transcende, quer dizer, nós sozinhos não somos capazes de a destruir, não temos qualquer capacidade de lhe resistir, portanto ela é transcendente a nós. Isto é só para perceberem a importância que esta construção política tem e a perfeição, a sofisticação política, a sofisticação sob o ponto de vista da construção que ela representa. Nós fomos capazes de organizar uma coisa tão sofisticada, que não somos capazes de a destruir. Não temos qualquer capacidade de a destruir e portanto é este Estado, com estes 3 elementos de que nós estamos a falar, que realmente o povo, o território e a soraria dominou todos os nossos paradigmas.
Toda a política, toda a política que as minhas amigas e os meus amigos vêm fazer-se se faz no pressuposto que o Estado tem estas características e portanto nós continuamos a fazer política hoje, no século XXI, com as características que o Estado tinha no século XVII, ou XVIII ou XIX. O que acontece é que isso mudou, e no meu ponto de vista mudou essencialmente ultimamente, mudou basicamente desde o final do último quartel do século XX e em particular desde 89, desses factos não é? Claro que essas mudanças não se fazem de um dia para o outro, mas há factos que nos fazem consciencializar, é como o 11 de Setembro, isto é, reparem, com o 11 de Setembro ninguém tinha percebido o que se tinha passado mas toda a gente percebeu que era uma coisa importante. É uma coisa interessante, isto, de verificarmos. Aliás foi o que se passou com a Revolução Francesa, exactamente. Se sabem, conhecem aquela história com certeza, do maior filósofo, digamos, da modernidade, não é, depois da época grega que é o Kant, não é? Que vivia numa cidade que é Kongsberg que hoje faz parte, é Kaliningrad, faz parte de um enclave russo, não é, entre a Polónia e a Lituânia e que era da Prússia Oriental, portanto era uma cidade Alemã, e o Kant só se atrasou duas vezes na vida, uma das vezes foi para receber notícias da Revolução Francesa. Quer dizer, apesar de ele estar lá muito deslocado e de na altura não haver comunicações, as pessoas perceberam que quando se deu aquela revolução já tinha havido muitas revoluções em muito lado, muitos tumultos, mas não tinham aquele significado político. E o que aconteceu com o 11 de Setembro também foi isso. Nós ainda nem sabíamos o que era e quem tinha sido mas já todos tínhamos percebido que era uma coisa muito grave, que nos ia afectar a todos, nós não sabíamos como, mas que ia mudar as nossas vidas.
Portanto, há uma consciência que emerge num certo momento. Portanto, não é aquele facto que produz o resto, ele no fundo é uma consequência de uma mudança que já está nos carris, já está a funcionar, mas é naquele momento que as consciências políticas se assumem e portanto vêem com alguma clareza o que é que está diante de si a acontecer.
E portanto, o que acontece do meu ponto de vista, é que nós assumimos essa debilidade do Estado, esse declínio do Estado, esse deslizar do Estado a partir desse momento. Nesse momento nós percebemos que havia realmente aqui uma mudança radical.
E agora nós vamos rapidamente compreender que isto tinha de ser assim, não podia ser de outra maneira, isto é, o Estado é uma forma histórica, por isso assim como começou vai acabar e por outro lado, para além disso, é uma forma que já não é adequada ao estilo de vida, às características da vida em sociedade que nós temos hoje.
Eu vou começar por dar exemplos muito antigos, mas em que realmente o Estado já não contava muito: por exemplo, na aviação civil. Já desde tempos imemoriais, portanto desde a segunda guerra mundial, praticamente, ou antes disso que havia cortes internacionais de regras de aviação civil à escala global, já havia globalização, porque não era possível naturalmente ter um sistema de transportes aéreos montado à escala mundial, sem ter regras universais. Porque tem de ser iguais para todos, de forma…E, o mesmo, valia, por exemplo, para os correios, não é? Que já tinha, já havia a União Postal Internacional que tinha regras globalizadas, iguais para todos que não dependiam dos Estados, era a única forma dos correios funcionarem. Porque senão como é que se mandava uma carta da Mongólia para o Uganda? Quer-se dizer, não era fácil, não é? Portanto tinha de haver regras gerais. O mesmo aconteceu, por exemplo, com as telecomunicações e foi rapidamente este movimento que está ligado a estas, àqueles primeiros sinais de globalização, que se estendeu a tudo, e portanto o Estado começou a perder espaço de Império, espaço de influência, capacidade de mudar as coisas.
Curiosamente até entidades que são insuspeitas começaram a reclamar para si atributos de soberania. Eu dou-lhes um exemplo que é muito claro para os nossos amigos, porventura mais do que para as nossas amigas: o caso da UEFA e da FIFA. A UEFA e a FIFA, como nós vimos ainda recentemente em Portugal, reclamam para si o foro privativo, isto é, elas é que decidem das questões de justiça desportiva. Tivemos o célebre caso do Gil Vicente, não é? Que a dada altura estava num grande litígio, porquê? Porque a UEFA diz “não, não, não são os países, não são os Estados que administram a justiça. Quem administra a justiça somos nós”. O que isto significa é que nós temos uma entidade desportiva internacional a chamar para si uma prerrogativa de soberania. Ela está a dizer aos Estados “não são vocês que decidem isto, somos nós”. E só não foi mais longe porque os Estados continuam a querer travar um pouco isto. Mas o seu objectivo, como aliás o comité olímpico, é levar isto cada vez mais longe. É serem entidades com poder judicial próprio, que se impõe a qualquer Estado independentemente da sua força ou das suas características.
Isto significa que há entidades de outra natureza, reparem é só para o desporto, que já reclamou para si atributos de soberania. Nós hoje sabemos que há muitas organizações não governamentais, são ‘softs powers’, são poderes suaves, mas que têm uma influência decisiva. A Amnistia Internacional, no âmbito ambiental… Enfim, são muitas. Portanto, nós sabemos que aí já. Mas ainda é ‘soft power’, no caso da UEFA, da FIFA e até do Comité Olímpico. Já começamos a falar, aqui, de um poder muito grande. Depois começamos a verificar que por exemplo as religiões, as confissões religiosas também procuram ter um papel como parceiros políticos internacionais. A igreja católica nunca abdicou da característica de Estado para quê? Para justamente ter, no mundo de Estados, tinha a possibilidade de interferir nas relações internacionais. Mas porventura hoje, no mundo que já não é só de Estados, em que há novos parceiros, até já nem vai precisar disso. Mas muitas igrejas têm o - (um minuto inudível) - desta maneira, quando digo igrejas digo confissões religiosas do Islão. Isto vale para o Islamismo, vale para o Cristianismo, vale para o Judaísmo e vale para o Hinduísmo, para todas as correntes religiosas, portanto não há aqui nenhuma… Mas isto por exemplo também vale para a questão do crime internacional. Não é apenas o terrorismo, os carteiros da droga, nós sabemos que eles se movem com ligações internacionais. As Máfias, nós sabemos, que elas estão organizadas, hoje não têm bases em Estados. Hoje há um crime internacional que cambeia pelo espaço global sem ter uma ligação ao Estado. E o mesmo vale para as multi-nacionais. Grande parte das multi-nacionais, hoje, empresas, não estão ligadas ao Estado em que têm sede, elas movem-se pelos seus próprios objectivos e portanto elas não estão a defender os interesses dos Estados Unidos ou do Canadá, ou da Austrália, ou da Holanda ou da Alemanha ou do Japão, para falar naqueles países que têm multi-nacionais porventura mais fortes, não é? Não estamos a falar de… eles não estão a ligar a si, aos seus interesses próprios, aos seus interesses económicos, aos seus interesses industriais, aos seus interesses ambientais ou anti-ambientais, consoante os casos, mas estamos efectivamente a verificar que estas entidades são parceiros políticos. Muitas multi-nacionais têm muito mais poder do que qualquer Estado. Têm capacidade de mudar política dos Estados. Isto vê-se bem no Parlamento Europeu, vê-se bem no Congresso Americano onde os lobbies industriais, por exemplo, estão muito presentes, fazem as suas apologias. Vejam por exemplo os lobbies farmacêuticos, também, a respeito das questões de políticas de medicamentos etc., a forma como eles intervêm, como eles condicionam cada vez mais as política internas, só para dar aqui um exemplo que é mais palpável, embora porventura não seja o mais acabado. Portanto o que nós verificamos hoje é que há um conjunto de entidades que têm capacidade de se mover e têm poder politico, e disputam esse poder político com os Estados. Mais, chegam mesmo às vezes, notem bem, a querer para si atributos formais de soberania, o caso da UEFA e da FIFA que eu aqui dei mas de muitas outras entidades nós poderíamos aqui encontrar resquícios, primórdios, resíduos, às vezes são coisas ainda larvares, mas que estão hoje a mostrar que hoje há aqui esta competição.
Mais, eu chamo-vos à atenção, para que hoje há indivíduos sozinhos, isolados que conseguem ter uma influência política, internacional muito grande. Por exemplo, aquele génio cibernético, que é capaz de se meter nos computadores da NASA ou nos computadores de um sistema financeiro, não é? E vigiá-lo ou alterá-lo, nem que seja por simples brincadeira, é um cidadão que só por si é capaz de alterar o rumo da sociedade mundial. E portanto isto é uma coisa que lhe põe nas mãos um poder extraordinário, que está ligado também a um novo mundo, que é o mundo de novas tecnologias, é um mundo de novas capacidades que oferece a possibilidade disso acontecer.
Por exemplo, nós temos um exemplo em Portugal que os meus amigos e as minhas amigas por serem muito novos não se lembram, mas antes de entrarmos no Euro nós estávamos num sistema monetário que era o sistema monetário Europeu em que o escudo, que era a moeda Portuguesa, tinha um câmbio, digamos assim, mais ou menos fixado dentro de uma certa banda de oscilação e houve um conjunto de especuladores de Chicago, eram 5 ou 6 só, que na Bolsa de Chicago, a partir de Chicago, atacaram 4 moedas: a Libra Irlandesa, a Lira Italiana, o Escudo Português e a Peseta Espanhola. Seis ou sete pessoas, com as suas fortunas atacaram de tal maneira essas moedas que o sistema monetário Europeu teve que rever as bandas, e teve que entrar com um dinheiro injectado nestas moedas brutal, para que essas economias não fossem derrotadas. Quer dizer, seis ou sete pessoas consertadas em Chicago eram capazes de destruir uma economia como a economia Espanhola ou Italiana, enfim, a Portuguesa, como é evidente, seria facilmente destrutível. Não eram precisos 6, bastavam para aí 2. Mas enfim, o que isto significa é que nós temos de facto, estamos perante portanto, uma mudança, uma mudança radical. É que o Estado deixou de ter aquele senhorio, aquele domínio exclusivo que tinha sobre o seu território, isto acabou, e portanto o pressuposto em que ele foi construído que era o pressuposto da Paz de Vestfália, que é cada Estado tem o seu exército, tem a sua máquina de colecção de impostos, impõe, digamos, a soberania no seu território, é cioso do seu território, é paladino da não ingerência, é guardião da sua soberania e, portanto, tem ali uma espécie de escudo invisível dentro do qual ninguém entra e no qual ele é que dita as regras, ele pode lá estabelecer dentro uma democracia, pode lá estabelecer dentro uma ditadura, mas dentro do seu cantinho, dentro do seu pedaço de terra é ele que governa. Isto desapareceu, desapareceu por completo, isto não existe hoje. Isto não existe, desde logo, por razoes tecnológicas evidentes, e não foi por acaso que eu trouxe aqui a queda do muro de Berlim. Uma das razões, toda a gente sabe hoje, pela qual por exemplo na Alemanha Oriental havia movimentos fortes contra a República, contra o comunismo, quando a Alemanha estava dividida, portanto quando se deu a queda do muro de Berlim, tinha a ver com as emissões de televisão que eram feitas e com as emissões de rádio que eram feitas. Porque eu através das ondas de frequência, que não conhecem fronteiras, conseguia pôr aquele povo a ouvir as notícias que estavam do outro lado, conseguia fazer propaganda, entre aspas, se quisermos assim, de um certo regime ou de uma certa apologia. Isto valeu para todos os países de Leste.
Mas nós temos outros exemplos, temos o exemplo por exemplo dos acidentes, acidentes ambientais. Chernobyl foi um exemplo importantíssimo, quando nos anos 80, na Ucrânia ocorre em plena União Soviética um acidente nuclear em que os efeitos ambientais não conhecem fronteiras, e portanto vão-se espalhar, e aqui até se vão espalhar de uma forma estranha. Porque não se vão espalhar de uma forma contínua, isto é, é capaz de haver problemas na Suécia e não haver problemas no território que vai da Ucrânia à Suécia. Portanto há aqui um certo acaso, uma certa teoria do caos que faz com que os efeitos sejam efeitos transterritoriais mas não sejam contínuos, não é uma mancha calastica, pode ter sítios onde se concentra, portanto, isto cria, no fundo, a possibilidade de ultrapassar fronteiras que não apenas as contíguas. Já não falo de um outro efeito que é o efeito trans-geracional, ou seja, quando nós falamos em resíduos nucleares que podem causar efeitos daqui a dois mil, ou três mil, ou dez mil anos, nós estamos a dizer que estamos a produzir hoje problemas para daqui a dez mil anos. Podem aparecer antes mas podem não aparecer antes. Mas podem aparecer nessa altura e portanto isto significa que nós estamos a falar em escalas em que a dimensão não só do espaço mas do próprio tempo está ultrapassado.
Isto também valeu, por exemplo o Bhopal na Índia, que foi outro acidente ambiental ligado à indústria química muito importante. Portanto foram acidentes que criaram já também, esta consciência e portanto tudo isto começou a ser evidente a pouco e pouco que as fronteiras dos Estados não contêm um poder fechado e portanto que o Estado já não tem aquele senhorio que tinha, aquela capacidade que tinha, e de repente isto cria um problema político essencial para o qual muitos não se dão conta ou do qual muitos não se dão conta. E o problema politico essencial é que nós temos as democracias, em Democracia as democracias dentro do Estado estão pensadas para que nós votemos num certo território, portanto nós votamos em Portugal para eleger as autoridades portuguesas, e o que acontece é que estamos a votar para autoridades que não têm a capacidade para mudar a nossa vida porque grande parte dos problemas já são decididos noutras esferas e por isso se diz muitas vezes que nós devíamos todos votar nas eleições americanas porque porventura tem mais impacto sobre as nossas vidas, têm um impacto suficientemente grande sobre as nossas vidas a eleição na Alemanha, agora no dia 27, ou a eleição nos Estados Unidos, do presidente, têm um impacto relevante ou tão relevante que nós devíamos também votar neles.
