ACTAS  
 
26/08/2009
Jantar-Conferência com Suzana Toscano
 
Dep.Carlos Coelho
Iniciamos os nossos Jantares Conferência com  momentos culturais assinados pelos Grupos da Universidade de Verão, consiste na escolha de um poema e na sua leitura acompanhados com acordes de viola e de guitarra.

O primeiro será o grupo castanho que escolheu o poema “Porque” da Sophia de Mello Breyner. Escolheram este poema porque consideram que ele plasma com frontalidade as principais faltas de carácter das pessoas e exorta o ouvinte a querer ser identificado com a pessoa a quem o poema se refere: aquele que é integro, que é ético e que é verdadeiro.

Depois teremos do Grupo Cinzento um poema de Fernando Pessoa bem conhecido “Nevoeiro” o Grupo Cinzento escolheu-o porque apesar de escrito há várias décadas encarna, da mais perfeita forma, ainda que para nosso infortúnio, o Portugal de hoje, um país que estando em crise parece eternamente adiado e sem solução. Todavia Também símbolo de um patriotismo que é sinónimo de vontade de renascer encontrando novos rumos, precisamente o propósito do PSD.

Pelo Grupo Castanho, quem virá ler será o Manuel Nina e do Grupo Cinzento, Vasco Freitas da Costa.

 
Manuel Nina

Porque os outros se mascaram mas tu não

Porque os outros usam a virtude

Para comprar o que não tem perdão.

Porque os outros têm medo mas tu não.

Porque os outros são os túmulos caiados

Onde germina calada a podridão.

Porque os outros se calam mas tu não.

 

Porque os outros se compram e se vendem

E os seus gestos dão sempre dividendo.

Porque os outros são hábeis mas tu não.

 

Porque os outros vão à sombra dos abrigos

E tu vais de mãos dadas com os perigos.

Porque os outros calculam mas tu não.

(Aplausos)

 
Vasco Freitas da Costa

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,

Define com perfil e ser

Este fulgor baço da terra

Que é Portugal a entristecer

Brilho sem luz e sem arder,

Como o que o fogo-fátuo encerra

 

Ninguém sabe que coisa quer.

Ninguém conhece que alma tem,

Nem o que é mal nem o que é bem.

(Que ânsia distante perto chora?)

Tudo é incerto e derradeiro

Tudo é disperso nada é inteiro

Ó Portugal, hoje és nevoeiro…

(Aplausos)

 
Joana Romão

“ Boa noite a todos, sou a Joana Romão e proponho este brinde em nome da equipa laranja. Hoje temos o prazer de ter na nossa companhia a Dr.ª Suzana Toscano. Encontramo-nos na presença de uma convidada de luxo, que em muito tem contribuído para enaltecer o nosso partido. Sempre considerada uma pessoa rigorosa e competente, temos o privilégio de ter uma das grandes especialistas na área da administração pública, para discutir connosco este tema. Convido-vos então a erguermos as nossas taças para brindarmos á nossa convidada.”

(Brinde e Aplausos)

 
Dep.Carlos Coelho

“Sr.ª Dr.ª Suzana Toscano, Sr. Presidente da JSD, Sr. Director Adjunto da Universidade de Verão, Sr.s Conselheiros e Avaliadores, minhas Senhoras e meus Senhores. Temos connosco como foi dito agora e bem pela Joana, a Dr.ª Suzana Toscano que eu tive o privilegio de conhecer quando nos encontrámos no Ministério da Educação quando era Ministra a Dr.ª Manuela Ferreira Leite, que mais tarde teve um papel determinante na administração pública em diversas funções de resonsabilidade ligadas à reflexão e à execução da reforma administrativa. Foi deputada da Assembleia da República e foi membro do governo, Secretária de Estado exactamente com essa responsabilidade, Secretária de Estado da Administração Pública. A Dr.ª Suzana Toscano tem como hobby a jardinagem, como comida preferida o Leitão da Bairrada desde que bem tostado. O animal preferido é o cão, a mascote mais votada pelos nossos convidados e participantes. O livro que sugere é “Uma história de amor e de trevas”. O filme que sugere é “ A Expiação” baseado na novela de Ian McEwan, e a principal qualidade que mais aprecia é a lealdade porque dela decorrem muitas outras.

Sr.ª  Dr.ª Suzana Toscano muito obrigado por ter aceite o nosso convite, eu tenho o privilégio de lhe fazer a primeira pergunta, a que se seguirão perguntas de todos os grupos. A senhora está aqui por mérito próprio, como a pessoa que tem reflexão e obra feita em Portugal sobre a matéria e das mulheres não apenas com mais experiência mas também mais inteligentes que eu tive a ocasião de encontrar na vida política, com passado e experiência nas matérias de reflexão sobre o Estado. Não é a primeira vez que discutimos o Estado na Universidade de Verão, discutimos ainda esta tarde numa abordagem um bocadinho mais teórica com o Dr. Paulo Rangel. Ontem no debate com o Dr. Marques Mendes em que se elencaram alguns dos problemas nacionais, o Estado esteve em cima da mesa. Gostaria no entanto de fazer uma pergunta para uma reflexão ligeiramente diferente. O ponto de partida é o mesmo, todos sabemos qual é. Os cidadãos queixam-se que o nosso Estado é uma estrutura pesada, asfixiante e que funciona mal. Cada vez mais no discurso político há quem considere que temos de passar de um paradigma do Estado prestador de serviços para um Estado regulador. Abrindo à iniciativa privada ou à iniciativa social cooperativa a prestação de serviços directos. E a pergunta que lhe faço Dr.ª Suzana Toscano é esta, aliás são duas. Primeira é possível reduzir o peso do Estado na economia nacional e na vida dos portugueses? E com a sua experiência confesse-nos lá, porque é que é tão difícil reformar a Administração Pública Portuguesa?

Para responder à minha pergunta e às vossas questões, connosco a Dr.ª Suzana Toscano.”

(Aplausos)

 
Dra.Suzana Toscano

“Muito boa noite a todos, à Universidade de Verão em geral, Carlos Coelho, que teve a amabilidade e a generosidade de me convidar para estar aqui hoje convosco, o que me deu um enorme prazer por muitos motivos. Primeiro por ser uma assembleia jovem, interessada e que gosta de política. Um conjunto enorme de jovens que pretendem, que acreditam que é possível estar na política e defender o interesse público e melhorar o nosso país, o que seria só por si suficiente motivo para aqui estar. Depois, confesso que não sabia que iam dizer estas generosíssimas e merecidas palavras, senão ainda seria mais um motivo para aqui estar a ouvi-las. Mas porque eu gosto imenso de falar sobre este tema, o Estado e da Administração Pública; mas gostaria também de vos dizer ainda antes de começar o nosso tema que não sei se ouviram ontem o Professor Dr. Adriano Moreira que dizia a propósito da política, que citava uma frase de Péricles, que agora eu cito pelo professor Adriano Moreira sobre isso, em que ele dizia que Péricles nos dizia que os cidadãos que não se interessavam pela causa pública, não mereciam ser atenienses, e eu penso que todos nós aqui percebemos o que é que isso quer dizer. É que nos assuntos públicos, nos assuntos do Estado, nos assuntos da Administração aquilo que é a nossa organização, o nosso modo de vida e as regras de convivência, dizem respeito a todos os atenienses. Quem julga que pode pôr-se fora da política, ou fora destes assuntos da política, a coisa pública, está pura e simplesmente a demitir-se de ser parte da sua própria vida. E é por isso, é neste sentido que eu considero que é irrecusável um convite como o que o Carlos Coelho teve a simpatia de me fazer que é dar-me a possibilidade não só de falar um pouco daquilo que eu pretensiosamente julgo que sei alguma coisa, mas é também partilhar convosco esta minha convicção de que vale a pena estar na coisa pública, tratar dos assuntos públicos, é uma matéria de que nenhum de nós pode legitimamente demitir-se. E não há melhor forma de sermos parte do que aprendermos um pouco sobre aquilo que estamos a falar. Eu queria também dizer-vos que não venho aqui, nem podia vir,com nenhuma solução mágica, não venho aqui dizer-vos como é que se reduz o Estado, como se aumenta o Estado, ou como é que se re… (Um minuto inaudível)

 

Não venho aqui para dizer mal da Administração pública, nem venho aqui para dizer mal da reforma, nem bem nem mal nem bem da reforma da Administração pública, mas gostava muito de vir aqui ajudar-vos um pouco a pensar neste tema do modo que me parece a mim mais fácil de abordar. Também gostaria de vos dizer, para vos assustar um pouco, que eu acho que não há nenhum especialista em Administração pública, ou nestas matérias. É uma matéria vastíssima e como estávamos aqui há pouco a falar, como em qualquer ramo do saber, quanto mais sabemos mais vemos o que é que nos falta saber. A Administração pública não pode ser aprendida sem livros, investigar um pouco de história, as doutrinas, as ideologias, as revoluções sociais, as economias, os costumes, as tradições, as mentalidades. Não estou a dizer que sei isto tudo, não sei. Mas o que eu sei, é que me falta saber, quando quero ir mais longe, quando quero ter a certeza do que estou a fazer ou do que estava a fazer. Eu noto que para ser verdadeiramente honesta, temos que ir um pouco mais longe, temos sempre que ir procurar mais. Portanto isso de chegar aqui e dizer a reforma faz-se assim ou assado, vocês desconfiem porque não é verdade. A reforma não se faz assim ou assado e também não se faz nem com preconceito, nem com clichés. Dizer-vos, como eu ouvi, várias vezes, ao longo da minha vida, “Porquê que você não vai a Singapura e não traz de lá a reforma da Administração pública? Aquilo é um sistema óptimo e funciona lindamente…” E uma pessoa que diz isso não está de facto na disposição de perceber em que matéria é que vai trabalhar. E portanto é evidente que devemos saber o que é que Singapura fez e o que é que fez Inglaterra ou França, sobretudo os países europeus com quem nos comparamos e com quem temos que nos emparceirar e ao nosso passo, e com quem concorremos e competimos. Mas é evidente que uma coisa é ter o conhecimento do que os outros fizeram, outra é sabermos adaptá-lo à nossa identidade, à nossa realidade, e sabermos também o que é que podemos pedir e em que tempos. Porque uma reforma não é feita no papel e uma reforma leva muito tempo a sedimentar-se, a ganhar raízes para que mude uma cultura. É evidente que por algum lado se tem que começar, e é bom que se comece e que se faça, e é bom que se tente, mas também é bom que nós tenhamos a humildade de ver que quando se mexe num universo desta natureza é preciso acompanhar com humildade e com inteligência os efeitos dessas dúvidas que podem ser óptimas teoricamente, mas que podem não funcionar em determinado território cultural. Porque na Administração pública há também muitas culturas diferentes. A administração pública tem muitas administrações públicas, tal e qual como numa empresa há muitas coisas que não são diferentes, que são iguais. O que é diferente é o discurso que nós temos em relação a uns e a outros. E é sobre isto que eu vos gostaria muito de falar hoje não vos maçando e esperando ter perguntas dificílimas no fim que era bom sinal. Portanto vamos então trabalhar.

Em primeiro lugar gostaria de vos chamar a atenção para um facto muito simples e é aparentemente óbvio. Já ouviram com certeza muitas vezes o comentário, que a nossa Administração Pública que caiu no imobilismo, que isto nunca mudou estamos sempre na mesma. Eu gostaria de vos chamar a atenção para a evolução que o nosso país teve pelo menos nos últimos 30 anos, vá nenhum de nós conhece, nenhum de nós viveu antes, não é verdade? Portanto os últimos 30 anos.