Quer dizer, as circunscrições territoriais começam a estar desajustadas, eu voto dentro da minha circunscrição mas nada nela se decide de verdadeiramente importante. Quer dizer, às tantas o Estado foi reduzido à dimensão da freguesia e as eleições legislativas estão convertidas nas eleições para a assembleia de freguesia, para a Junta de Freguesia. Decide realmente algumas questões, mas não são aquelas que verdadeiramente definem as nossas vidas e isto, quando estou a dizer isto, não estou a referir-me aqui ao fenómeno político português, estou a falar em termos globais e internacionais, é assim para a maioria dos casos. É que hoje há um desajustamento entre a circunscrição em que nós votamos e o sítio onde se tomam as decisões. Por isso é tão importante, e agora não queria puxar aqui a brasa à minha sardinha, ou à nossa sardinha, para incluir na sardinha também o Carlos Coelho, não queria puxar mas as eleições Europeias têm hoje uma dimensão relevantíssima, que é essa, que é a de criar uma circunscrição mais adequada às tomadas de decisão. Mas não há esta consciência. Mas eu ainda ontem ouvia, enquanto os meus caros amigos ouviam o Dr. Marques Mendes, eu estava a ouvir na televisão, primeiro o Dr. Marques Mendes e depois o Professor Adriano Moreira. E ele disse uma coisa que realmente, foi “se não percebe…” e esta foi até um dos ‘leitmotiv’ da nossa campanha europeia “como é que se distinguem os assuntos nacionais dos assuntos europeus”. Enquanto o Dr. Vital dizia “uma coisa são as eleições europeias, outra coisa são as eleições nacionais”, a verdade é que isto é de não compreender a nova natureza das realidades política, é que nós não podemos separar estes assuntos de uma forma estanque. Eles estão ligados, estão co-ligados, porque os Estados já não decidem aquilo que decidiam. Pelo menos, diria eu, os Estados da nossa escala, e são muitos, são a grande maioria, já não têm essa capacidade de decisão e portanto como eles não têm essa capacidade de decisão nós temos de ter possibilidade de exprimir as nossas preferências políticas noutros palcos, aqueles onde verdadeiramente se decide. Sob pena de estarmos a votar para uma coisa, que não vai influenciar decisivamente, vai só influenciar só sensivelmente mas não decisivamente, as nossas vidas. E portanto, esta mudança de escala territorial, esta mudança política é extremamente importante no sentido de se compreender que aquilo que existe hoje, em rigor, já não é um regime de Estado mas é aquilo a que o Hegel chamava a poliarquia, portanto nós vivemos naquilo a que eu chamo uma poliarquia.
Poliarquia, se reparem, é o contrário de Monarquia não é? Monarquia quer dizer o poder de um só, poliarquia quer dizer o poder de muitos. Num certo sentido, todo o poder do Estado é monárquico.
Os Estados tinham a ideia, os Estados viviam no contexto, a sua ideia é terem a exclusividade da soberania. A soberania era o poder exclusivo para os Estados, eram eles que em última análise tudo decidiam dentro do seu território e sobre o seu povo. Portanto, isto é que é o Estado, isto é que é o Estado enquanto realidade política humana, o tal que tem aquelas características quase divinas, que eu aqui aludi, é este. É o Estado que exerce de forma exclusiva e sem qualquer ingerência o poder num território sobre uma determinada população que aí está, digamos assim, instalada. Enfim, depois isto pode ser, enfim, para quem conhece bem estas matérias, isto pode ser mais trabalhado, podemos falar nos cidadãos que estão a trabalhar fora, nos cidadãos que são emigrantes, se eles têm ou não têm relação com o Estado, tudo isso nós podíamos aqui problematizar, mas de uma forma grosseira, e que é aquela que nos interessa aqui a análise, não precisamos de sofisticar mais isto, para provarmos o ponto que eu aqui quero provar ou para demonstrarmos esse ponto, que é o de que hoje o que nós temos são regimes poliárquicos, ou seja são regimes… - (um minuto inaudível) - que era o departamento dos assuntos políticos, que resolvia os assuntos políticos, estava pensado só para isso e trabalhava só para isso, e sempre que havia problemas políticos nós metíamos os problemas na máquina e a máquina resolvia os problemas, ou não resolvia, mas enfim, tratava desses problemas, isto desapareceu. Hoje, todos os problemas são políticos e todos os problemas são não políticos. Há uma contaminação política dos problemas sociais. Não é por acaso que, por exemplo hoje, as touradas de Barrancos, para falar de uma coisa que não é muito longínqua daqui, era um problema politico, tornara-se um problema político, um encerramento de uma empresa pode ser um problema politico, a contaminação de um rio pode ser um problema politico, o problema da inseminação artificial é um problema politico, o problema do julgamento da corrupção é um problema politico. Quer dizer, de repente, muitos problemas que antes eram considerados sociais, ganharam uma carga política porque hoje não há uma distinção. Portanto, hoje ninguém lhe interessa saber se este partido vai fazer coligação com aquele, esses problemas políticamente puros do antigamente já não interessam a ninguém. As pessoas interessam-se é por saber se há um crucifixo nas escolas ou se não há, se pode ou não pode haver, se a rapariguinha pode usar o ”J’Adore” ou não pode nos liceus, ou o véu islâmico, não é? E portanto é esta a questão que se põe, são estas questões que se discutem, são estas questões que apaixonam a opinião pública. É aqui que políticamente as pessoas se revêem. Ora, isto também é sinal da ilusão do Estado, porque deixou de haver a máquina política com os problemas políticamente puros e hoje todos os problemas são potencialmente e virtualmente políticos, assim como são potencialmente e virtualmente apolíticos porque eles são problemas sociais que resultam desta sociedade poliárquica em que não há um poder único e exclusivo soberano, mas há vários candidatos, vários pretendentes a repartir a quinhoar o poder. E, portanto, é basicamente isto que importa aqui perceber, é que nós estamos hoje perante um poder fragmentado e por isso o Estado a continua a ser um actor político importante mas deixou de ser o actor principal, deixou de ser o actor principal.
E por isso, para não me alongar, enfim, isto aqui é como estar na internet, a pessoa abre janelas e podia ir pelas janelas fora, não é, sempre a abrir janelas umas atrás das outras, mas no fundo aquilo que eu queria que percebessem é que o Estado tal como nós o conhecemos desapareceu. Havia aliás fenómenos políticos que já o indiciavam, só para dar um exemplo muito simples, já todos percebiam que o Estado estava ameaçado por dentro, pelas pressões autárquicas e regionalistas, e por fora por exemplo pelas pressões europeias. A União Europeia é aliada das autarquias, a União Europeia é aliada das regiões, quanto mais poder for para a União Europeia, mais poder tem o Estado. Quanto mais poder for para as Autarquias, menos poder tem o Estado. E, portanto, elas embora estejam em pólos opostos, uma procura descentralizar e outra procura centralizar numa sede mais concentrada nela própria, a verdade é que são convergentes, o grande objectivo é retirar o poder, essa categoria política que dominou os três a quatro séculos de vida política nas nossas sociedades.
Portanto, aquilo que nós temos que perceber é que hoje a vida política organizada em Estados tem muito menos relevância do que tinha no passado e isto, e é com isto que vou terminar esta exposição inicial, isto só nos alerta para uma questão, que é: porventura hoje mais importante do que ter sempre presente a defesa do direito de voto, da capacidade de votar, sabendo nós que ele está muito desgastado por causa de não ter correspondência territorial, isto é, de não ser nesta sede que se tomam as decisões, só parcialmente é que se tomam, é mais importante para as democracias hoje ter uma defesa clara das liberdades individuais, da esfera individual, da esfera dos cidadãos, essa tem de ser garantida, e, eu diria, o lado liberal da democracia, não o lado igualitário, mas o lado liberal, das liberdades, é hoje mais importante, porque quanto menos capacidade temos de influenciar as decisões com o nosso voto, mais precisamos que nos seja garantido um estatuto de liberdade, porque deixamos de ter esse instrumento com o mesmo poder que tínhamos antigamente. Ele ainda existe, ele é relevante, ele não pode ser desperdiçado, não estou de maneira nenhuma a deitá-lo para o caixote do lixo, só estou a chamar a atenção para factos. Ele hoje tem menos peso do que tinha antes. E, portanto, nós temos de ser compensados na nossa esfera de liberdades e por isso, neste sentido, eu devo dizer que ao contrario do que muita gente pensa, quando andas para aí a dizer se o Estado deve intervir mais ou deve intervir menos, as pessoas estão a discutir uma coisa que já é do passado. É que o Estado por mais que intervenha já não consegue intervir, já não é ele que tem esse poderio, isso é uma questão de grau mas não é uma questão de qualidade. E , portanto, há aqui um enfoque puramente conjuntural sobre a realidade do Estado que eu acho que é um enfoque errado e que esta crise pode apontar para pistas erradas e pode deixar de pôr a força toda na construção de esquemas supra-estaduais, nomeadamente internacionais de resolução dos problemas, de esquemas regionais e locais de resolução de problemas, que têm hoje muito mais capacidade de influência na vida das pessoas do que têm as soluções estatais tradicionais.
E portanto, convém estar atento mais a esses pontos do que a estes. Este é no fundo aquele que é o meu enfoque. Eu queria agora terminar, dizer-vos o seguinte: eu optei, sem nenhum tabu para os restantes temas, por fazer aqui uma intervenção essencialmente teórica, indo até muito aos clássicos, embora até não os tenho citado para não os maçar e fi-lo porque eu acho que aquilo que distingue as pessoas na vida e portanto aquilo que deve distinguir os políticos não é a sua capacidade prática, é a sua consistência teórica. Porque andar de bicicleta, contar traços e nadar, conduzir, toda a gente faz. Uns demoram três vezes a tirar o código, outros demoram uma mas todos acabam por passar e, portanto, a verdade é que isso, toda a gente faz.
Falar sobre Aristóteles e Platão é que já nem toda a gente faz. E nós estamos carecidos de políticos que conheçam Aristóteles, que tenham lido Platão. Nos estamos carecidos de políticos, estamos carecidos disso, nós não estamos carecidos ao contrário do que muita gente julga, a credibilidade da política não está na ética, não está lá na ética. A ética é muito importante, não digo que não, mas a credibilidade política não está aí, está na própria consistência, na formação, na capacidade, no conhecimento que as pessoas têm dos problemas. Sem isso, não há resolução dos problemas políticos. Pode haver um comportamento moralmente exemplar, que dá direito ao céu, sem dúvida nenhuma, a um lugar no céu, mas não resolve os problemas da cidade, resolve os problemas da consciência, mas não os problemas da cidade. E esses resolvem-se com consistência, e portanto a credibilidade da política depende dessa formação e por isso eu exorto aqui muito à formação e porque faço isso deixo-lhes aqui como mote de reflexão, para terminar, uma frase de um livro que seria o livro que eu vos recomendaria como leitura de início de Outono e que eu acho que tem de ser lido com muita atenção embora seja muito fácil de ler, porque vale muito mais do que parece num primeiro momento, que é o “Cândido” do Voltaire. Aliás, trouxe ali. Que é um livro que eu acho que nos prepara, até para este mundo multi-polar de que eu aqui falei, ou poliárquico, o “Cândido” de Voltaire. É um livro pequeno, simples, é uma história que aliás decorre com muita velocidade, que aliás recorre a Portugal bastante, porque o “Cândido” presenteia o terramoto de 1975, em Lisboa, e, portanto, vive esse episódio, aliás faz um capitulo praticamente inteiro do livro, e, portanto, é um livro que eu acho que tem uma qualidade tremenda. Ora, o “Cândido” termina o livro com uma afirmação do próprio “Cândido”, que diz, e que é isto que eu vos recomendava. Aliás, a respeito daquilo que vos disse aqui, portanto a crítica, usando a sátira do Voltaire, porque aliás era um satírico como sabem, seria a auto-critica que faço aqui, seria aquilo que me poderiam dizer depois desta exposição teórica é aquilo que o Cândido diz ao seu mestre Pangloss na última linha do livro “Cândido” que é: “Tudo isso está muito bem dito, mas o que é preciso é cultivar o meu jardim”. Ora aquilo a que eu exorto é que cultivem o vosso jardim, porque só são políticos a corpo inteiro se forem capazes de cultivar o jardim. Eu julgo que esse é que é o imperativo essencial para a actividade política, é ser capaz de enquanto político, cultivar o jardim.
Se as pessoas, em vez de cultivar o jardim, só andam à procura de dizer bem e, portanto, dizer coisas que quem dirá “tudo isso está muito bem dito”, julgo que não chegam a lado nenhum e, portanto, “tudo isso está muito bem dito, mas o que é preciso é cultivar o meu jardim”. É isso que eu vos desejo como augúrio para a vossa ambição, aspiração e, diria eu, pretensão política. Muito obrigado.
Pedro Rodrigues
Ok, o Dr. Paulo Rangel vai responder de pé, por isso pedia que fossem concisos e só fizessem uma pergunta, porque só podem fazer uma pergunta, não se esqueçam disso, e a primeira pergunta vai para a Liliana Vaz de Carvalho do grupo roxo.
Liliana Vaz de Carvalho
Boa tarde a todos. No seu livro “O estado do Estado”, tal como nesta conferência, reflecte sobre os novos poderes de um Estado que perdeu o monopólio da acção política em que há vários actores políticos a conviver com o Estado e de um maior envolvimento com o Presidente. Uma situação hipotética de um governo minoritário, instável e ingovernável poderá conduzir a um regime presidencialista? Obrigada.
Dr.Paulo Castro Rangel
Ora bem, eu devo dizer que esta pergunta só muito tenuemente está relacionada com o meu livro, embora tenha um outro livro escrito que não publiquei, em que respondo a essa pergunta. Mas não publiquei ainda até por razões de oportunidade política. Mas que reflecte sobre o sistema do Governo Português. Portanto, sobre o sistema do Governo Português, e nós podemos reflectir sobre isso. Não há dúvida nenhuma do seguinte, sendo o sistema do Governo português semi-presidencial, o que é duvidoso, há quem diga que não, mas sendo, enfim, consensual, a maioria diz que sim, que o sistema do governo é semi-presidencial, é evidente que basta não haver uma maioria absoluta na Assembleia, para que o papel do Presidente seja mais relevante. Portanto, isso faz parte da lógica do Governo de sistema semi-presidencial. Explicando isto muito simplesmente, o que é que é um sistema de Governo semi-presidencial? O primeiro governo de sistema semi-presidencial, digamos assim, o típico, não é o primeiro, o primeiro até foi a República de Weimer, em 1919, na Alemanha, aliás como a experiência anterior, na Monarquia Orleanista, em França, no século XIX mas enfim, o primeiro, o chamado típico ou se quiser exemplar é o Francês, não é? É o sistema Francês, e que tem funcionado de uma forma muito diferente do sistema Português, ou do sistema Finlandês, por exemplo, que também é semi-presidencial, de alguns dos sistemas de Leste, que agora depois das revoluções de 89 também se tornaram semi-presidenciais, o caso do Polaco, enfim, o caso do Romeno claramente, enfim, outros menos, a grande característica é a seguinte: é que eles, portanto, existem os sistemas presidenciais, como o sistema americano, em que é eleito o Presidente e é eleito o Parlamento, pronto, ambos são eleitos só que não se podem destituir mutuamente. Portanto, no caso Americano é um casamento sem divórcio. O Presidente tem de viver com aquele Parlamento e o Parlamento tem de viver com aquele Presidente, sendo que o Presidente é simultaneamente o Governo. Aliás, o Governo é um órgão unipessoal no caso Americano, é o Presidente da União, que neste caso é o Barack Obama, como sabem, e pronto, está o assunto acabado. Portanto os poderes executivos estão todos no Presidente, ele é o Governo, ponto final. E ele não precisa da confiança do Parlamento para nada, portanto, não há moções de censura, não há moções de confiança, não há votos desse género porque ele foi eleito pelo povo, não precisa disso. Os sistemas parlamentares típicos são os Ingleses, não é? O tipo Inglês que são a maioria na Europa que é o seguinte: portanto, o chefe de Estado tem poderes simbólicos, é um Rei ou é um Presidente mas não é eleito por sufrágio universal, é eleito por um Parlamento ou por um colégio especial, portanto não tem poderes nenhuns, é uma espécie de notário que assina as leis, mais nada, portanto, não tem nenhum papel relevante e portanto é eleito um Parlamento e do Parlamento sai um Governo, ponto final, e esse Governo depende desse Parlamento. No dia em que cair o Parlamento, cai o Governo e portanto forma-se um novo Governo a partir daquele Parlamento ou fazem-se eleições e há um novo Parlamento para um novo Governo. Portanto, o que acontece é que depende do Governo. No caso Português, como no caso Francês não é assim. Nós temos as eleições para o Presidente e temos as eleições para o Parlamento. Quem governa é o Governo mas o Presidente tem certos poderes, fortes. Poderes de veto, poderes de dissolução da assembleia, poderes de nomeação do Primeiro-Ministro e dos Ministros, em certas políticas podem ter mais ou menos competências, pronto, é assim. Nos sistemas semi-presidenciais há duas situações, duas, em que o poder do Presidente avulta: um é a situação francesa típica, que é: o Presidente é o chefe da maioria, portanto o Presidente do país é também chefe maioritário e portanto no fundo o Presidente tem um Primeiro-Ministro, mas o Primeiro-Ministro não passa de um chefe de gabinete do Presidente. Portanto, o Primeiro-Ministro não é uma figura importante, há um Governo que depende do Parlamento mas o Presidente é que é a grande figura. E então aí há uma consonância: Parlamento, maioria, Governo. Presidente, maioria, Governo. Portanto, é tudo da mesma cor, tudo do mesmo lado. Há experiencias raras, no caso Francês de co-habitação quer com o Presidente Jacques Chirac, que ainda com o Miterrand, mas são experiências, apesar de tudo, contadas. O normal é isto, e aí o Presidente tem todo o poder, tem mais poder do que qualquer Primeiro-Ministro, porque é simultaneamente chefe de Estado e na prática é o Primeiro-ministro. Até se costuma dizer: “o Presidente anuncia as coisas boas e o Primeiro-Ministro anuncia as coisas más”. Portanto, o Primeiro-Ministro está lá, para, no fundo, ser uma espécie de amortecedor do Presidente. Nos sistemas como o Português, funcionam de duas maneiras diferentes: se o Governo tem maioria absoluta, o Presidente apaga-se; se o Governo não tem maioria absoluta, o Presidente tem mais poder. Porque naturalmente o Governo é mais fraco e, portanto, se o poder tem influência, é maior. Ele é que pode fazer pontes com a oposição, ele pode influenciar o Governo mais fortemente e portanto uma palavra do Presidente tem mais peso, e, portanto, é natural, respondendo objectivamente à sua pergunta o seguinte: é natural que se de umas eleições não resultar uma maioria absoluta, os poderes do Presidente avultem. Não vamos pelo regime presidencialista, nada tem a ver com os Estados Unidos nem nada tem a ver com a experiência Francesa que nós podemos dizer que é a versão Presidencialista dos sistemas semi-presidenciais. Mas podemos dizer que o Presidente terá uma posição institucional mais forte, mais reforçada, mais relevo na vida pública do que tem numa situação de maioria absoluta, isso sem dúvida. Não sei perceberam, foi um bocadinho a correr, mas, enfim, dar os sistemas do Governo aqui em cinco minutos também não é assim a coisa mais simples.
Pedro Rodrigues
Ok, muito obrigado. José Gama do grupo castanho.
José da Gama
Boa tarde. Também na apresentação do seu livro, referiu que os tribunais deveriam fazer de árbitro entre o papel político do Governo e dos restantes actores. Gostaríamos de saber como é que no caso Português, portanto, estando o estado da Justiça no estado em que está, como é que isso pode ser garantido realmente?
Dr.Paulo Castro Rangel
Muito bem. Ora bem, essa foi a parte, é a parte lunar da minha intervenção de hoje. Portanto há uma parte, há a face oculta da lua e eu hoje não trouxe isso para aqui porque, enfim, era apesar de tudo muita coisa para uma sessão só, ou para uma introdução, enfim, que fosse até aos quarenta, quarenta e cinco minutos, no máximo dos máximos dos máximos. Ora bem o que é que se passa? Aquilo que eu digo é o seguinte, portanto, o que eu estou a dizer é uma coisa diferente… Não é fácil responder à sua pergunta, mas eu vou explicar. Portanto o que digo é isto: actualmente as instituições políticas como o Parlamento e como o Governo, têm dificuldade de resolução de conflitos no contexto desta sociedade poliárquica. Portanto, assumida aquela sociedade em que o Estado deixou de ter o monopólio do poder, deixou de ter os tais poderes exclusivos, aquela máquina que estava toda pensada para o Estado ter poderes exclusivos, em que havia um Presidente, um Governo, um Parlamento, deixa de ter a mesma eficácia que tinha, porque agora o que é que é preciso? Agora, não é preciso governar e orientar, agora é preciso arbitrar conflitos. Conflitos entre quem? Entre uma multi-nacional e o Estado, entre uma Universidade e uma confissão religiosa, entre um clube de futebol e uma empresa. Quer dizer, de um momento para o outro, estes actores políticos aparecem como actores com pretensões política, digamos assim, de pequena ou de grande escala sempre em conflitos. Ora, das instituições públicas, que nós conhecemos, nós, enquanto cidadãos, com alguma experiencia, não é, de comunidade ocidental, numa democracia ocidental, olhamos para as nossas instituições, vemos os tribunais, vemos Parlamento, vemos o Governo, vemos Presidente, vemos, enfim, uma série de institutos e de órgãos locais, aqueles órgãos, aquelas instituições que estão mais talhadas, que estão mais vocacionadas para resolver e arbitrar conflitos entre entidades com poderes mais ou menos idênticos, são os tribunais. Não é por acaso, se reparar bem, que de um momento para o outro desataram a aparecer entidades reguladoras, comissões reguladoras. É para a comunicação social, é para a bolsa, é para a energia, é para as águas, é para tudo o que tenha entidades reguladoras. Dantes havia os ministérios, os ministérios tomavam decisões, para que é que são as entidades reguladoras? Nunca se compreendeu que hoje o Estado não pode ser ele próprio o decisor e o árbitro, porque ele decide em paridade com outros. Portanto, foi preciso criar uma espécie de semi-tribunais, de ‘quasi-tribunais’ que são entidades reguladoras. São da administração pública, mas são independentes. Portanto elas já estão a meio caminho… Ora bem isto quer dizer, precisamente, que nós estamos justamente a criar uma sociedade em que precisamos de entidades independentes para decidir conflitos. Portanto, o que eu entendo é que olhando a médio, longo prazo, fazendo um prognostico para os próximos vinte, trinta anos, fazendo prognose política ou profecia política ou constitucional, com tudo o que isso tem de arriscado, eu diria que assim como o século XIX foi o século do Parlamento e o século XX foi o século do Governo, o século XXI será o século dos tribunais. Agora, não é destes tribunais que nós conhecemos, e por isso é que, realmente parece haver uma contradição, olhando para a situação da justiça portuguesa, não é, e não só, mas a portuguesa em particular e esse relevo que eles estão a dar aos tribunais. O que nós vamos precisar é de encontrar uma legitimação democrata dos tribunais e passarem a ser os tribunais a arbitrar, porventura, os conflitos, este tipo de conflitos. Aliás, em parte já conhecem, essas questões que eu já falei aqui: as touradas de Barrancos, os problemas como por exemplo problemas ligados à procriação medicamente assistida, problemas ligados à clonagem. Tudo isso é em tribunal que se decide, não há leis a decidir essas coisas, são os tribunais em última instancia que decidem. Esses conflitos que hoje apaixonam a opinião publica, são conflitos que se decidem, em geral, nos tribunais. Portanto os tribunais estão a ser instancias de decisão política, não no sentido partidário do termo mas no sentido de conflitos de poder que verdadeiramente são significativos e, por isso, eu ate acho que nós vamos evoluir para um sistema do tipo americano de precedentes social. Portanto em que os tribunais… Porque é que os tribunais são tão importantes nos Estados Unidos? Tão importantes como o Governo ou até mais? Porque são eles que fazem as leis, entre aspas, porque eles decidem através dos precedentes, criando um precedente, como é que se resolve determinado tipo de conflitos. Depois resolve-se sempre daquela maneira, é através de precedentes. Portanto, é, no fundo, a jurisprudência vinculante, não é? Pronto, que essencialmente é o Supremo Tribunal que decide. Por isso é que o Supremo Tribunal, os juízes são nomeados pelo Presidente e se passam pelo Congresso, portanto, têm uma triagem política muito forte. Porque eles vão, as grandes opções político-constitucionais que relevam para os cidadãos são tomadas pelo Supremo Tribunal, não são pelo Congresso nem são pelo Presidente.
Portanto, aquilo que eu antecipo é uma certa americanização das nossas vidas político-constitucionais e, portanto, nesse sentido nós vamos precisar de tribunais com esta versatilidade. Agora isto nada tem a ver com estes problemas de justiça com que nós lidamos hoje em dia. Portanto aquilo que eu estou a falar nessas passagens do livro, aquilo que estou a falar é: para mim, numa sociedade democrática, com características poliárquicas são os tribunais que vão ter uma posição decisiva de futuro. Não são estes tribunais, são outros tribunais com outra configuração. Portanto, seria isto que, enfim, de uma forma muito resumida, eu deixaria aqui.
Pedro Rodrigues
Muito obrigado. Carlos Maciel do grupo laranja.
Carlos Maciel
Boa tarde. Acha que o sistema de eleição de Deputados e a Assembleia da República servem verdadeiramente os interesses dos distritos do país ou, pelo contrário, temos um sistema centralizado? Gostaria que me respondesse à questão, relacionando com o projecto de círculos uninominais.
Dr.Paulo Castro Rangel
Olhe, eu sinceramente o que devo dizer é o seguinte: eu sou favorável a um sistema que seja um sistema misto, isto é, que tenha no fundo círculos uninominais e que tenha um circulo nacional ou vários círculos regionais ou até as três coisas, porque eu acho que é a única forma de nós termos um Parlamento temperado e equilibrado. Não há dúvida que a forma como hoje estão feitas as eleições, como está regulado o sistema eleitoral, faz com que eu não ache que há centralização, acho que há uma excessiva partidarização das candidaturas. Porque ou é, ou são as direcções nacionais ou são as distritais, que também têm aqui um peso muito grande, portanto, eu não acho que isto prejudique os distritos, nem prejudica, nem beneficia, a verdade é que a decisão partidária é demasiado forte neste sistema. Um sistema em que houvesse círculos uninominais e em que houvesse até círculos regionais e um círculo nacional talvez potenciasse mais a lógica das personalidades individuais. E obrigava os partidos a irem à procura de personalidades que pudessem ganhar eleições e não daquelas que representam esta ou aquela tendência, este ou aquele distrito, esta ou aquela visão. Portanto, eu sou favorável a uma revisão no sistema eleitoral neste sentido, totalmente favorável. Devo, no entanto, chamar a atenção para uma coisa que não pode ser esquecida. Os círculos uninominais levar-nos-iam seguramente a eleger também muitas pessoas que muita gente acha que não deviam ser eleitas. Porque basta olhar para as autarquias e verificar que há muitos Presidentes de Câmara que muita gente acha que não deviam ser Presidentes de Câmara, e que mesmo assim são eleitos. Se houver círculos uninominais, estas personalidades com carisma, com força, etc., local também se vão impor, ninguém pense que não vão. Portanto, há vantagens e desvantagens, ninguém pense que isto é uma avenida de sentido único, isto é, que é uma panaceia que resolve todos os males. Portanto, eu acho que há aqui um erro de análise quando se julga que se fazem círculos uninominais e imediatamente se está, a qualidade das personalidades política está garantida, não está. Não está, porque isso não depende, em última análise, não depende unicamente disso. Pelo contrário, nós até temos o exemplo das eleições autárquicas altamente personalizadas, é quase como se fosse eleições uninominais para um Presidente de Câmara, no caso das eleições para as Câmaras Municipais, são altamente personalizadas e nós sabemos bem que são eleitas pessoas que a opinião pública acha, em geral, acha muito bem e outras que a opinião pública em geral, não a local, naturalmente, acham muito mal. Isso aconteceria nos círculos uninominais, ninguém tenha dúvidas sobre isso. Portanto, é preciso ter aqui essa atenção. Mas eu sou favorável. Eu acho que no fim, contas feitas, um sistema misto que combine círculos uninominais, com um círculo nacional e até eventualmente com círculos regionais ou distritais, seria um sistema bom. Melhor do que o actual, é a minha opinião.
Pedro Rodrigues
Obrigado. Pedro Pereira da Silva do grupo rosa.
Pedro Pereira da Silva
Boa tarde. Como Sá Carneiro disse “a política sem luta é uma sensaboria, mas sem ética é uma vergonha”. Segundo o Dr. podemos dissociar ambas. O que é que mudou políticamente ao ponto de podermos separar uma da outra quando temos por exemplo um Dr. Moita Flores, autarca apoiado pelo partido, que em Agosto de 2007 disse numa entrevista ao JN que o PSD iria acabar do tamanho do Bloco de Esquerda. Eu acho que, na minha opinião, até termos políticos assim talvez ainda precisemos que a política e a ética andem de mãos dadas.
Dr.Paulo Castro Rangel
Muito bem. Eu sinceramente vou dizer o seguinte: eu não sou nada partidário desta nova moda estrita de moralização excessiva, quer dizer, de fazer da política uma espécie de confissão moral ou religiosa, não sou favorável a isso, porque acho que isso nos conduz por caminhos que não são os caminhos que, eu julgo, que é defendido com efeitos, é defendido com razões e com intenções muito boas, e portanto as pessoas que têm defendido de forma mais veemente isso, fazem-no pelos bons motivos mas pode conduzir-nos a situações de grande confusão, portanto, isso é o que eu acho. Acho que à ética o que é da ética e à política o que é da política e naturalmente que as pessoas que não têm ética são avaliadas políticamente, isto é, os cidadãos é que são maduros suficiente para avaliarem eticamente as pessoas. Quer dizer, porque à partida haver aqui uma espécie de tutela moral dos cidadãos em que há alguém que escolhe quem é ético e quem não é ético, em vez dos próprios cidadãos, também não me parece o sistema mais são. Eu, nomeadamente, por exemplo quanto à questão que tem sido muito tratada dos acusados serem candidatos ou não serem candidatos, eu estou totalmente em desacordo, mas sou totalmente contra, radicalmente contra a ideia de que se deva estabelecer que uma pessoa que foi acusada não pode ser candidata. Eu acho que isto é contrário à presunção de inocência e inaceitável num estado de direito. O que eu acho é que porventura a pessoa que foi acusada pode ter o bom senso de não querer ser candidato ou até os seus parcas saibam que não há condições política para ela ser, mas é por razoes política, não é por razoes… Não é o efeito automático, não é uma pena automática, isso eu sou contra. Nem eu acho que isso seja moralização nenhuma. Isso até pode ser desmoralização total. Pode ser desmoralização total, porque pode ser uma pessoa que tem uma conduta impecável e foi incorrectamente acusada que vai ser altamente penalizada. Eu acho que isso também não é moral, não é ético. Eu, sinceramente, sou muito favorável a um sistema em que os próprios tenham o bom senso de ver isso, mas uma vez que nem sempre é assim, o que eu acho é que a avaliação deve ser uma avaliação política. Ou há condições política ou não há, não deve ser uma avaliação para-judicial. Nós não devemos substituir-nos aos juízes, esta é a minha ideia. Isso é uma confusão entre política e justiça que eu acho errada. E isso, mais, pode levar, por isso é que eu dizia, muitas vezes as pessoas vão com boas intenções através desses princípios e vão chegar a fins que não são os melhores porque isso pode levar a uma republica de magistrado, porque a dada altura as magistraturas percebem que podem condicionar de forma decisiva a actividade política, e isso pode levá-las a actuar menos correctamente. Portanto eu acho que são questões muito sensíveis, sobre as quais se deve olhar com uma avaliação política. À política o que é da política, à justiça o que é da justiça. Isto é o que me parece, é o princípio em que eu confiaria. Eu não estou com isto a dizer, que não ache que em certas circunstancias, acho, não tenho duvidas nenhumas, que um líder político deve avaliar se alguém por ter sido acusado, tem ou não tem condições política de exercer certo cargo, isso é outra questão, mas é por razões política, ligadas àquilo, mas por razões política. Não é o efeito automático daquela condição de arguido ou daquela condição de acusado. Diferente é se a pessoa já estiver condenada. Aí é uma questão diferente, porque aí já não há presunção de inocência, a pessoa já foi dada como culpada e portanto aí já podemos associar outros efeitos à pena que a pessoa sofre. Agora, eu não vou atrás deste coro políticamente correcto que agora está aí instalado. Não vou. Eu sei que é mais desagradável para os meios de comunicação social, é mais agradável para a população em geral dizer o contrario mas não é porventura o que é melhor para a qualidade do sistema político e para a qualidade da democracia. Não é, porventura, o que é melhor. E portanto, eu mantenho a minha posição, acho que estas duas esferas devem estar separadas e, portanto, enquanto as pessoas são inocentes devem ser consideradas como tais, por inteiro. Eu sei que isso tem custos, mas eu acho que estes custos são os custos do estado de direito da democracia e que nos protegem a todos como cidadãos. E num Estado, em que como eu disse, o peso do voto é cada vez menor, a defesa das liberdades é cada vez mais importante. E é a defesa do estatuto de liberdades e garantias que aqui está em discussão e por isso eu tenho aqui esta posição tão categórica sobre esta matéria.