Eu gostaria de vos chamar a atenção para que há 40 anos, nós tínhamos um Estado pequeno do ponto de vista do peso, mas também do ponto de vista das prestações sociais e das defesas de interesse público, da justiça social, da capacidade de inclusão. E eu gostaria de dar…, quem ofereceu, quem prestou esses serviços, que foi o primeiro a fornecer esses serviços e porquê que a Administração Pública cresceu, e cresceu bem, embora possa ter sido demais, mas era inevitável que crescesse. Vemos vários choques demográficos, tivemos o regresso de África, tivemos a vinda das pessoas das aldeias abandonando a agricultura passando para uma economia de prestação de serviços, tivemos agora recentemente o movimento de imigração. E vocês têm todos que pensar que quem teve de se adaptar, que teve que dar resposta, quem esteve na primeira linha da integração, dos apoios, do número de escolas que cresceram, do número de hospitais… Reparem que há 40 anos, havia meia dúzia de hospitais no país inteiro; hoje o que nós assistimos é pessoas revoltadas porque fecharam o Centro de Saúde daquela freguesia. É bom que nós pensemos nisto. Eu digo-vos isto com muita alma e tenho tido esta discussão várias vezes, porque de certa forma foi a minha geração que fez isso e portanto, há aqui um lado egoistazinho. Eu vejo com muito maus olhos que pessoas e sobretudo jovens digam com o maior desprezo que o Estado pesa muito, que o Estado não se dá, que o Estado não faz nada, porque hoje têm garantidos um conjunto de interesses de carácter geral e de qualidade de vida que foi o Estado que teve de o providenciar e portanto se nós hoje estamos a discutir se o Estado pode ou não pode recuar, estamos como diz a minha mãe a chorar a uma mesa farta. Ou seja já temos garantidas as bases do nosso apoio. Quando foi a regressão europeia o Estado teve de se adaptar, tivemos que criar serviços e nós somos testemunhas disso. Quando foi preciso constituir serviços, preparar técnicos, admitir técnicos. No Ministério do Ambiente há 30 anos falava-se em saneamento básico, hoje falamos em qualidade do ambiente e até falamos em alterações climáticas, portanto é preciso ver que a Administração pública foi quem ocupou este terreno, foi o Estado que em primeiro lugar ocupou este terreno e garantiu a prestação destes serviços. E portanto, isto é muito importante para que nós situemos a nossa cabeça, para vermos não só o que falta fazer, mas também para vermos aquilo que podemos deixar de fazer. E essa é evidentemente uma discussão absolutamente indispensável. Mas se partirmos do pressuposto que estamos a falar do Estado de há 40 anos já está tudo mal, já estamos digamos a deitar fora a criança com a água do banho. Porque na verdade o Estado teve que responder a uma evolução enorme que felizmente o nosso país conheceu também resultante de um maior enriquecimento, de um maior desenvolvimento económico e de uma muito maior exigência da qualidade de vida dos cidadãos e portanto… Eu oiço muitas vezes compararem vê-se até nos gráficos… vejam lá quanto é que gastávamos há 30 anos e quanto é que se gasta hoje. Qual é o peso do Estado, do orçamento do Estado, vejam lá! E eu acho que é fantástico que digam subiu 10, 20, 30 vezes, mas nós quando olhamos para uma empresa e vemos qual é o volume de negócios, se cresceu ou não cresceu; temos que ver o volume de negócios para ver o número de funcionários que eles têm. Portanto nós temos…se queremos que o Estado ande a par das empresas em muitas coisas, e deve ter desde modelos de gestão, em formas de equacionar, em avaliação de resultados, não tenho dúvida nenhuma que tenham…. Temos que olhar para o Estado também como alguém que produz, que cria valor. Como se mede essa criação de valor é que temos de perguntar aos economistas, mas eu acho que para variar que podíamos começar também a falar dessa maneira a propósito do Estado pela simples razão que temos de valorizar o bem público, aquilo que é público para podermos exigir mais, e para podermos reorganizar da forma mais eficiente e mais económica e mais razoável que seja possível. E portanto pondo de parte estes preconceitos que eu falei aqui muito sumariamente, gostaria também de vos dizer que é evidente que a Administração Pública tem que se reformar, tem que mudar. E tem que mudar porque tudo á nossa volta mudou. Tem que mudar como sempre mudou também, como disse atrás, ao longo dos tempos, tem que mudar por motivos internos e por motivos externos.  Por motivos internos porque a própria dinâmica das empresas, a própria revolução tecnológica, evidentemente que é incompatível com um Estado que continue com métodos de trabalho antiquados, em muitos pontos hoje temos exemplos de excelentes serviços públicos na administração pública. Eu tenho o prazer de pertencer a uma equipa que distribui os prémios das melhores práticas e sei bem o trabalho notável que se faz quer nas autarquias, quer na administração central e que não tem a visibilidade do mau trabalho que também se faz e que é uma pena, mas evidentemente também por motivos externos. Este é um outro ponto que gostaria de focar. Em relação aos motivos externos que é no sentido de independentemente da nossa vontade política vamos admitir que vivíamos todos muito confortáveis com o Estado que temos, com o modo como se trabalha, e que nós éramos umas pessoas óptimas e que achávamos que estava tudo muito bem. Não é possível não mudarmos porque nós hoje somos comparáveis, hoje todas as estatísticas são europeias, fazem rankings de tudo e mais alguma coisa, onde Portugal aparece. E se são estatísticas de educação, nós estamos mal, somos considerados maus, por exemplo para a mobilidade dos jovens, para a empregabilidade dos jovens em qualquer parte da Europa. Não nos interessa, temos que ser melhores, temos que ganhar o nosso lugar. A saúde, se tivermos maus serviços de saúde, não vêm os turistas, não vêm as empresas estrangeiras. Quem é que manda os seus empregados vir viver para um país onde os serviços de saúde não funcionam bem? Não podemos ficar mal nessa fotografia.

Mas em muitos outros sectores, em muitos outros sectores. A segurança, por exemplo, se há roubos se não há roubos, se há assaltos se não há assaltos, é um factor de tracção, por exemplo de investimento estrangeiro. Como é que se vive em Portugal … o sistema fiscal, o funcionamento da justiça também, mas muitos outros factores, basta vocês se darem ao trabalho de abrir a vossa Internet e procurarem rankings de tudo e mais alguma coisa e verem a importância e a comparabilidade. Como é que funciona a sSegurança Social? Quais são os níveis de pobreza? Como é que é o ordenamento do território?