Pedro Rodrigues
Muito obrigado. Essi Silva do grupo encarnado.
Essi Silva
Muito boa tarde Dr. Tendo em conta que afirmam que a União Europeia e as Autarquias querem mais poder, retirando-o ao Estado, o que é que acha que podemos fazer para convencer a população portuguesa que as eleições europeias são cada vez mais importantes para o futuro do país e para o caminho dos portugueses. Obrigada.
Dr.Paulo Castro Rangel
Realmente, é extremamente difícil… Eu agora posso dizer isso que tenho essa experiência prática, fazer a pedagogia da relevância das eleições Europeias para os cidadãos, isto não vale apenas em Portugal vale em toda a Europa, porque é realmente um problema à escala europeia, enfim, com uma ou outra excepção, mas em geral é à escala europeia, eu acho que é extremamente difícil, sinceramente. Eu acho que nós temos feito muito, no sentido de dizer, dizemos muitas vezes isso, mas realmente isso não passa. Porquê? Porque as pessoas não sentem hoje, não sentem hoje... Como as pessoas não lidam directamente com a União Europeia, não sentem a influência que a União Europeia tem nas suas vidas. Embora ela tenha uma influência decisiva e, até porventura, como eu aqui procurei deixar claro, senão já hoje, com certeza no futuro, maior do que aquela que o próprio Estado a que a pessoa pertence tem. Portanto, enfim, a tendência será para esse desequilíbrio no sentido de as estruturas regionais a nível global terem mais influencia sobre a vida das pessoas do que têm as próprias estruturas nacionais. Eu até acho que é mais para uma valorização do local e do regional e do transnacional, sendo que o nacional se desvalorize. Portanto esta é a tendência que eu acho que está aqui no meio. Agora, eu acho que este é um caminho que tem de ser feito, que tem de ser percorrido, eu julgo que não há soluções mágicas. Eu acho que há uma coisa que ontem o Professor Adriano Moreira dizia e que eu acho que me cativou bastante que é o aspecto seguinte, ele no fundo pôs a pedagogia um pouco ao contrário, se eu bem o percebi. Não é tanto nas eleições europeias o mostrar a importância que a Europa tem para o Estado mas é talvez nas eleições legislativas mostrar a importância que a Europa tem para… Pronto, as próprias eleições legislativas também são, no fundo, a eleição de pessoas nomeadamente a escolha de um Governo que nos vai representar no Conselho Europeu, no Conselho de Ministros da União Europeia. E portanto nós podemos não apenas chamar a atenção quando estão em causa eleições europeias para que vão ser decididas coisas transcendentais do nosso Estado mas podemos também nas próprias eleições nacionais chamar a atenção para a dimensão Europeia das políticas nacionais e para aquilo que nós vamos fazer na União Europeia. Para, por exemplo, ele que falava numa questão muito importante que desde já, agora, enfim, abrindo aqui um pequeno véu sobre o programa do PSD que será apresentado amanhã, que aliás é uma questão que está muito em destaque no programa do PSD, que é a questão do mar e da estratégia marítima e dos recursos marinhos. Que é a questão do mar, em que ele dizia que é essencial hoje para Portugal, há aqui uma dimensão Europeia essencial que devia estar em discussão também nestas eleições: a estratégia do mar. Porque o mar é que nos abriria horizontes, no fundo para Portugal deixar de ter o estado de freguesia ou estado exímio para usar as categorias do Professor Adriano Moreira.Portanto, só para lhe dar um exemplo, por exemplo na questão da agricultura, na questão do mar, onde a União Europeia tem uma tarefa decisiva, na questão das negociações que hão-de depois vir a dar origem às perspectivas financeiras de 2014 , enfim, essas talvez venham um bocadinho mais longe, talvez ainda se possa mais tarde vir a discutir isso. Mas enfim, este tipo de matérias que são decididas ao nível Europeu naturalmente têm de estar discutidas também nas eleições legislativas, porque são os governos saírem dessas eleições legislativas que vão ter de fazer essas negociações, em primeira linha, na União Europeia. E portanto nós podemos dizer que assim como há um conteúdo nacional das eleições Europeias também há um conteúdo europeu das eleições nacionais. Talvez seja mais fácil fazer a tal pedagogia numas eleições nacionais em que as pessoas estão mais atentas do que numas eleições Europeias, e por um fenómeno de contágio isso no fundo vir a dar a importância às eleições europeias que elas efectivamente têm. Mas, enfim, é apenas um caminho que eu tenho a certeza que não será um caminho tão forte como todos gostaríamos, mas que é um caminho que eu aponto e que retiro de uma inspiração recebida ontem por essa intervenção muito interessante do Professor Adriano Moreira.
Pedro Rodrigues
Obrigado. Ricardo Encarnação do grupo bege.
Ricardo Encarnação
Boa tarde. Tendo o Estado português transposto parte da sua soberania para instituições comunitárias quais seriam as vantagens e desvantagens para o nosso país da criação Estado Federal Europeu?
Dr.Paulo Castro Rangel
Olhe, eu sinceramente o que lhe vou dizer é o seguinte: eu sou um federalista, portanto, tenho de fazer aqui o meu registo de interesses, não é? Portanto, sou um federalista, sou um defensor, portanto de uma federação europeia. Agora, a primeira coisa que eu queria chamar a atenção é que a propósito da construção europeia nunca poderá falar, do meu ponto de vista, de um Estado Europeu. Porque estamos, eu estou a dizer, que os Estados estão a morrer, portanto não vamos agora criar um Estado numa altura em que eles já estão… Quer dizer, isto é quase como fazer um vestido dos anos 20 em plenos anos 80, não é? Só numa festa revivalista é que faria sentido. O que eu acho é que pode haver uma federação europeia que não é um Estado. Será sempre uma realidade política diferente de um Estado, portanto sempre uma realidade política. Aliás, o Jaques Deloire uma vez utilizou uma expressão muito interessante a respeito da União Europeia que foi a de que era um “OPNI, objecto político não identificado”. Não é? Há os ovnis e há os ‘opnis’. Portanto a União Europeia é um ‘opni’, ninguém sabe bem o que é. Um Estado não é de certeza, e eu acho que não é bom que venha a ser porque realmente o Estado é uma categoria histórica que eu acho que está ultrapassada. Eu acho que pode ser uma federação sem Estado, portanto, seria aquilo para que eu apontaria hoje. Portanto é uma realidade constitucional, se quiser assim, própria, original, com traços muito vincados que não são iguais a nada. É evidente que por exemplo a Alemanha é um Estado federal, os Estados Unidos são um Estado federal, mas, quer dizer, são realidades antigas até como federações e que foram construídas ao contrário. Se reparar, curiosamente, nos EU e na Alemanha como é que nasceu o federalismo? Nasceu com a política de defesa e com a política de negócios estrangeiros. Essas, é que eram as política comuns. Ora, justamente na União Europeia é ao contrário. Todas as política, são comuns, menos os negócios estrangeiros e a defesa. Enfim, isto fazendo aqui só uma paródia, não é? Porque é evidente que isto é só uma simplificação, mas é no fundo um federalismo ao contrário, um federalismo invertido porque justamente aquelas matérias que deram origem às federações são aquelas que na União Europeia não estão partilhadas, ou estão menos partilhadas ou têm mais dificuldades de partilha. Porque os Estados, nomeadamente os Estados grandes, como o Reino Unido, uma França, até uma Alemanha, no caso da defesa mais a França e o Reino Unido, no caso dos negócios estrangeiros todos eles: a Espanha, a Polónia, a Alemanha, enfim, a Itália, os seis grandes, pelo menos, claramente querem manter aí prerrogativas muito próprias. Agora, isto por dentro, primeira resposta que eu lhe dei foi: eu não usaria a expressão “Estado Federal Europeu”, usaria a expressão “Federalismo Europeu” ou “Federação Europeia”, mas sem “Estado”. Pronto, este seria o primeiro ponto.
Segundo ponto: quais são as vantagens, que essa é que era a pergunta. Ora bem, a minha tese é a seguinte, para os pequenos e médios Estados, caso de Portugal, é um Estado médio na União Europeia, como é a Grécia, como é a Republica Checa, como é a Bélgica, como é a Hungria, são todos da mesma, como é a Grécia, são todos da mesma dimensão, mais ou menos dez milhões de pessoas, onze, entre os nove e meio e os onze, andam por aí, todos mais ou menos, portanto, da mesma dimensão, estes Estados médios, na União Europeia, como os pequenos, têm interesse num sistema federal porque é aquele que mais protege a sua identidade. A situação que nós temos actual é uma situação confusa, nem é Estado Federal, nem é Federação, nem é, nem deixa de ser. E como é uma situação confusa, isto faz com que não se saibam bem quais são as competências dos Estados, quais são as competências da União. Portanto há uma certa indiferença, e portanto muitas vezes a União entra em domínios que são dos Estados e os Estados não estão devidamente protegidos. E portanto, protege muito mais os Estados o Federalismo, ao contrário do que se pensa, do que protege por exemplo a situação actual. Mas eu até lhe dou outro exemplo muito relevante, é o exemplo do Euro, da moeda. Portugal, nos anos oitenta e noventa, nomeadamente já nos anos noventa, o escudo português subia ou descia e as taxas de juro subiam ou desciam em função do marco alemão. Portanto, era o governador do Banco Central Alemão, do Bundesbank a pessoa que decidia a nossa política monetária. Ele decidia a nossa política monetária e nomeadamente a nossa política de taxas de juro. Ele dizia “vai para cima” e a gente ia para cima, dizia “vai para baixo” e a gente ia para baixo. E nós não decidíamos nada. A partir do momento em que entramos no Euro e temos um, agora entre dezasseis governadores, nós temos muito mais participação na política monetária do que tínhamos antes. Não temos moeda própria, mas temos mais influência no destino desta moeda do que tínhamos antes. É uma influência mínima, porque nós somos um Estado sob o ponto de vista do poder económico e monetário mínimo, mas é uma influência maior do que aquela que tínhamos antes, porque antes nós não tínhamos influencia nenhuma. Portanto, às vezes é preciso partilhar o poder para ter algum poder. Porque a solução é: ou não se tem nenhum poder, ou se partilha o poder. Portanto, aquilo que eu diria é: a vantagem do federalismo é esta, é que nos põe no tal circuito de decisão, porque senão nós vamos ter de tomar as mesmas decisões mas não vamos influencia-las. Não vamos estar metidos no circuito de decisão. Era aquilo que eu dizia há pouco sobre a questão dos votos, sobre o território: se nós em Portugal não estivéssemos na União Europeia nós éramos ‘soberaníssimos’ e tínhamos muito menos poder do que temos hoje. Não decidíamos nada, aliás, estávamos na situação em que se encontra a Islândia, não é, muito pior com certeza estaríamos porque a Islândia apesar de tudo era bastante mais forte do que nós somos e portanto teríamos tido uma debacle financeira total. Só não tivemos porque estamos na União Europeia. Ou seja, nós temos mais poder partilhando o poder do que tendo um poder aparentemente não partilhado. Portanto, eu sozinho não tenho poder nenhum, sendo sócio de uma sociedade grande não tenho poder máximo, mas sempre tenho mais do que tinha estando fora, certo? Portanto, a vantagem do federalismo é esta. E, por isso, eu acho que para nós o federalismo é bom. Porque quanto mais competências forem partilhadas, mais nós vamos ter influencia em políticas, que acabam por nos afectar de qualquer maneira, e sobre a qual nós não temos influência nenhuma. Portanto, para países médios e pequenos, o federalismo é sempre uma forma de ganhos de poder, de ganhos de influência, de ganhos de participação. Para os grandes, eu acho que a questão é uma questão a ver e por isso eles são tão reticentes nisso. Agora, para os pequenos e médios, não tenho dúvidas nenhumas de que nós seriamos puras e simples correias de transmissão se não estivéssemos envolvidos nos processos de decisão. E naqueles em que não estamos somos puras e simples correias de transmissão, porque nós não temos nenhuma autonomia para tomar decisões, sozinhos. Portanto, é melhor estarmos no processo de decisão, sempre influenciamos alguma coisa, até se tivermos muita qualidade, por isso é que a formação é extremamente importante, por isso é que é muito importante termos pessoas nas instituições europeias, por isso é que, por exemplo eu acho que é tão fundamental, ao contrário de muita gente que acha que não, termos o Presidente da Comissão Europeia, é uma coisa importante, mas há muitas coisas muito importantes, porque essa influencia acaba por passar de uma forma ou de outra, acaba por se disseminar de uma forma ou de outra, portanto, a nossa participação é fundamental.
Por isso, eu sou um federalista por estas razões, porque eu acho que ela favorece, ao contrário do que se diz, favorece a nossa auto-determinação nacional. Portanto é melhor para nós do que… Agora, claro, nós podemos é viver numa quimera, que é julgar que somos todos independentes, que temos uma Constituição própria e que decidimos tudo sozinhos, pronto. Mas enfim, numa altura em que toda a gente viaja na Internet e em que a Gripe A se propaga à velocidade que todos conhecem, não há ninguém que acredite nisso. Mas enfim, pode ser que para alguns crédulos isso ainda faça sentido.
Pedro Rodrigues
Obrigado. Tem agora a palavra Afonso Santos do grupo amarelo.
Afonso Santos
Boa tarde. O grupo amarelo gostaria de saber porque o Sr. Defende um Presidente da República com mais envolvimento judicial, que tipo de envolvimento se está a referir quando está a falar desta situação?
Dr.Paulo Castro Rangel
Sim, portanto o que acho é o seguinte: eu acho que voltando, no fundo, ao nosso sistema do Governo, mas agora talvez de uma forma um bocadinho mais relaxada, aquilo que eu diria é o seguinte: eu acho que nós podíamos aproveitar o Presidente da República para lhe atribuir algumas funções em áreas em que eu acho que ele podia desempenhar… São áreas em que o Governo não intervém nem vai intervir, e ele, pelo seu prestígio, portanto, agora não é um Presidente da República em concreto, é a Instituição, a Presidência da República enquanto tal, independentemente de ser o Dr. Soares ou o Dr. Sampaio, o Professor Cavaco ou o General Eanes, portanto, agora, olhando para a Instituição Presidencial eu acho que ela podia ter efeitos muito positivos sobre o nosso sistema de justiça. Olhe, a primeira… Vou dar exemplos. Um exemplo que eu acho que seria muito interessante e que, aliás, estava na versão original da Constituição de 76, saiu em 82 da Constituição, era o Presidente presidir ao Conselho Superior de Magistratura, ao Conselho Superior dos Tribunais Administrativos Fiscais, ao Conselho Superior, por exemplo, do Ministério Público, por exemplo. Portanto, era o Presidente presidir aos Conselhos Superiores. Porque isto, em primeiro lugar, dava aos órgãos de gestão e de governo dos juízes, dos magistrados, não é, dava desde logo uma dignidade constitucional maior, porque ganhava uma visibilidade muito maior porque são presididos pelo Presidente da República. Por outro lado, dava ao próprio Presidente da República a possibilidade de, que é o mais alto magistrado da nação, muitas vezes é dito assim, de alguma maneira também conformar com o seu prestígio porque são naturalmente, porque se tratam de ramos independentes, as magistraturas, são muito sensíveis do ponto de vista corporativo e portanto era uma forma de criar aqui um canal de comunicação democrática. Dava legitimidade democrática a esses órgãos, porque é uma pessoa que é eleita por sufrágio, é uma instituição eleita por sufrágio directo e universal, portanto criava aqui esta possibilidade. Este é um aspecto, que eu acho que era importante o Presidente ter aqui este papel. Depois, por exemplo, acho que era importante o Presidente nomear alguns juízes para os Supremos Tribunais. Era uma outra forma de dar uma voz activa ao Presidente. Porquê? Porque os presidentes actualmente, todos nós sabemos, basta olhar para estas personagens que eu elenquei, portanto para a nossa historia de presidentes da Republica e para verificar que são pessoas que seriam incapazes de fazer uma nomeação que não seja uma nomeação cuidada e tendo em conta a relevância das pessoas, o seu curriculum, o seu prestigio. Portanto, podem fazer escolhas muito acertadas. E portanto, seria positivo, dar também aos supremos tribunais não apenas viverem com pessoas vindas da magistratura mas pessoas vindas de fora. Podia ser o Presidente a nomear, por exemplo, três ou quatros juízes conselheiros para o Supremo Tribunal de Justiça, três ou quatro para o Tribunal Administrativo, por exemplo.
Poderia, por exemplo, o Presidente também ter nomeações do Tribunal Constitucional que não tem hoje em dia, por exemplo. Os juízes do Tribunal Constitucional são eleitos pela a Assembleia e depois outros três são cooptados, mas o Presidente podia ter este tipo de papel. Repare que ele já tem algum papel judicial, as pessoas é que não dão atenção a isso. É o Presidente que nomeia o Procurador Geral da República, embora sob proposta do Primeiro-ministro, mas, no fundo, tem aqui um poder de veto, porque pode vetar o nome que o Primeiro-Ministro lhe apresenta. É o primeiro ponto. O Presidente tem poderes de perdão, portanto, faz, como sabem, os indultos no final do ano, o que significa que ele pode, no fundo, anular, entre aspas, uma sentença judicial, entre aspas. Portanto, o Presidente já tem na nossa Constituição determinadas aberturas para ter uma função no poder judicial. Ora, como eu acho, quando respondi ali ao seu colega, que o poder judicial precisa de uma certa legitimação democrática, precisa de canais de comunicação democrática para poder desempenhar a tal função mais relevante que a prazo lhe está, do meu ponto de vista, necessariamente entregue, atribuída, cometida, para ele poder fazer isso, precisa de respirar democraticamente. Uma forma de respirar democraticamente era envolver o mais alto magistrado da Nação no próprio processo especial. Eu acho que também ajudaria a reformar a justiça. Nos vemos muitas vezes os Conselhos Superiores de Magistratura, etc., fazerem algumas reivindicações, entre aspas, junto do Governo, do Ministério de Justiça, sobre meios, sobre isto, sobre aquilo. É totalmente diferente, isto ser feito por esse Conselho, com uma Presidência como a actual, ou com a Presidência do Presidente da República. É evidente que, vá lá, um desejo do Presidente da Republica será atendido de uma forma mais forte do que seria de outra maneira. O que eu quero dizer com isto é que, no fundo, nós íamos dar ao Presidente da República mais uma área na qual ele tem uma competência especial. Hoje o Presidente da República, na matéria dos negócios estrangeiros, na matéria da defesa, já tem um papel especial. Os Governos, em matéria dos negócios estrangeiros e defesa lidam com o Presidente da República com muito mais cuidado e atenção. Têm muito mais deveres de informação, ou dever de informação especificada e qualificada, porque num caso ele no fundo é o representante externo da República Portuguesa e é o comandante superior das Forças Armadas. Portanto ele tem aí papel. O que ele estaria a dar era na área da Justiça, que é uma área independente do Governo, isto é, na qual o Governo, no fundo, não tem qualquer influência e, portanto, dar ao Presidente justamente essa abertura para ter aí um papel. Eu acho que isto podia ser uma das chaves, embora isto implicasse uma revisão constitucional, podia ser uma das chaves para abrir uma reforma na justiça Portuguesa. Isto, eu acho que era uma coisa positiva e que acho que fazia sentido e, aliás, já defendi isso há muito tempo, não é de agora. É desde 2001 pelo menos, enfim, já era antes disso mas em termos publicados, escritos, é desde 2001 e portanto eu acho que nós podíamos criar aqui uma esfera de competência para o Presidente, que podia ser muito útil. Especialmente numa altura, que já se arrasta há muito tempo, em que se vive uma espécie de Guerra Civil dentro dos poderes judiciais. Portanto há uma guerra, há uma crispação muito grande entre advogados, Ministério Público, juízes, Governo, há uma situação a que eu chamo de guerra surda, que eu acho que precisa de um árbitro que desempate e isto podia ser uma abertura constitucional para esse clima de mudança. Mas, enfim, é só uma sugestão. Nada mais do que isso.
Pedro Rodrigues
Muito obrigado. Carla Castro, do grupo azul.
Carla Castro
Boa tarde. Ontem o Dr. Luís Marques Mendes falou da sua preocupação face à demora na justiça. E todos sabemos que sem justiça, Portugal não avança. A minha questão seria para o Dr. me esclarecer quais seriam as reformas concretas e urgentes a aplicar nessa área de forma a incentivar o acesso do cidadão comum à área da justiça? Obrigado.
Dr.Paulo Castro Rangel
Ora aí está uma pergunta difícil. Mas eu vou dizer o seguinte: acho que na justiça, nós temos dois desafios diferentes. Um está relacionado com isto que eu falei aqui e com a outra resposta que eu já tinha dado ao outro colega, que tem a ver com a legitimidade, a credibilidade do sistema. Portanto, é que hoje a justiça portuguesa vive dois problemas diferentes. Um, é esse que tocou, que é um problema…, eles não são estanques mas são diferentes, um é o problema da morosidade e da ineficácia do sistema. Portanto, o sistema é ineficaz, é moroso, e portanto, é um sistema que não está a ter prestações de qualidade para os cidadãos. Pode até ser um sistema óptimo sobre vários pontos de vista mas a verdade é que não cumpre a sua função junto dos cidadãos como deveria cumprir. Certo? Este é um ponto. Portanto, é um problema de eficácia, e de celeridade, de morosidade no sistema. Outro problema, um problema que confiança, legitimidade e credibilidade do sistema, é que hoje, não há só… as pessoas não se queixam apenas de que o sistema funciona mal porque demora muito, porque, enfim, é muito burocrático, não é isso, as pessoas já não confiam verdadeiramente nas decisões do sistema. Portanto, é que antigamente, há 10 anos atrás, há dez anos atrás, as pessoas diziam assim, as pessoas confiavam no sistema judicial, embora achassem que ele funcionasse mal, mas achavam que ele era um sistema judicial confiável, legítimo, no qual eles punham, digamos assim, a sua confiança, depositavam, acreditavam naquele sistema. Hoje em dia, as pessoas entendem, não só, que ele funciona mal, como não acreditam no sistema. Portanto, há que fazer reformas do lado da confiança e da legitimidade e há que fazer reformas do lado da eficácia e da celeridade do sistema, pronto. Quanto ao lado da eficácia e da celeridade que foi aquilo que me trouxe, que estão relacionados, porque é evidente que se o sistema funcionar bem, as pessoas começam a acreditar nele mais. Portanto, as duas questões estão ligadas, não estão desligadas. Mas são questões diferentes, são questões diferentes. Ora bem, eu aí, o que eu acho é o seguinte: eu acho que é fundamental, é uma coisa que esteve em preparação, eu disso fui testemunha participante, pelo ministro Aguiar Branco, que era uma reforma de um mapa judiciário, como deve ser. Era a primeira coisa a fazer, porque nós tínhamos um mapa judiciário, isto é temos as circunscrições todas alteradas. Portanto, nós temos circunscrições em que há 100 processos e outras em que há 15.000 e 20.000, portanto não temos os meios bem distribuídos. Temos os meios suficientes no plano nacional, mas temos todos muito mal distribuídos no plano local. Portanto era essa a primeira reforma. E este governo ensaiou uma reforma do mapa judiciário, ao abrigo, aliás do Pacto para a Justiça de que o Dr. Marques Mendes foi grande entusiasta e de que eu não era tão entusiasta assim, deste pacto em concreto, porque não quer dizer que ele não tivesse coisas boas. Acho que é um bom ponto de partida, é um bom ponto de partida mas era só um ponto de partida sem mais nada, como aliás se demonstrou, não servia para nada, pelo contrário, foi até do meu ponto de vista contra producente. Mas enfim, isso é um balanço. Agora, o que eu digo, é, aí, a primeira coisa é realmente adequar os meios, portanto eu aí faria isso. Esta reforma que aqui está, sinceramente eu tenho as maiores dúvidas sobre esta reforma, acho que ela rompe muito com as nossas tradições. Não havia necessidade de o fazer e portanto vai acabar por não funcionar muito bem. Vamos ver, mas acho que não vai funcionar muito bem.
Segundo ponto, que acho que não foi feito, em que este governo falhou clamorosamente e que estava também previsto fazer-se, é uma reforma a sério de processo civil, porque acho que isso podia criar aqui, uma grande capacidade, uma grande capacidade de resolver as questões. Portanto, para mim seria um aspecto muito importante simplificar o processo civil, dando mais poder aos juízes, que é uma coisa que os advogados depois não querem. Portanto é que isto é o tal problema das guerras. Eu estou à vontade, porque eu sou advogado, não é? Mas quer dizer, como sou, conheço-os bem, e sei que eles depois não querem, mas nós temos que dar mais poderes aos juízes. Nós temos que limitar os recursos. Não pode haver tantos recursos, não é ? Não faz sentido, quer dizer. A gente tem que aceitar que se o sistema tem um juiz, tem uma segunda revisão, em princípio está bem. Portanto temos que começar a aceitar este tipo de coisas. É melhor, às vezes uma má decisão rápida do que uma boa decisão passados muitos anos. Portanto, às vezes, para as pessoas é mais importante saber com o que contam, se têm ou não têm indemnização, do que propriamente, andarem durante anos a contar com aquilo e depois não têm. Ou depois têm, mas quando têm, já não lhes serve de nada. Até porque já podem ter morrido. E há tantas coisas. E portanto, eu acho que aí era também muito importante a reforma do processo civil. Há um aspecto muito relevante, muito técnico no qual é preciso mexer, que é o aspecto da acção executiva, que é um aspecto que neste momento está a criar imensos problemas. Portanto há aqui 4 ou 5 domínios técnicos nos quais se pode e se deve mexer. E portanto, estas são as reformas da celeridade aqui. Depois há um outro aspecto e esse aspecto está relacionado com a legitimidade, em que eu acho que era preciso aí, isso sim, uma pessoa sentar-se com os parceiros e encontrarmos aqui uma articulação, um projecto para os próximos 15 ou 20 anos que eu acho que é o se perdeu. No pacto para a justiça é o que se deveria ter feito, era justamente ter-se os parceiros sentados para um reforma de tipo constitucional da própria justiça, que obrigaria, também, por exemplo, a mudar o estatuto dos juízes, o estatuto do ministério público, a mudar o seu estatuto remuneratório que é uma coisa no qual ninguém quer mexer e portanto, enfim, há aqui um conjunto de … Mas eu julgo aí também, em sede de estatuto remuneratório, o programa do governo trará algumas surpresas e portanto julgo que vale a pena esperar pelo dia de amanhã sobre essa matéria.
Pedro Rodrigues
Obrigado.
Miguel Castanheira Santos
Boa tarde a todos. De certa maneira, compreendemos aqui, que o sistema semi-presidencialista está para ficar. Então serão os intervenientes, os culpados de não funcionar bem? O Dr. também fez referência como os lobbies condicionam a política interna. Se é do conhecimento geral que são vistos actos de corrupção, de abusos de poder, porque não revelar e legislar como foi feito nos Estados Unidos da América, para os combater ou simplesmente para os controlar?
Dr.Paulo Castro Rangel
Isso são os lobbies, é, essa última pergunta ? Eu não tinha ouvido, não sei se tinha ouvido bem.
Pronto, quanto à questão do sistema semi-presidencial, eu não sei se está para durar, se não está para durar, enfim. Portanto, há uma coisa que eu vos queria dizer e que é preciso também viver isto sem dramatismos. Não há nenhum problema em se mudar a constituição ou em se mudar de constituição. Muitos países o fizeram, a França fê-lo, por exemplo, a Bélgica já o fez várias vezes, a Itália na prática fê-lo, embora sob capa de revisões, como aliás tem acontecido também em França em 58. Portanto, as democracias, muitas vezes, quando vêm que um sistema não está a dar resposta, têm capacidade delas próprias gerarem outro sistema. Pronto. Eu acho que o nosso sistema semi-presidencial é um sistema equilibrado. Eu sempre defendi, não é de agora, portanto está escrito desde 99 pelo menos, já defendi antes mas está escrito desde 99, e nomeadamente nos anos eu vão de 99 até 2003, 2004, escrevi muito sobre isso, que deveria haver um reforço da componente presidencial do nosso sistema. Eu estou a dizer que não é agora, porque se não as pessoas pensam que é por ser presidente o professor Cavaco Silva o presidente, que eu estou a dizer isto, mas eu estava a dizer isto no tempo do Dr. Jorge Sampaio. Aliás, critiquei muito o Dr. Jorge Sampaio por não usar parte dos seus poderes, coisa de fez com que ele depois os usasse de uma forma muito, caiu muito, enfim, controversa, é esta a expressão que eu vou usar. Porque o que acontece, isto acontece um bocadinho, acontece um bocadinho como na educação, quer dizer isto quando uma pessoa não usa os instrumentos que tem depois a dada altura só com soluções mais radicais é que porventura consegue algum efeito e mesmo assim muitas vezes não consegue. E portanto, eu sempre defendi isso. Agora, admito que se possa mudar de sistema, não sei. Vamos ver. Eu julgo que nós estamos num momento, sob o ponto de vista do nosso sistema político e sistema de governo, estamos num momento em que no fundo, o sistema terá aqui uma última oportunidade, que serão estas eleições. Em função dos que elas ditarem e duma solução que delas saírem e da forma com ela funcionar, poderá haver até aqui alguma crise de sistema do governo, não é? E portanto obrigar aqui a alterações. Portanto eu julgo que esta é uma oportunidade por ventura forte, por isso estamos num momento muito crucial. Portanto esta é a minha sensação como analista e como estudioso destas coisas é de que o nosso sistema de governo passará agora por um teste, que pode ser um teste final para ele. Final ou decisivo, no sentido de se manter com tal ou de sofrer alguma cambiante passados 2,3,4,5 anos. Portanto será uma espécie de “lastchance” para o sistema. Portanto este é um aspecto.