Todos estes aspectos são, não só sindicados mas comparados. Ora nós ainda que quiséssemos e fossemos muito imobilistas e não estivéssemos para nos maçar a arranjar problemas com reformas da Administração Pública, tínhamos que acertar o passo pelos outros e acertar o passo pelos outros é fazer tanto quanto possível aquilo que os outros fizeram para progredir, tendo evidentemente em conta aquilo que eu comecei por vos dizer que é a cultura a raiz da nossa administração pública, da nossa organização, do nosso direito que como sabem não é anglo-saxónico. E portanto tendo em conta a base, a matéria que vamos trabalhar temos evidentemente que progredir e muito apesar de como eu digo achar que estamos longe de ser imobilistas embora possivelmente gastemos mais dinheiro do que seria necessário. Mas que o Estado se tem adaptado muito, e muitas vezes mais depressa que as empresas, não tenham dúvida nenhuma.

Também gostaria de vos dizer e se calhar estou a falar demais sobre essa matéria, que é um aspecto curioso que reparei no outro dia por acaso quando se estava a falar no número de licenciados e o progresso extraordinário que o nosso país teve em matéria de educação, de acesso à educação, lá está a comparação com as taxas de analfabetismo que havia há uns anos. Ainda hoje aparecemos num ranking baixo precisamente porque é um problema geracional, mas se olharmos já para os nossos jovens nós somos praticamente um caso único de capacidade de recuperação. Praticamente saltamos de uma geração pouco menos que analfabeta para uma geração de acesso em massa à Universidade. Como? Fazendo universidades públicas, alargando o número de escolas, ofertas, contratando milhares de professores para que de repente se pudesse dar resposta a esta necessidade.

E no entanto quem é que emprega dominantemente os licenciados? Foi o Estado, foi o ensino, foi a saúde, foram os serviços públicos porque precisavam de técnicos qualificados para dar resposta. Durante quase uma geração, onde os técnicos encontravam emprego era no Estado, embora também houvesse realmente muitos serviços nacionalizados, é verdade. Mas onde há um grande domínio de licenciados é na Administração Pública. Neste ponto a Administração Pública contratou antes de qualquer outro sector o número de licenciados que as nossas universidades foi produzindo. Eu lembro-me que há 30 anos (quando comecei a trabalhar) metade dos assistentes dos técnicos estavam a fazer doutoramento na América. E portanto também nessa parte na formação do exterior fomos obrigados a dar uso, e depois de gabar o Estado desta maneira toda, devem estar admirados. Não é tudo bom, mas não podemos é pensar que é tudo mau. É tão errado uma coisa como outra.

Queria dizer-vos que quando se fala da Administração Pública, a confusão é bastante grande, porque misturamos tudo. Ou falamos das funções do Estado, ainda agora falava aqui com o vosso colega que o Estado tem que ser reduzido. Reduzido em quê, nas funções? Nos serviços? No número de pessoas? Reduzir funções do Estado ou alargar funções do Estado é uma discussão que não é técnica, é uma discussão em primeiro lugar ideológica. E quem disser que isto, que há consensos sobre esta matéria ou não sabe do que está a falar ou não percebe quais são as consequências do que diz. Porque é muito diferente queremos um Estado que convive com uma economia privada, com a livre iniciativa, com o respeito pela individualidade e pela liberdade individual ou querermos um Estado protector que acha que vai tomar conta de tudo, que deve ser dono dos principais meios de produção. E em que a liberdade, portanto um Estado dominantemente, eu não queria dizer colectivista, mas em que o conjunto prevalece sobre o individual ou um Estado em que o indivíduo, o interesse pelo indivíduo é respeitado desde que não colida com o interesse colectivo. E isto faz toda a diferença, e portanto, quando falamos em funções do Estado, estamos a fazer antes de mais e agora as eleições e ainda hoje se lê no jornal hão-de ver que há exactamente esta polémica…O que é o Estado mínimo? O que é o Estado social? Até que ponto é que queremos um Estado social e até que ponto é que aguentamos um Estado social ou um Estado mínimo?

 Isto não é uma discussão técnica embora os técnicos tenham sempre que ajudar com as suas contas, com os seus impactos orçamentais, com os reflexos sociais, tudo isso evidentemente é muito importante. Mas tem a ver com o modelo de Estado, com o modelo de organização, que poderes é que nós reconhecemos aos políticos para desenharem… que poderes é que reconhecemos ao poder político para interferir na nossa vida e organizar o nosso Estado?

Outra coisa completamente diferente é falarmos do Estado do ponto de vista gestionário, que tem a ver com o modelo de funcionamento, com as regras de funcionamento com a quantidade enorme de regimes, jurídicos, financeiros, patrimoniais com que o Estado tem de conviver. E portanto, se vocês repararem, basta ligarem a televisão e ouvirem um debate sobre, sei lá, sobre a extinção das espécies raras no mundo e verão que acaba com uma discussão sobre o Estado. Todas as discussões acabam com um debate sobre se o Estado é grande ou é pequeno, se teve responsabilidade se não teve responsabilidade, se devia ter actuado se não devia ter actuado, se custa mais ou se custa menos… Portanto, experimentem fazer este exercício e verão quantas vezes é que falha. Mas acontece que nessa discussão, isto vem sempre bastante confuso, ou se está a discutir o tamanho do Estado máquina, portanto a Administração Pública que suporta um poder político e portanto garante o exercício da acção, ou um Estado enquanto organização modelo político de intervenção.

Estes vários modelos e o modo como o Estado se modificou e estes vários conceitos que foram evoluindo é muito visível com uma breve passagem histórica, que agora vou saltar porque vocês senão fartam-se, mas é muito fácil se olharem historicamente pelo menos os dois últimos séculos e vêem como houve o mercantilismo, o capitalismo, a industrialização, depois o crash da bolsa. E como é que de repente se acordou para o Estado providência, o Welfare State, é preciso que o Estado não seja um Estado mínimo, não se limite aos poderes de soberania. É preciso que o Estado tenha uma função social. Isto aconteceu em todo o Ocidente, na América, como sabem, há neste momento uma discussão enorme à volta do programa de saúde do Obama. E o que é que se está a discutir? Exactamente as funções do Estado. Não se está a discutir se são quatro hospitais ou dez hospitais ou se são vinte milhões… O que se está a discutir é as funções do Estado e as consequências do alargamento dessas funções do Estado, à área da Saúde e qual é a responsabilidade social nessa matéria.