Segundo ponto: quanto à regulação dos lobbies, como sabe, pois isso é um sistema parlamentar americano que funciona dessa maneira. Eu julgo que o sistema parlamentar europeu dessa maneira funciona também já de algum modo. Portanto em termos de parlamento europeu já se funciona muito desta maneira portanto com algum controlo dos lobbies que poderá ser apurado e aplicado, apurado e detalhado. Agora eu acho que em Portugal essa legislação também se pode vir a fazer. Eu sinceramente o que julgo é o seguinte: no parlamento tem-se feito um conjunto de alterações que é um bocadinho como aquelas alterações da ética que falamos aqui, que eu acho que não são nada positivas. Portanto, impede-se os deputados de fazer tudo, os deputados da próxima legislatura não podem suspender um mandato por razões de interesse relevante, por exemplo, que eu acho um disparate completo. Os deputados não podem, portanto vão ter aqui um registo de interesses absolutamente proibitivo. Quase que se quer fazer deputados em exclusividade, o que eu sinceramente do meu ponto de vista, acho mal. Mas acho preferível que se assuma isso, em vez de se estar a fazer uns… ou se tem deputados ou se entende que a função de deputado não é exclusiva ou se entende que é, se se entende que é, então que seja para todos. Agora uma coisa que torna na prática exclusiva sem ser, não acho positivo. Portanto tem-se legislado muito de uma maneira, que eu acho que não é uma maneira transparente e que não acho que ajude à tal ética na política que tanto se reclama. Em nome da ética têm-se feito reformas que não têm contribuído em nada para a melhoria, é verdade que o sistema não tem melhorado. Portanto as garantias são postas, o sistema não melhora. Portanto, pelo contrário, muitas vezes até se adulteram. Portanto eu acho que aqui há uma regra que estava inscrita num livro que se chama “A Germânia” do Tácito, enfim que é um escritor romano. Caracterizava os germanos e que dizia o seguinte: “e aí podiam mais os bons costumes do que as boas leis”, o que quer dizer, boas leis não fazem necessariamente boas práticas. As boas práticas resultam dos bons costumes. Portanto é mais importante ter bons costumes do que boas leis. E portanto não aqui, não é por muitas vezes se criar mais leis, a pôr mais entraves e mais garantias que se vai atingir aquilo que se pretende e portanto eu sinceramente julgo que isso também tem muito a ver com a própria maturidade da sociedade, é a própria sociedade, ela própria que tem que fazer essa triagem entre os que são os políticos que considera virtuosos e aqueles que considera menos virtuosos. Também no regime do lobby acho não vale a pena, até porque isso, eu acho que isso daria uma mecânica parlamentar muito melhor. Nós temos hoje, por exemplo, muita dificuldade, a assembleia da republica não ouve muito gente como podia ouvir, não ouve muitas entidades, não está a organizar um sistema, diria eu, consistente de audições e se nós tivéssemos às tantas, um regime regulado do lobby, os próprios lobbies apareceriam para dentro do… apareceriam à luz pública, para fazerem esse regime de audições, para influenciar nas decisões de uma forma transparente, para nós sabermos o que cada um quer. Portanto até poderia vir a melhorar o processo parlamentar. Portanto eu acho que essa é uma boa via, uma coisa a estudar. Eu só não queria entrar naquela deriva garantística que vem desde o Dr. Fernando Nogueira em diante e que eu acho que em nada contribuiu para melhorar a qualidade da reprodução política, a qualidade das personalidades política, etc. E por isso eu não vou atrás dos movimentos eticizantes, não é? Essencialmente quando eles são advogados com leis, porque isto não é um problema de leis, é um problema de costumes e portanto não é por haver mais leis ou menos leis que essas coisas se retêm.
Pedro Rodrigues
Obrigado, Vasco Freitas da Costa.
Vasco Freitas da Costa
Boa tarde Sr. Dr. Em nome do grupo cinzento vou começar por fazer uma tentativa de critica enfim, à construção que apresenta, enfim coma devida humildade eo devido respeito, para depois fazer uma pergunta que é algo teórica tendo em conta que a componente prática das questões foi sendo escutada nas perguntas anteriores. Ora bem relativamente à critica que tentarei fazer, enfim, de forma rápida, introduziria aqui um tema que o professor fala no livro, que é a inter-constitucionalidade e analisaria a inter-constitucionalidade segundo as coordenadas que aqui o Sr. professor faz apelo, que é a coordenada espaço e coordenada tempo. Na coordenada espaço em que faz sentido falar na chamada poliarquia porque de acordo com o professor de facto, a par do poder político existem hoje outros focos de poder na sociedade, não só nacional, mas também supranacional e internacional. Depois na coordenada tempo haverá aquilo a que o professor chama de pluralismo interno, ou seja, exemplificando, por exemplo, a seguir à aprovação da constituição de 76, com ela foram também aprovados limites materiais de revisão constitucional, na altura o artigo 290, hoje 288, e com a adesão de Portugal à CEE, e portanto com vigência no ordenamento jurídico português da constituição, entre aspas, europeia, verificou-se uma ‘ab rogação’ das normas nacionais e portanto ainda que silenciosamente, uma transição constitucional. Portanto, por aqui se vê, desde logo, na linha cronológica do tempo uma sucessão de normas. Ora bem, onde eu queria incidir a minha crítica, depois desta minha, desta descrição, é que tanta a análise no espaço, como a análise no tempo, a meu ver, parecem estar, com o meu devido respeito, erradas. Em relação à análise no espaço, julgo que só através de uma completa modificação de conceito de poder político é que chegamos à verificação de uma poliarquia na sociedade actual. De facto, o cidadão comum quando pensa em poder político, pensa em emitir a cunha à moeda, pensa em cobrar impostos, pensa em exercer império sobre determinado território através de um aparelho coercivo, o exército, a polícia, etc. E, efectivamente, essas prorrogativas, quem as tem actualmente é ainda o estado. Referiu o exemplo das entidades desportivas e de facto, houve esse caso da UEFA que tentou, enfim abe rogar-se duma prorrogativa que não pode depois exercer. Julgo, todavia, que esse caso deve ser encarado como uma excepção e não como uma tendência, não como uma regra. E dito isto, julgo que o Sr. Professor, com o devido respeito, identifica especificidades que não o são. Por exemplo, no caso das identidades independentes, e depois vou fazer a ligação com o exercício com a função jurisdicional, julgo que o que está aí em causa, é a tentativa de regulação por parte do estado, por exemplo do funcionamento do mercado, através de certos valores, por exemplo a concorrência e, estas entidades são independentes precisamente para garantir que no caso da concorrência, o estado que também é produtor, também é interventor directo no mercado, não fique privilegiado em relação às restantes empresas que concorrem com ele. Não vejo aí qualquer especificidade que nos permita levar a uma modificação da concepção da função jurisdicional. Relativamente aos problemas que o Sr. Dr. apontou e que, hoje em dia, são políticos, também não vejo, julgo que também aí, proceder, porque, por exemplo, no caso das touradas, o que está em causa é apenas uma nova visão possivelmente de os animais terem ou não direitos como as pessoas. É uma perspectiva que hoje em dia se coloca. Julgo que isto tem mais que ver com o garantismo, como o professor referiu, do que com outra coisa. E em relação aos lobbies, eles têm uma representação no exercício do poder político nacional portanto aí não vejo qualquer tipo de especificidade. Não sei quanto tempo é que tenho, vou já terminar. Estão-me a dar sinal. Relativamente à coordenada tempo também só vejo aí uma relação de hierarquia entre normas, portanto também é a pirâmide de Kelsen que vejo aí, não vejo aí qualquer especificidade. Concluindo e relativamente aos corolários práticos que o professor tenta extrair da construção, julgo que há um corolário prático que me parece ser perigoso, que é a questão de ver na função jurisdicional, uma função jurígena, de criação de normas. De facto quando diz que os tribunais têm que ser árbitros nas relações entre poderes políticos e os restantes agentes da sociedade, parece estar a dizer que os tribunais têm que aplicar normas que não imanam da Assembleia da República. Sim, já vou fazer a pergunta. Normas que não imanam da Assembleia da República e julgo que isso é perigoso porque no fundo, terão apenas, acabarão por ter uma função legislativa. Portanto, e, no contexto de tudo isto, a minha pergunta é o seguinte. O que lhe pergunto é se, no fundo, a especificidade, hoje em dia, não é apenas e tão somente esta. É que sendo, hoje em dia, os problemas globais, o poder político também tem que ser global, ou seja, não basta um nível de integração política nacional, é necessário que também seja supranacional e internacional, o que leva a uma necessidade de duplicação da cidadania. É apenas isto, ou seja, apenas e tão só, a aldeia global e a globalização. É esta a pergunta.
Dr.Paulo Castro Rangel
Eu, há uma coisa, há uma coisa que eu lhe queria dizer, é que se é uma coisa… disse que é perigoso, é que não está a perceber uma coisa essencial, é que o mundo está mesmo perigoso. Portanto, não é perigoso, é que é assim. Nós vivemos numa sociedade de risco, portanto eu acho que isso que é… o que eu acho é o seguinte: nós podemos ter uma visão que é esta: olhar para um puzzle, olhar para um quadro e dizer, aqui está uma coisa verde, aqui está uma vermelha, aqui está uma amarela, aqui está uma azul. O quadro dantes era branco e agora viu o que fez, o exercício que fez foi, aqui está uma coisa amarela, aqui está uma vermelha, aqui está uma azul, aqui está uma verde, mas o quadro não deixou de ser branco, continua a ser branco, só que está uma verde, uma azul, uma vermelha. O que eu lhe digo é que eu olho para o quadro salpicado de cores e digo que ele é multicor, que ele é tutti-frutti, portanto já não é branco. Essa é a diferença, é que não vê uma diferença de natureza num conjunto de transformações, que são do meu ponto de vista, evidentes. Quer dizer, não há, sobre isto… quer dizer, o poder político, mesmo assim, só com outro conceito pedagógico. Pois é, é que o problema é mesmo esse. É que aquilo que dantes era político, não é o que é hoje. Ou seja, aquilo que é hoje político é diferente daquilo que era antigamente. Por exemplo, há uma coisa absolutamente inaceitável no seu argumento, é quando vem dizer que isto é só uma questão de sucessão de leis no tempo, não é. A adesão à CEE é uma mudança constitucional, pura e simples, contra todas as regras da constituição, não tenha dúvidas sobre isso. Agora as pessoas podem achar que não é, mas é. Ela pura e simplesmente… porque em rigor, as normas, em rigor, as normas, do tratado de Roma deviam estar compatíveis com a constituição e não estavam. A constituição dizia exactamente o contrário, só que aqui fez-se de conta e ainda bem que se fez. É uma transição constitucional. Mas não tenha dúvidas, que uma verdadeira ruptura constitucional que não obedeceu a nenhuma, a nenhuma… Agora claro, podemos continuar a querer acreditar porque é mais seguro, é mais confortável, é a tal coisa: não é perigoso, não é perigoso nós acreditarmos que o mundo é como é, era como era e que agora tem umas ligeiras alterações. Não é verdade, ele mudou radicalmente, mudou de natureza. Portanto a minha questão é assim, isto não é uma mudança quantitativa, não é uma abertura de excepções, é uma mudança qualitativa global. E, é uma mudança da natureza do poder político, é uma mudança do estado, e portanto, quer dizer, hoje o estado não tem poder, tem um poder muito exíguo quando comparado com aquele que tinha há séculos atrás. Sobre isso não há dúvida nenhuma, com o que tinha no século passado. Hoje ele está obrigado a dividir, a partilhar o seu poder, e tem que o partilhar, agora o poder político não é apenas um poder coercivo, é também um ‘soft power’, é também um ‘soft power’ mas mesmo esse poder que diz que existe, não sei se existe, tem que ser posto à prova. Eu não sei se houvesse uma ameaça externa sobre Portugal, se nós tínhamos capacidade de responder, não é? Portanto, não temos. Não temos soberania nenhuma sobre esse ponto de vista. No plano da moeda, não temos qualquer soberania, isso é uma coisa evidente. Não temos, portanto isso, não vale a pena ter ilusões sobre isso. Portanto, não existe sequer, hoje, uma dimensão territorial com essa. Portanto nem há uma relação, a relação de cidadania dupla e tripla não é análoga. Não é, a relação que eu tenho com o estado, depois tenho uma relação com a União Europeia, não é, é algo complexo. Portanto não são camadas que se sobrepõem umas sobre as outras. Portanto o que eu queria dizer com isto é, aqui nós nunca podemos estar de acordo, portanto há quem queira viver no passado, e há quem queira viver no futuro e portanto, a sua visão é claramente… Está a usar os instrumentos metodológicos da ciência política e direito constitucional do princípio do século XX à realidade política do século XXI. É só isso, mais nada. Portanto não há aí… Agora pronto pode vir cá… portanto aquilo que está a dizer é o que diria o professor Jorge Miranda porque ele também acredita nisso. É, pronto, está bem, só que ele está errado. Agora não vale a pena ter, não vale a pena, não vale a pena… Pronto vive no seu tempo e tem a sua doutrina, mas quer dizer não condiz com a realidade. Nós temos que olhar para os factos, nomeadamente na ciência política, temos que olhar para os factos políticos e não podemos ignorá-los. Portanto creio que é aqui uma visão de … Porque há uma coisa que é certa, percebeu perfeitamente o que eu queria dizer, isso já é bom. Isso já é bom, porque vai ver um dia que eu tenho razão.
Dep.Carlos Coelho
Dr. Paulo Rangel, acabámos as perguntas obrigatórias, vamos passar à vamos passar às livres. Há muitos antigos participantes da Universidade de Verão que estão a seguir a emissão na Net, em canal fechado. Há muitas perguntas mas nós não podemos seleccioná-las todas. Eu ia sugerir ao Dr. Paulo Rangel que respondesse rapidamente a duas perguntas que temos à distância. Uma é do Luc Mombito, que esteve na Universidade de Verão há 2 anos e que ficou muito sensibilizado com a metáfora do Estado como Deus e diz o seguinte: tal como qualquer crente em relação ao seu Deus, também nós, cidadãos, sentimos e precisamos que o Estado intervenha, sempre que cai o cabo e a trindade. Parece ser uma tendência natural numa cidade organizada e diria até portuguesa. A pergunta é: não acha por isso que tanto o neo-intervencionismo como neo-liberalismo precisam de encontrar uma via, já não diria uma terceira, uma via comum? E a outra pergunta é do João Pereira de Almeida que esteve na Universidade de Verão no ano passado e que coloca a questão de se saber, dada sua afirmação federalista comparando-a com a elevada abstenção da população das restantes eleições europeias, se é possível falar numa identidade europeia do povo português, ou sequer, de uma legitimidade eleitoral do mesmo quando não existe condição de evolução económica e política europeia e nacional. Provavelmente com receio de que esta pergunta tenha um certo sabor eurocéptico, ele também se confirma europeísta, confessa-se europeísta, dizendo que uma atitude mais federalista em relação à União Europeia seria fulcral para credibilizar as decisões eleitorais. E a pergunta que lhe faz é se é possível de imaginar um esforço nessa direcção?