Se repararem, é permanentemente este tipo de discussões, que levam, por exemplo, ao alargamento da escolaridade obrigatória e podemos conduzir essa discussão não só ao tema da educação mas à questão das funções do Estado. Cabe ao Estado assegurar que as pessoas, para além de determinado limite, continuem a ter aulas no sector público, garantido pelo Estado? E nós dizemos todos “Sim”, e quando dizemos sim estamos a aceitar que aquela função é do Estado, e portanto que o Estado se vai manter naquela área. O que não implica que não possa evidentemente haver também ensino privado, mas quem garante aquela função, aquele interesse, quem garante a satisfação daquele interesse público, quando dizemos “Sim, queremos!”, estamos a dizer que achamos que o Estado deve de assegurar aquela função de interesse público. Hoje se ligarem a radiotelefonia, nós ouvimos isto permanentemente e é muito interessante identificarmos, nós normalmente ficamos pela rama do problema. Ouvi a Associação dos consumidores, o Instituto dos consumidores, da defesa dos consumidores, (acho que era, não tenho a certeza), a dizer que os consumidores reclamam do preço do gás, do preço da electricidade e que não há direito que aquilo trata-se de bens essenciais.

O que é que as pessoas querem dizer com isto? Não é só que são pobrezinhas e que não podem pagar a factura. O que elas querem dizer, e aquilo que o nosso ouvido, nós atentos às funções do Estado, temos que captar é: “Espera, há aqui um sector que é do interesse geral, que é o quê? A energia, a electricidade e o gás.” Será que o Estado tem ou não tem que apoiar o custo, por exemplo, destes bens? Será que está garantido o acesso de todas as pessoas a estes bens? Será que podemos admitir que um reformado que tem 200 euros viva sem luz e sem água quente? Portanto, e quando estamos a pôr as questões desta forma tão prática, nós estamos a discutir as soluções do Estado porque o que nós não podemos dizer é: “É impensável que haja pessoas carenciadas que não têm acesso ao gás e á electricidade” e são empresas privadas e é a concorrência. E a seguir achamos que é o Estado que não está a cumprir com a sua função de garante, de providenciador daquilo que nós definimos como um interesse púbico. E este exercício, conseguem fazê-lo em múltiplos sectores. E é a forma como se deve pensar nas coisas, evidentemente que não é isolada porque depois temos a questão financeira, que é “Até que ponto é que um país pobre que produz pouca riqueza consegue suportar um Estado de Providência que tenha a dimensão que todos gostaríamos de ter?”, ou seja o Estado asseguraria tudo e nós teríamos a liberdade de escolher também tudo a cada momento. Essa é outra discussão que se pode pôr, a propósito precisamente da função do Estado. Sobre as funções que hoje o Estado tem. É bom que se saiba que há um peso, creio que é de cerca de 60% do O.E em funções sociais, saúde, educação, assistência social. E portanto quando se diz vamos reduzir o Estado aí para metade é bom que as pessoas pensem de que funções sociais estamos dispostos a prescindir? De que funções sociais é possível prescindirmos garantindo a justiça e a igualdade de oportunidades?

Isso depois leva-nos á segunda questão, resumindo aqui um pouco esta conversa toda, que é a questão que o Carlos Coelho  me perguntou, a questão do Estado garante, do Estado regulador da redução do peso do Estado. Evidentemente que quando o Estado…quando um social-democrata considera e defende que o Estado protector, o Estado social tem que coexistir com a economia e a liberdade privada, estamos completamente de acordo ao menos nesta assembleia, creio eu, ainda assim não estamos a dizer uma coisa completa porque vamos ter que definir os graus. E se olharem para os vários países da Europa, têm graus muito diferenciados. Seja a Islândia que é um dos países que tem o maior nível de apoios sociais, o respectivo índice de desenvolvimento humano, que é muito interessante vermos hoje, lá estamos nas comparabilidades que estes apoio sociais… não é por sermos bonzinhos, não é por sermos generosos, nem criaturas cheias de caridade, não é… é porque a garantia de determinado interesse público, e o acesso de todas as pessoas a determinados bens considerados essenciais para a qualidade de vida das pessoas, reflecte-se nos índices de desenvolvimento dos países. Da mesma maneira que quando apostamos na educação e consideramos hoje que a educação é o cernedo desenvolvimento do país e do futuro de todos, não é por acaso, só porque faça falta ás pessoas andar na escola vinte anos. É porque uma educação acessível a todos é uma condição de igualdades de oportunidades. E se as pessoas não têm igualdades de oportunidades não têm liberdade, e se não têm liberdade não podem escolher. E portanto, as coisas não são distintas, nós não podemos definir agarrar num lápis e num papel e dizer “agora comigo o Estado vai ser só 30%. – Ai, eu acho que é 50!”. Não o que nós temos de perguntar é “Qual é o papel do Estado… por exemplo, em Portugal… Porque se a pergunta for feita na Holanda, na Suécia ou na Alemanha, a resposta será necessariamente diferente. É perguntar até que ponto o nosso Estado é o único, é o único, capaz de providenciar determinados serviços? Até que ponto somos capazes de abrir espaços para que empresas privadas forneçam os mesmos serviços, com as mesmas garantias, com a mesma acessibilidade, que o mesmo é dizer com os mesmos valores do serviço público?

E portanto as coisas não são estanques, nem fáceis como o Carlos estava a dizer que eram. Não, não são. E que valores de serviço público são estes? Os valores que medem…que o interesse geral tem quando nós fornecemos um serviço de interesse geral, como é que ele tem de ser garantido? E é isso que se pede a qualquer serviço público que esteja aberto, que se não funcionar assim então tem que corrigir seriamente a sua actividade. Como há hoje exemplos que já ouviram falar certamente neste curso de sectores da Administração Pública que as pessoas consideram que não prestam, um serviço de interesse insuficiente.

Que valores é que eu sugiro que vocês tomem como referência para avaliar? O valor da solidariedade nacional, ou seja um serviço de interesse geral tem que estar garantido a todos e acessível a todos. É a garantia e a acessibilidade. Eu não posso ser impedida de ter acesso a um serviço de interesse geral, a saúde, por exemplo. O problema da acessibilidade da saúde é um problema do domínio público, faz parte de tal coisa pública porque tem a ver com a qualidade mínima de vida e com a igualdade de oportunidades das pessoas. Portanto, o valor da solidariedade, o valor da continuidade; um serviço considerado de interesse público não pode ser fornecido de vez em quando, não pode ser fornecido no sul e depois no norte não há…Aliás essa discussão pôs-se, por exemplo… e vai-se pôr certamente em muitos outros campos. Por exemplo, com a água, a distribuição da água. É intolerável, ainda há pouco, há 4 anos houve uma freguesia que fez greve porque não tinha água canalizada. E é legítimo que o façam e é legítimo que o peçam aos poderes públicos, porque se considera que a água é um bem essencial. Além que há uma discussão grande também sobre se se deve ou não privatizar o fornecimento dos serviços de água.

Não é uma discussão teórica é uma discussão que radica estes valores que eu vos estou a dizer, que se prende depois com o Estado regulador…

O outro valor, portanto, da continuidade que é a coerência da acção e a coesão nacional. É o outro valor que o Estado tem que garantir, que é a coesão nacional. A estabilidade que é fornecida sempre com previsibilidade de garantia. O Estado não pode fornecer serviços sem que as pessoas saibam se vão ou não continuar a ter acesso a esses serviços. O caso típico do encerramento dos Centros de Saúde, ou do encerramento de Escolas, as pessoas ficam duvidosas se vão ou não continuar a ter acesso a esses serviços, mesmo que venham a tê-lo. Mas, o receio que têm, é um receio que se funda nisto, na necessidade de lhes ser garantida a estabilidade num serviço que consideram essencial.

E evidentemente a neutralidade, ou seja, um interesse público tem que ser fornecido independentemente das características, das condições económicas, sociais e portanto, quando o Estado actua deve actuar com a máxima isenção e a máxima neutralidade.

O que é que acontece, e para responder ao resto da sua pergunta… ficávamos aqui muito tempo e isto são só apontamentos. O que é que acontece quando falamos do Estado regulador? Eu fico muito de pé atrás com mais este cliché do Estado Regulador… Hoje é praticamente impossível ler uma notícia sobre Administração Pública que não se venha dizer Estado Regulador. Vê-se um diploma legal é o Estado regulador, cria-se um organismo é regulador. E eu acho que estamos a ser muito insensatos ou então estamos a diluir totalmente o sentido útil da palavra regulador. Regulador, qualquer dia não quer dizer coisa nenhuma.

A regulação surgiu nos Estados Unidos da América, quando o Estado não providencia directamente serviços de interesse geral, mas garante a concorrência porque garante a liberdade de escolha, lá está… está sempre ligado. Mas o Estado impõe regras que garantam a isenção, a acessibilidade e portanto, não vai fazer, mas vai garantir que é feito de determinada maneira, de acordo com determinadas regras e vai fiscalizar os resultados. Isto são os organismos de regulação. Regulação que pode ser independente, o que também daria aqui um tema muito interessante. Independência não é uma palavra vã, embora muitas vezes pareça, mas deve ser usada com prudência senão perde o seu sentido e sobretudo a sua respeitabilidade, e é grave quando há determinadas palavras que perdem a respeitabilidade. E viu-se agora, por exemplo, na crise Internacional. O clamor que se levantou não só cá em Portugal, mas na América sobretudo precisamente porque é um Estado que tem uma enorme tradição de Regulação. E de regulação verdadeira, ou seja, eles estavam habituados a confiar nos reguladores e estavam habituados a que os reguladores fossem independentes do poder político. E portanto foi um choque cultural diria eu verificarem que os reguladores não estavam atentos, não tinham defendido os interesses das pessoas. E é gravíssimo quando o Estado delega em privados o fornecimento de serviços públicos de interesse geral e depois não tem força, nem capacidade, nem condições para exercer uma regulação eficaz.

E este tema, vai ser o tema, ….Acho que hoje a discussão da modernidade é” reguladora ou não reguladora” e eu acho que não se pensou no assunto como deve ser. Mesmo e sobretudo em Portugal. Há reguladores que resultam já do contexto europeu, basicamente o regulador da concorrência, o da energia também, portanto estamos em linha com a Europa nessa matéria. Nem todos os países têm reguladores independentes. A Alemanha, por exemplo, considera que a regulação é um dever do Estado, do Estado hierárquico e não de um regulador independente supostamente isento da contaminação do poder político, e digo supostamente porque isso não se decreta, é uma prática. E portanto todos estes temas que vêm a propósito da regulação são a meu ver da maior importância e acho que devem analisar esta expressão que se ouve muito dos reguladores.