Dr.Paulo Castro Rangel
Muito bem. Portanto, quanto à primeira pergunta, eu sinceramente o que acho é o seguinte: acho que ao contrário do que se diz, mesmo esta crise financeira provou de alguma maneira a impotência dos estados, apesar de eles terem intervindo muito. Porque só uma intervenção concertada a nível global é que foi capaz de travar alguns dos efeitos policiosos da crise financeira. Isto é, nenhum estado sozinho estava em condições de resolver. E isto é algo que revela a própria impotência dos estados. Isto é, no fundo eles não têm capacidade para individualmente resolverem essa situação. Pronto, neste sentido, aquilo que eu diria, é que, naturalmente que, pode haver, eu acho que... Quer dizer, eu também não diria que tem que haver uma via comum entre o neo-intervencionismo e o neo-liberalismo, eu diria que, vamos continuar, alegremente a oscilar entre dias mais intervencionistas, dias mais liberais e as tais terceiras vias e portanto, porventura esses ajustamentos vão sendo feitos. Há uma coisa que é certa, é que é preciso perceber que a natureza da intervenção que agora ocorreu, não é a de um estado isolado, é de um estado em parceria com todos os outros. E isso faz com que a resposta não seja uma resposta como eram as respostas estatizantes anteriores. Portanto, é de uma identidade se quiserem supra estatal, porque é coordenada com os outros estados. Qualquer estado que respondesse sozinho não tinha capacidade para travar os efeitos da crise. Isto também é prova da própria debilidade dos estados. Eles já não são capazes de resolver de forma isolada os seus problemas e portanto este seria o ponto que eu queria aqui a este respeito trazer.
A segunda pergunta creio que era… Pois, era a pergunta do carácter federalista. Muito bem, quanto a essa pergunta e à questão dos portugueses terem ou não terem identidade europeia. Ora bem, eu devo dizer o seguinte, eu acho que Portugal, portanto, quer dizer quando nós definimos uma identidade portuguesa e portanto definimos no fundo aquilo que nós somos, aquilo que nos faz ser portugueses, nós basicamente temos que nos socorrer de quê? Do pensamento e da literatura, da arte, não é? Portanto, é o que nos séculos nos traz no pensamento. Eu acho que Portugal, de facto, em rigor, nunca teve um pensamento europeu. Portanto um dos grandes pensadores, do ponto de vista, a trazer a Europa para o centro das nossas preocupações identitárias foi, do meu ponto de vista, foi o Eduardo Lourenço, portanto que é um autor contemporâneo. Portanto, o nosso imaginário está todo construído, do meu ponto de vista, basicamente, no Padre António Vieira que é o mito do quinto império. E portanto na ideia de que, portanto é uma ideia, é uma lógica muito voltada para o império africano, brasileiro e portanto atlântico, que não portanto, um império europeu. Portanto acho que todo o nosso imaginário foi construído por esta ideia. Foi construído, depois é desmaterializado no Fernando Pessoa, portanto no Padre António Vieira ainda é um império físico, num certo sentido. No Fernando Pessoa é quando ele diz, portanto: “A minha pátria é a língua portuguesa”, o que ele está a dizer, está a desmaterializar o império. Isto é, ele já não é físico, é cultural, não é? No Padre António Vieira, não sei se têm noção disso. Eu acho que muita gente não conhece essa…, quando se fala de quinto império, não sabe bem o que era. Mas o quinto império, basicamente a ideia do Padre António Vieira é que os portugueses eram os judeus da nova era. Assim como os judeus foram um povo eleito por Deus, os portugueses tinham sido o povo eleito por Deus para fazerem, no fundo, a segunda vinda de Cristo. Portanto Deus viria uma segunda vez para pôr fim aos tempos e os portugueses seriam o povo eleito, estavam em diáspora como os judeus, não é? Portanto viriam estabelecer um império, que seria um império de Cristo, não é? em que o braço temporal, portanto o poder político, estava no rei português e o braço espiritual estaria no fundo, na igreja e depois em Jesus Cristo, finalmente. Portanto seria nós estaríamos encarregados de preparar a segunda vinda de Cristo. É este o mito do quinto império, não é? do império português. Portanto num povo eleito, um povo oceânico. Por isso é que há um Sebastianismo, o Sebastianismo português é esse, não é? É no fundo isso, é a espera de alguém que vem impor esse quinto império. Ora eu acho que isto só se perde definitivamente realmente, com pessoas como por exemplo, o Agostinho da Silva, que é um pensador extraordinário português e que ainda está muito ligado a toda esta ideia do quinto império e a uma identidade não europeia. Portanto eu estou de acordo que, no caso português, em particular, eu acho que os portugueses não têm muito. São europeus, como é evidente, porque faz parte da sua natureza geográfica e geopolítica, mas a sua identidade é muito não europeia. Só esta geração que é aquela que está aqui nas universidades de verão há alguns anos a esta parte é que é já claramente uma geração virada para o continente. Virada para aquilo que eu chamo o sexto império que é a Europa, não é? No qual os portugueses não triunfam mas, no qual os portugueses não têm o poder mas abdicam do poder. E abdicando ganham, porque é morrendo que se ressuscita, portanto, e é perdendo que se ganha. Portanto é essa a metáfora cristã verdadeira, portanto uma reinterpretação do Padre António Vieira, seria essa. Portanto eu acho que só agora esta geração é uma geração europeia. De facto a tradição portuguesa é uma tradição atlântica, é uma tradição quase de uma ilha, não é? Portanto que está no meio do Atlântico e que está voltada para fora e não para o continente. Mas Portugal, por exemplo, ao contrário da Espanha, que foi simultaneamente uma potência imperial mas foi uma potência continental, aliás foi ao mesmo tempo com Carlos V, com Filipe II, etc., foi simultaneamente uma grande potência europeia continental e uma grande potência imperial, Portugal nunca teve isso, não é? Foi sempre, é no seu imaginário, claramente, não, portanto eu diria, quase que pós europeu ou quase que pré europeu, não é? Mas enfim eu julgo que isso terminou porque também se deu esta coisa extraordinária. Tem que pensar que ao fim de 5 séculos Portugal voltou às fronteiras que tinha no século XIV, o que é uma coisa extraordinária. As fronteiras portuguesas são hoje as que eram no século XIV e durante 5 séculos não foram, eram outras. E portanto este regresso, no fundo, ao seu casulo, julgo que pode ter aqui este efeito de espontaneidade da entrada na comunidade europeia mas eu compreendo que em Portugal sob o ponto de vista do imaginário e daquilo que nós chamamos o pensamento identitário há já alguma dificuldade em comprar os laços ou os links com a Europa.
Pedro Rodrigues
Muito obrigado. Vamos passar agora às perguntas livres. Vamos tentar agrupar de 3 a 3 : Agora o Rui Cepeda, depois o Miguel Silva e o Carlos Moreira.
Rui Cepeda
Obrigado. Abordou a questão da consistência da formação dos políticos, questão essa que eu acho extremamente importante e pertinente num país em que temos um primeiro-ministro cuja preparação para o desempenho dessa função é no mínimo duvidosa. A minha questão é: até que ponto considera fundamental um indivíduo desenvolver uma carreira profissional sólida antes de se dedicar ao exercício de funções política relevantes.
Miguel Nunes Silva
Boa tarde. Como sócio da maior firma ibérica de advocacia, é claro que para si, aposto que nos negócios ibéricos é um investimento com futuro. A actual crise mundial, a crise em causa no nosso país e a crise profunda em Espanha são notórios. Na campanha para as eleições europeias criticou José Sócrates por querer mais Espanha e por gritar Espanha, Espanha, Espanha. Como vê as parcerias Luso espanholas quer públicas, quer privadas e com o que conta, peso e medida? Obrigado.
MODERADOR - Responde a estas duas ?
Dr.Paulo Castro Rangel
Não sei se havia uma terceira mas pronto. Bem, sobre a primeira e a segunda, mas está bem.
Sobre a primeira, quanto à primeira eu devo dizer o seguinte: eu penso, para mim o que é essencial é realmente a consistência da formação. Eu acho que há hoje, muitos políticos no activo, que só fazem pura política, política pura, que é a tal que até já não existe, num certo sentido e que já não faz sentido. Eu acho que é importante que a pessoa se dedique, ou ao ambiente, ou à agricultura, ou à economia ou às questões de negócios estrangeiros, enfim, às múltiplas questões. Pode até dedicar-se, naturalmente a duase três ou ter uma visão mais global mas que tenha realmente uma preparação para o estado. Isto é que é essencial. Eu acho que é muito positivo, sinceramente, é a minha experiência pessoal, que haja políticos que têm uma carreira profissional totalmente autónoma da política, acho que isso é muito positivo. Eu sempre defendi isto e sempre fiz isso e é assim que eu encaro a política. Aliás sempre fiz questão de exercer a minha profissão enquanto fui deputado. Claro que, bom para um cargo executivo, a questão é diferente, os cargos executivos devem exclusividade, mas enquanto fui deputado nunca deixei de exercer a minha profissão. E acho que deve ser exercido, acho que é positivo. Agora eu também não pertenço ao grupo daquelas pessoas que acham que é muito mau haver pessoas que se dediquem por inteiro e exclusivamente à política. Não acho isso mau. O que eu acho que é mau é que não aja uma formação sólida, que essas pessoas não se preparem, que é uma coisa diferente. Eu até acho que é muito positivo, é a minha experiência até parlamentar haver pessoas que têm um percurso profissional autónomo da política e haver pessoas que no fundo exerceram política a tempo inteiro sempre. Acho que a combinação destas duas experiências é positiva. Eu aprendi muito com as pessoas que estão mais tempo dedicadas, conhecem melhor os problemas, até de natureza política, conhecem melhor os aparelhos partidários, podem-nos dar concelhos, visão, têm uma sensibilidade para um conjunto de questões que as pessoas que dispersam por dois focos a sua atenção, não têm. Onde eu ponho o ponto não é se a pessoa tem ou não tem uma carreira autónoma. Claro que a carreira autónoma tem uma vantagem que é a independência que a pessoa tem do ponto de vista material e económico… a pessoa poder dizer a qualquer altura, não vou e tenho para onde ir e as outras pessoas podem não ter. Pronto. É a única vantagem ou a vantagem principal que eu encontro, mas acho que isso é importante. Mas eu não estou aqui, de maneira nenhuma, não tenho essa missão purista, o que eu acho que é fundamental é a própria consistência da pessoa. É que há muitos políticos que se dedicam por inteiro à sua actividade, que se dedicaram, por exemplo, aos assuntos da saúde, estudam aqueles assuntos, ou se dedicaram aos assuntos da administração interna, ou se dedicaram… e são profundos especialistas conhecedores daqueles assuntos, têm experiência, têm traquejo político, conhecem os aparelhos, conhecem as pessoas, têm um leitor perfeito, têm uma grande mais valia. Por isso eu não sou nesse sentido, não sou, digamos assim, essa ideia de que dum lado estão os bons da sociedade civil, do outro estão os maus que vêm do aparelho político ou que exercem a política a tempo inteiro. Eu, isso não concordo, e a minha experiência não diz isso. Aliás diz até que nos dois lados, há casos de pessoas que são exemplares e há casos de pessoas que não são, pronto, segundo o meu critério, pelo menos, de avaliação, portanto é isso que eu vejo. O que eu acho que é essencial é que as pessoas não sejam vazias. Não há dúvida que as pessoas que não têm uma experiência profissional muitas vezes se viciam apenas naquela vida política, mais partidária de pura luta de aparelho, portanto que aí pode haver mais esse risco. Mas eu conheço muitas pessoas que se dedicam a 100% à actividade política e que têm um conhecimento dos dossiers, têm uma preparação, têm uma competência. Têm uma dedicação que é exemplar. Quem dera a Portugal que muitos políticos fossem com eles. E portanto, eu sinceramente, não faço essa separação nesses termos. Acho positivo que os políticos tenham ambos e não façam exclusões ou excomunhões dum grupo e do outro. Muitas vezes, também dá isso, também há isso, não é? Acho que é bom, essa duas…Acho que é bom. Acho que essas duas experiências são positivas e que a vida política precisa dessas duas experiência. É a minha, digamos é o meu ‘aport’ pessoal, é a minha impressão depois de alguns anos da minha actividade política e nomeadamente depois da presidência do grupo parlamentar em que havia pessoas numa situação e pessoas noutra e eu via as vantagens e as desvantagens de ter, enfim, muitas vezes de coordenar essas pessoas e via que de facto não é por aí que a diferença se faz. Faz-se mesmo é pela tal consistência. Por isso é que eu disse: cada um cultive o seu jardim porque isso pode fazê-lo, seja em 100% na política, seja dividir a política com uma outra actividade profissional.
Pedro Rodrigues
Obrigado. Vai falar o Rui Bento, a Carla Marcelino e o Mega.
Dr.Paulo Castro Rangel
Não respondi à sua pergunta? Ah pois não, não respondi a esta pergunta. Qual era a sua pergunta? Não, não quero que repita, diga-me só. Há, sobre a Ibério, pronto, peço desculpa, ah, essa pergunta é de facto brevíssima, muito bem. Esqueci-me da Ibério.
Quanto à Ibério o que eu diria é o seguinte… Eu acho que nós, em Portugal, não se tem pensado nada, nada, nada nas relações com a Espanha como relações geopolítica. Não se tem pensado nada, por exemplo, por exemplo eu digo desde já aqui que por exemplo nunca se pensou muito bem sobre os efeitos do TGV sobre o ponto de vista geopolítico. E que muita gente julga que o TGV, por exemplo em Espanha que é uma construção económica. É errado. Em Espanha o TGV não é uma construção económica, em Espanha o TGV é uma construção política. Porque como a Espanha está sob sempre a ameaça da implosão, é uma ameaçada velada, é subtil, é implícita mas da implosão, em Catalunha, Países Baixos, Galizas, Astúrias, Andaluzias, países valencianos e por aí fora, como está sob essa ameaça, o TGV resolve-lhes muitos problemas porque encurta as distancias entre as cidades e por isso ajuda a fazer uma congregação. Se olharem bem para a rede TGV espanhola para a primeira rede, que é aquela que neste momento está em funcionamento que está quase a ficar completa ela é uma rede que passa sempre por Madrid que aliás Madrid é uma cidade artificial como sabem foi feita capital de raiz para estar no centro da península justamente para tentar congregar reinos como Aragão, Navarra, como Castela Leão e por aí fora que estavam, enfim, que tinham origens diferentes pronto, portanto, a ideia é claramente… O TGV em Espanha é um projecto politico, é isto que ninguém aqui diz isto e porventura quando nós estamos a fazer por exemplo a linha Lisboa - Madrid estamos a entrar no projecto politico de colocar Madrid no centro da Península Ibérica como centro fundamental. Aliás estamos a contrariar, curiosamente, aquele que é o nosso trajecto histórico, a nossa saída, a nossa primeira prioridade de saída do país, em termos geoestratégicos e militares, foi sempre feita sem passar por Madrid, foi feita sempre pelo eixo Aveiro - Salamanca, para ir directo a França, sem passar por Madrid, e portanto do ponto de vista pura e simplesmente geopolítico eu acho que há logo aqui um erro de concepção que vai contra a nossa história. Não estou com isto a dizer, depois não estou a fazer nenhuma avaliação do projecto, estou apenas a colocar mais uma dimensão que devia ter sido ponderada nesta questão. Portanto que é a questão de saber se nós… Depois, nós temos que perceber qual é o nosso projecto como projecto de país face a Espanha. Por exemplo, neste momento, nós temos um modelo centralista de desenvolvimento, aquele a que eu chamo o modelo “João Cravinho”. É o modelo que, é o modelo classicamente que pensa que deve haver uma grande cidade que é Lisboa, em que devem viver, é o modelo Grego, 5 milhões de pessoas em Lisboa ou 6, ali à volta, como Atenas o resto do país desertificado. Eu não creio que isto seja positivo no contexto das relações peninsulares porque isto desertifica o espaço, eu acho, que era para nós muito melhor o modelo holandês, cidades medias, nem uma cidade cosmopolita como Amesterdão tem mais de 1 milhão de pessoas num pais que é do tamanho do Alentejo e que tem 16 de milhões de pessoas por isso podia ter uma metrópole à vontade com 3 ou 4 e não tem e não tem intencionalmente para ocupar o espaço todo, porquê? Porque tem ao seu lado um gigante que se chama Alemanha, que é 8 vezes maior sob o ponto de vista demográfico ou 5 ou 6 vezes maior, não é?, que fala uma língua muito parecida, os Holandeses percebem alemão mas os alemães não percebem os holandeses, que é o nosso caso nos percebemos os espanhóis e eles não nos percebem a nós também somos 4 vezes inferiores ou 4 vezes e meia e portanto nós devíamos ocupar o território, isto é a minha opinião, por isso, eu nunca teria um modelo unipolar porque senão nós vamos ter o quê? Vamos ter mais uma valências, vamos ter mais uma Barcelona no contesto das regiões espanholas, portanto esta seria – (3 minutos inaudíveis)
Ou seja, se o Estado continua a ser uma máquina demasiado pesada tendo em conta os recursos que temos e a necessidade da intervenção dos privados mito mais necessária agora. Obrigada.