Reparem que hoje perante a crise, e a crise também de confiança nos reguladores o que se perde é mais o Estado social, ou seja, chega-se à conclusão que os Estados não foram capazes, não tiveram força ou não tiveram capacidade política de contrariar o exercício abusivo do poder por parte de grandes grupos económicos. E isto não é,  nenhuma anormalidade, isto é um perigo real do facto do Estado se retirar de sectores de interesse geral e depois não medir as suas forças sobre se é ou não capaz de prestar o outro serviço, que é o serviço da garantia, da isenção, da transparência, da livre concorrência e portanto da liberdade de escolha. O que é que acontece quando a regulação funciona mal? Acontece que evidentemente, os grupos económicos ocupam o espaço que lhes é dado a ocupar e acontece como aconteceu já com alguns exemplos. Por exemplo, os transportes públicos que falham ou nos preços de bens e de interesse geral que afinal não são assim tão isentos. E portanto há muitos exemplos, não só em Portugal em que a regulação é incipiente, mas sobretudo na América nós agora temos visto inúmeros exemplos. Basta lerem o jornal e se vocês lerem as notícias nesta lógica do que é que é o poder do Estado, o que é que o Estado está a fornecer e quem é que está a fornecer em vez do Estado, e podem avaliar com muito mais sensibilidade qual é a dificuldade política de se decidir se o Estado deve ou não deve retirar-se de determinado sector de interesse geral. Porque evidentemente não sendo nós defensores de um Estado dominador de todas as áreas, dávamos como certo dos serviços que não são de interesse geral, evidentemente a economia privada e a livre iniciativa podem tratar. O que acontece é que cada vez mais com o grau de exigência e de qualidade de vida das pessoas, e ainda bem, cada vez mais estamos a acrescentar aquilo que são serviços de interesse geral. Reparem, por exemplo, o caso da violência doméstica. Quando é que o Estado há 15 anos ou 20 se lembrava de considerar que tinha que ter um serviço público, a defender, a olhar e legislar sobre o que é que as pessoas devem ou não, podem ou não podem, e quais os limites da violência doméstica. Mas há muitos outros casos em que nós hoje já consideramos que se não tivermos a quem recorrer é culpa do Estado que não providenciou, porque a nossa própria exigência em relação ao Estado aumentou e muito. Portanto o que nós agora temos de saber é, o que é que já não é preciso, o que é que já está garantido e o que é que já pode ser garantido por via de uma iniciativa privada e em que é que o Estado, sobretudo em Portugal em que há ainda uma fragilidade de iniciativa social e em que há uma óbvia debilidade económica que indica que há muita gente que precisa de apoios para poder ter essa livre escolha…até que ponto é que nós com segurança podemos alterar a nossa geometria da dimensão das funções do Estado. Outra coisa que já não vos vou falar mas que vos deixo aqui apontado é o modo como o Estado funciona e é sobre isso que normalmente a reforma da Administração Pública vem falar. É como é que o Estado  seja com muitas funções seja com poucas  está organizado para exercer essas funções. E o que verificamos é que muitas vezes está mal organizado, tem lideranças fracas, vive em total instabilidade, não conhece os seus objectivos, não tem uma avaliação séria e muitas vezes as pessoas não reconhecem a utilidade desses serviços. E é muito grave quando um serviço público que é útil e que tem uma função social não vê reconhecida a sua equidade. E é muito grave porquê? E com isto termino… Porque a solução fácil é dizer: “Se o Estado presta mal, privatiza-se” Ora nós devemos privatizar e devemos reduzir as funções do Estado não por excepção, não por desistência, mas por considerarmos que o serviço pode e deve ser prestado com mais eficácia pelo sector privado. Portanto, se fazemos isto por desistência dos serviços públicos estamos provavelmente a cometer um grande erro, ou só não cometemos por azar ou por sorte. Portanto eu considero essencial que os serviços públicos se modernizem, que tenham meios e condições de trabalho, que tenham formação de pessoas, que tenham boas lideranças e que á gestão pública sejam aplicados muitos dos princípios que dão bom resultado na gestão privada. Não vejo porque não, não vejo em quê que haja incompatibilidades. Agora isso para quê? Para que se possa optar politicamente consciente e com alguma segurança quais são os sectores em que o Estado pode sair deixando que os privados com vantagem forneçam os mesmos serviços. Não podemos é fazê-lo por desistência que é deixando degradar… e depois como aquele já não serve então vamos pedir a um privado que faça! Isso é a forma errada e que provavelmente pode custar socialmente e financeiramente também, porque depois o Estado terá que vir certamente garantir esses serviços a menos que empobreçamos todos e o nosso índice de desenvolvimento humano, venha por aí abaixo. Creio que não é o que pretendemos. Mas acho que a vossa geração e a vossa participação na política vem ajudar muito a resolver estes problemas que não são insolúveis mas que também nunca estão resolvidos pelo menos na sua totalidade. E ainda bem, porque então isso era sinal que já ninguém tinha nada a fazer aqui.

Muito obrigado pela vossa paciência.”

(Aplausos)

 
Dep.Carlos Coelho
“Muito obrigado Dr.ª Suzana Toscano pela reflexão estimulante em contra-corrente com outras opiniões que já ouvimos. Isso é bom porque nos faz pensar. Vamos fazer blocos de duas perguntas. Primeira pergunta o grupo castanho, Marina Gabriela Machado.”
 
Marina Gabriela Machado
“ Boa noite em primeiro lugar em nome do grupo castanho gostaria de felicitá-la pela sua exposição. A Dr.ª Suzana em 2004 como Secretária do Estado da Administração Pública apresentou uma proposta de reforma da Administração Pública. Não era um projecto de sector, mas sim um projecto nacional para o qual todos deveríamos contribuir. Como principais linhas de orientação destacou: a necessidade de mudar o método de trabalho passando para um trabalho por objectivos, que a organização não funcionava sem líderes fortes e por último a necessidade de formação dos dirigentes. Dr.ª Suzana actualmente mudaria alguma coisa ou mantinha as linhas propostas? Obrigado.”
 
Dep.Carlos Coelho
“Muito obrigado. Sérgio Tavares, Grupo Laranja.”
 
Sérgio Tavares
“Boa noite Dr.ª Suzana. Numa conferência já em 2004, e aqui, referiu que a Administração Pública requer uma liderança forte e refere ainda num texto em 2004 numa conferência na Escola de Direcção de Negócios que a liderança é outra linha de orientação para a reforma da Administração Pública na medida em que uma organização não funciona sem líderes fortes. Esta captação de líderes fortes será possível sem a medida impopular das remunerações por objectivos com valores acima da média da restante função pública? “
 