André Fernandes
Boa tarde, André Mega Fernandes. Mencionou que os Estados estão cada vez mais esvaziados de poder, esse poder tem ido para estruturas como organizações empresariais multinacionais e que são, a maior parte delas são estruturas não democráticas como é que isso afecta a nossa democracia no dia a dia para as populações e se devemos encarar este progresso como natural, ou o que é que podemos fazer contra ele se é esse o caso. Obrigada.
Dr.Paulo Castro Rangel
Muito bem, ora bem, primeira pergunta eu tenho que fazer aqui um registo de interesses porque eu sou um católico progressista embora, mas católico e portanto tenho que fazer este registo de interesses. Ora eu devo dizer o seguinte, eu sinceramente, eu considero que a evolução que as generalidade dos estados europeus sofreu, embora nós só falemos de estados a partir do século XVI, XVII, como eu disse aqui, mas enfim a própria experiência política, as várias experiências políticas ocidentais, digamos assim, que têm essa raiz greco-romana e que têm essa influencia judaico-cristã, eu acho que ela decorre dos próprios pressupostos se quisermos assim judaico-cristãos, portanto é um aprofundamento, só é possível uma separação entre a igreja e o estado, só é possível uma separação entre os valores religiosos e os valores políticos e até entre os valores morais e os valores políticos, só é possível numa sociedade que seja norteada por princípios que sejam princípios de raiz essencialmente cristã, porque faz parte da doutrina dos cristãos, julgo eu, se não estou enganado, a César o que é de César, a Deus o que é de Deus, quer dizer faz parte da própria matriz cristã, a separação clara entre a esfera política e a esfera religiosa, e portanto, ou acho que quando, por exemplo, a revolução francesa faz uma clara separação entre a esfera religiosa e a esfera política, quando o faz, ela no fundo esta a prestar uma homenagem ao cristianismo, porque o cristianismo é isso, não é? Porque a grande, a grande luta de Jesus Cristo foi contra os poderes instituídos e contra os poderes religiosos que misturavam a religião com a política, portanto, julgo que nesse sentido, os estados ocidentais caminharam para um modelo que tem uma influencia da doutrina cristã absolutamente inegável, agora depois a questão é saber se depois, portanto isto sobre este ponto de vista julgo que não há grandes duvidas de que é realmente um produto da cultura cristã, nós também encontramos noutras sociedades dominadas por outras confissões religiosas esta capacidade entre a esfera publica e a esfera religiosa e portanto sobre esse ponto de vista acho que a questão no fundo a questão não se põe nesses termos. Agora depois a questão é saber se o estado acolhe ou não acolhe no seu contexto político algumas das opções valorativas que a religião cristã, os as religiões judaico-cristãs têm, a pá eu depois admito que enfim justamente porque há uma separação pode não acolher, pode não acolher. Mas por exemplo, vamos cá ver, para percebermos aqui, durante centenas de anos, até ao século XIX em muitos casos até ao século XX muitos regimes políticos que ate tinham as boas influências cristãs que estava a dizer, admitiam a escravatura e a pena de morte, a escravatura e a pena de morte são incompatíveis com o cristianismo, que é que está mais próximo do cristianismo? É um estado laico que não admite a pena de morte ou um estado que até não era laico e era confessional? mas admite a pena de morte. Quer dizer eu acho é que a questão não se pode colocar com este simplismo, portanto, não se pode e por isso eu sinceramente não vejo essa fuga da matriz cristã, não é, a matriz cristã é uma matriz de abertura, é uma matriz de tolerância é uma matriz de abertura ao outro, de compreensão pelo outro, pelo diferente, pelo samaritano, de acolhimento, não é, por isso nesse sentido eu acho que um estado laico é perfeitamente compatível com a existência de diferentes visões do mundo, portanto não acho que estejamos nesse, não tenho essa visão decadentista ou catastrofista da situação actual dos estados que têm matriz judaico-cristã devo dizer porem que há uma coisa que me preocupa em França e em Portugal que é as religiões não poderem ser banidas da esfera publica, isto é que me preocupa, isso eu já não estou de acordo, por exemplo em Portugal, e isto não tem sido dito em lado nenhum é vergonhosa a forma como o governo Sócrates baniu a assistência religiosa e espiritual dos hospitais, das prisões dos lares.
Eu, enquanto que nós vamos a países como a Inglaterra ou como a Alemanha e as religiões são chamadas pelo estado, a desempenharem uma tarefa activa, de voluntariado, de presença voluntária nestas dimensões, em Portugal elas são banidas em conjunto com uma ideia de que não pode haver região religião nos espaços públicos. Isto é um disparate completo. Portanto isto não faz sentido nenhum, porque eu acho que há aqui…agora os valores, notadamente se são os valores duma sociedade conflitual e que há várias multi-evidências e portanto não podemos ter um estado convencional nessa … eu penso que isso nós aceitamos que isso seria mau, não é? Pronto. Mas a partir do momento que nós não temos as pessoas são livres de votar e de escolher. As pessoas escolhem opções que podem ser aquelas que os cristãos ou os católicos acham que são as melhores, e têm de as respeitar. Têm que saber viver nesse ambiente mais relativizado. Agora há uma coisa que é certa e que acho que é fundamental. Há valores essenciais, por exemplo, a pena de morte, referiu aí que está muito preocupado com o aborto. É uma preocupação legítima. Também fui contra a lei do aborto, e sou, e continuo a ser e sou contra a eutanásia, por exemplo. Mas também me choca muito, que regimes que se reclamaram cristãos tanto tempo, mantivessem a escravatura ou mantivessem a pena de morte, sem problema nenhum, e toda a gente achasse isso normal e aceitável. Portanto, o que eu digo, é assim: nós não podemos julgar as épocas históricas, nem a nossa, sem alguma distância. Portanto isto seria a minha recomendação.
Segunda pergunta era a pergunta relativa à falência do estado social e … não há dúvida o seguinte: em Portugal há uma máquina pesada, eu vou ser agora mais lacónico para tentar cumprir o tempo, em Portugal, eu não tenho dúvidas nenhumas em afirmar o seguinte: a máquina burocrática do estado é pesada. Portanto, sobre o ponto de vista administrativo, toda a gente a sente. Até o Eng.º Sócrates nos acusa a nós de perigosos liberais e tal, visto que está sempre a fazer simplificações e ‘simplexes’, então é porque ele acha que a máquina é pesada, porque se ele achasse que era leve não estava a fazer simplificação nenhuma. Era mais estado, mais estado, mais estado, não é? Portanto os ‘simplexes’ com certeza são para aliviar estado, e portanto, não há dúvidas sobre isto. O que eu acho que em Portugal não tem sido mobilizado, é a iniciativa social, a iniciativa privada, o voluntariado. Isso não tem sido suficientemente valorizado, e tem que ser mais valorizado. Eu acho que os privados podem dar um grande contributo na educação, na saúde, etc. Isto não exclui o acesso universal à saúde e à educação. Apenas eles têm que ser contemplados na rede pública, portanto enquanto que numa rede pública que não tem que ser estatal, pode ser, é uma rede de acesso de pontos. Portanto podemos aumentar a liberdade de escolha. Portanto, eu tenho… Penso que na área social há um ponto imprescindível, que não tem sido muito falado. É um ponto imprescindível, que é o ponto da… Imprescindível. É um ponto de vista, que é o voluntariado. Não se fez nada a favor do voluntariado. Noutros países o voluntariado tem uma dimensão social importantíssima, tem um peso muito grande. Esta questão que eu falei há pouco da assistência nos hospitais e nas prisões, em particular, em particular nestes dois centros. Hoje tem o voluntariado um peso muito grande, e podiam ter as igrejas um peso enorme, das várias confissões, se é uma coisa muito positiva e é muito bem aceite pelos doentes e pelos presos. Só mesmo um racismo cego, é que pode levar a esta situação a que nós chegamos. Portanto, porque qualquer português, que nos…com quem se fale, não há nenhum que rejeite a assistência, a presença da assistência espiritual, porque ela não nenhuma forma de conversão à força de ninguém. Ninguém a vê assim. Toda a gente sabe o que é ter um familiar sozinho no hospital, durante dias e dias e uma pessoa ter que chegar ao fim da hora de visita e ter que o deixar lá sozinho. Portanto, ter uma ou duas pessoas que vão lá junto dele, e que falam e que têm uma palavra de abertura, sem com isso querer nada em troca, e a importância que isso tem. Portanto, eu acho que as dimensões do voluntariado, por um lado deviam ser muito valorizadas, isso é abertura à sociedade civil e por outro lado, nós também temos claramente, na área da saúde e na área da educação, do meu ponto de vista, e na área da solidariedade social também, um grande caminho para as instituições privadas, desde que elas sejam incluídas numa rede que não negue o acesso universal de todos, aos bens que estão disponíveis. Eles não têm que ser…. Há muitas coisas que os privados fazem melhor do que o estado, não há nenhuma razão para não dar aos privados, devidamente regulados e dentro desse tipo de acesso universal e de acesso franquiado a todos.
Depois temos a terceira questão, que é uma questão também, muito interessante, mas que eu, em parte, antecipei a resposta, mas foi foram do contexto, portanto pode… Eu vou agora tentartornar isso claro. É evidente que quando nós dizemos que o estado está nesta situação periclitante e de concorrência com novas forças de concorrência com novos poderes, esses poderes não são democráticos. O estado encontro dentro de si, formas de se democratizar ao longo do tempo. Começou por ser um estado absoluto, depois foi para um estado liberal, depois vieram enfim outra vez ditaduras totalitárias, os fascismos e os comunismos, mas também vieram as democracias parlamentares ocidentais que são no fundo, democracia. A partir do momento que nós damos poder politico ou reconhecemos que o têm na prática entidades que não têm esquemas aos quais a democracia se possa aplicar, a partir do momento que nós fazemos isso, é evidente que há aqui um défice democrático. Por isso, na minha intervenção inicial, disse: porque hoje o voto pesa menos, é preciso reforçar as liberdades. No fundo a democracia tem dois lados. Tem um lado chamado processual, que é o direito de voto e de escolha de preferência política, portanto em que todos votamos, e tem um lado material, que são as liberdades e os direitos de que nós somos titulares, a liberdade de consciência, a liberdade de expressão, a liberdade de religião, a liberdade de circulação, enfim as garantias criminais, as tais que aqui falamos a respeito dos arguidos, dos acusados, etc. Portanto essa esfera de direitos, eu acho que numa situação política de poliarquia em que estamos já com um estado frouxo, que tem que concorrer com outros poderes, que não tem mecanismos democráticos processuais, ou seja, neles não há voto, não há direito de voto, a sua influência é superior, no fundo, e eles nem seque votam e o cidadãos votando não conseguem conter esses poderes, só há uma forma de os proteger é garantir-se uma esfera de direitos que seja respeitada. Isto, aliás tem um pouco a ver com uma asserção que aqui o colega com a tua questão religiosa levantou no inicio quando disse que o estado era uma pessoa de bem, que nos habituamos a ver o estado como uma pessoa de bem. Eu devo dizer o seguinte, eu nunca vejo o estado como uma pessoa de bem. Eu, políticamente, penso sempre num estado como um potencial abusador dos direitos governados e garantias dos cidadãos. É assim que eu o vejo. Aliás confiante na prudência de um dos grandes teóricos da democracia e do liberalismo em particular, o John Loque, que dizia uma coisa, no segundo tratado do governo, tem uma expressão deliciosa, aliás, na tradução portuguesa deliciosa, que é uma tradução de João Oliveira Calvário de 1983, que diz assim:“os reinados dos bons príncipes, foram sempre mui perigosos, para a liberdade dos seus povos”. Eu vou repetir: “os reinados dos bons príncipes, foram sempre mui perigosos, para a liberdade dos seus povos”. Quer dizer, termos um bom governante, um bom príncipe, um bom rei, portanto que é bom, é a tal pessoa de bem, é muito perigoso para a moral dos cidadãos, porque a seguir a um rei bom, vem um mau e entretanto não se fizeram regras para prevenir que venha um mau, porque como ele era bom não era preciso haver regras e portanto as coisas disciplinaram-se como se ele governasse muito bem. E portanto, os reinados dos bons príncipes, dos príncipes que eram pessoas de bem, que respeitavam, que faziam boa obra e que para além disso respeitavam os direitos das pessoas foram sempre muito perigosos para a liberdade dos seus povos. Porquê? Porque baixavam a guarda e a seguir ao bom vem um mau. Portanto nós devemos construir regimes políticos contando com maus príncipes. Não é que eles existam, não é que eles venham mas mais vale contar com eles e portanto eu, sobre esse ponto de vista, diria eu, no actual estado de situação é preciso reforçar as garantias materiais da democracia, as presunções de inocência, as garantias criminais, as garantia fiscais, as garantias contra a devassa informática e tecnológica e os chips a rolar, por mais comodidade que eles nos tragam a encontrar o carro, caso ele seja roubado. Não é? Mas enfim. Também nos permite aplicar multas sem mais nem menos, e às tantas entra-nos rolando sem a gente ter cometido nada, não é? Mas enfim. Portanto, eu acho que nós devemos num caso de défice processual de democracia, que é aquilo que nós temos actualmente, em que o direito de voto tem menos impacto do que deveria ter, porque nós votamos em circunscrições que não vão tomar as decisões mais relevantes para as nossas vidas. É muito importante reforçar os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. E, reforça-los não apenas contra o estado mas contra os tais poderes tácticos, isto é, com eficácia contra todos os poderes incluindo esses poderes da sociedade civil que agora se afirmam e que criam esta nova, vá lá, esta nova composição política, a que eu aqui chamei, roubando as palavras ao Hegel, não é? Grande filósofo alemão de poliarquia. Portanto, enfim seriam estas as reflexões que tinha a partilhar.
Dep.Carlos Coelho
Muito bem, Dr. Paulo Rangel. Quero agradecer-lhe em nosso nome o facto de ter vindo à Universidade de Verão e de nos ter dado uma aula e de ter respondido às questões todas, quer aos participantes aqui, quer àqueles que estão à distância. Eu vou sair agora com o Dr. Paulo Rangel mais o Sr. Presidente da JSD de forma a acompanhá-lo à saída, como de costume e o Duarte Marques e os avaliadores prosseguem os mecanismos que estão previstos nas nossas regras. Até já. Ah! E não se esqueçam que os trabalhos de grupo começam às 5 e meia e o jantar com a Dra. Susana Toscano às 20H00. Até já.