Dra.Suzana Toscano

“ Eu tenho para aqui o Carlos Coelho a ameaçar-me se eu levar mais do que dois segundos. Mas vou procurar responder a si em primeiro lugar. Não mudaria absolutamente nada, não por arrogância ou por não reconhecer que muita coisa pudesse ser melhorada, mas porque aqui essas mesmas opções estão hoje confirmadas de uma maneira ou de outra não digo que da mesmíssima forma, mas de forma muito semelhante. Essas linhas, a necessidade dos serviços conhecerem os seus objectivos nem tem tanto a ver com a avaliação no sentido accountability, da necessidade de dar conta do que se faz mas um organismo qualquer, seja do Estado, seja de uma empresa, seja a nossa casa que não sabe o que é que esperam dele, que não sabe para quê que lhe dão determinados meios. Evidentemente que não pode produzir ou pelo menos não consegue ser eficaz. Portanto a definição de objectivos tem antes de mais relação com a necessidade de constituir grupo e de mobilizar os grupos em torno de uma razão de trabalho. Em segundo, orientar o seu trabalho para aquilo que é considerado criação de valor exactamente como nas empresas. Infelizmente no Estado não se usam certas expressões, e eu nunca percebi porquê mas a verdade é que elas são muito significativas. E quando se diz no Estado que há uma despesa, se calhar a mesma coisa na empresa chama-se criação de valor. E é muito importante que ao menos naquilo que se fala da fixação de objectivos … eu devo dizer-vos que….o Carlos Coelho agora não viu as horas… mas devo dizer-vos que sem ironia nenhuma que uma das coisas que me aconteceu é que eu verifiquei que muitos chefes de divisão e muitos directores de serviço nunca na vida se tinha reunido com as suas equipas até ao momento em que tiveram que fixar objectivos. Nunca tinham reflectido, e houve mesmo um caso de uma pessoa, um dirigente que me disse… eu pedi-lhe os objectivos … “Então você já me mandou os seus objectivos?” Ele diz – “Os meus objectivos? Os meus objectivos são cumprir as ordens que a senhora me dá.” Exactamente, e eu disse para isso estou cá eu, não preciso do senhor para nada e dá-me muito menos trabalho fazer directamente. E é verdade… Ou seja… E isto é uma forma de pensar que nunca foi educada e é um pouco o resquício das hierarquias em que o Estado ainda era o Estado autoritário. Eu dou uma ordem, o debaixo cumpre, o outro cumpre, o outro cumpre, o outro cumpre … o que tinha lógica em determinado tipo de funções, as funções de autoridade. Mas que é completamente destituído de sentido quando o Estado é um prestador de serviços muitas vezes em concorrência com alguns sectores privados e portanto tem que usar a mesma eficiência, a mesma eficácia e a mesma economia de meios com resultados iguais ou melhores porque para isso está, para garantir o interesse das pessoa. E portanto, não é admissível, a meu ver é errado, que a questão dos objectivos seja encarada como uma espécie de punição, um castigo… “agora é que vamos ver o que é que ele anda a fazer”. Isso é profundamente errado nem se faz isso numa empresa. Numa empresa quando as pessoas se reúnem para fixar os seus objectivos é para conhecerem qual é a lógica da empresa, qual é o espírito da empresa, como é que é o mercado, como é que hão-de actuar no mercado. E é isto que é lógico, que a Administração Pública no seu âmbito de actuação apreenda e torne como uma coisa positiva. Eu sou muito crítica, sempre fui, não é de hoje e tive bons combates por causa disso, da forma negativa de apresentar as coisas, como se a Administração Pública precisasse de ser punida. E eu digo muitas vezes qual é o empresário que chega a um jornal e diz: “Na minha empresa ninguém faz nada. Não consigo fazer nada deles, gasto um dinheirão e tudo o que fazem não presta.” O que é que acontecia a essa empresa? Ia à falência. Não havia certamente mercado nenhum que lhe fosse comprar as coisas. E nós no Estado fazemos um bocadinho isto gostamos de diminuir aquilo que temos, aquilo que produzimos e com isso não melhoramos a capacidade de melhorar, não reconhecemos o trabalho das pessoas. O reconhecimento hoje nas empresas do sucesso é uma coqueluche, uma pedra de toque e de facto nós infelizmente não adoptamos alguma linguagem e alguma prática gestionária, o que eu acho que nos resolvia muitos problemas e nos pouparia muito dinheiro. E que nos permitiria… e agora chego á segunda pergunta… E que nos permitiria também captar os melhores.

Umas das respostas que os jovens dão em relação á Administração Pública, é que não querem ir para a Administração Pública porque querem ver reconhecido o seu trabalho. E curiosamente não é ver reconhecido do ponto de vista financeiro embora, evidentemente, esse também tenha a sua importância. É que não vêem reconhecimento nem nas chefias nem no público, deixou de haver reconhecimento social das funções públicas. Há 30 anos, um professor, um mestre, que eram pobres, eram pessoas mal pagas, eram profundamente respeitados. Um juiz não ganhava muito dinheiro eram…todos nós conhecemos pessoas que são juízes hoje, conselheiros reformados…eram pessoas que viviam modestamente e que tinham uma respeitabilidade, um nível de consideração social que só por si valia metade do seu esforço profissional. E quem diz estes dois exemplos, diz muitos outros. E quando se perde essa respeitabilidade, evidentemente que também se perde a capacidade de trair as pessoas. Não é só o dinheiro que atrai as pessoas, é em primeiro lugar a consideração pública e em segundo lugar a capacidade de ver reconhecido internamente o seu trabalho.  E talvez… e evidentemente ao falarmos de níveis de remuneração decentes, não estamos a falar de níveis vergonhosos. Mas as pessoas, e mesmo os jovens não procuram sobretudo muito o dinheiro e eu conheço muitos jovens que não saem da Administração (um minuto inaudível)

As lideranças fortes determinam tudo isto. Quando se põe à frente de um serviço um Dirigente, que em primeiro não entende nada do que o serviço é, que em segundo não tem paciência para olhar as pessoas, terceiro não faz a mínima ideia como é que organiza um grupo e quarto acha que está lá há quatro anos porque a seguir se vai embora. Eu acho que não é líder nem no Estado, nem em lado nenhum. Olhe eu em minha casa, não o queria sequer para tomar conta das minhas coisas. E isto no Estado é visto como muita ligeireza. As pessoas acham que a escolha de um Dirigente é um… “vamos lá preencher o lugar”. Estamos a degradar, estamos a fazer desperdiçar e uma empresa não faz isso. Se a empresa tem um mau chefe de secção ou um mau gestor de clientes, posso-vos garantir que ele não fica lá nem três dias porque está a dar prejuízo. E aí nós não contabilizamos isso como um prejuízo mas é um duplo prejuízo, é um prejuízo em termos de dinheiro e é um prejuízo em termos de qualidade de serviço, portanto ainda é um prejuízo mais grave. E se nós nos habituarmos a olhar a administração e o Estado com estes olhos, vão ver que é muito mais fácil perceber o que é que está errado e o que é que está certo e como é que se muda pouco mudando muito. “

 
Dep.Carlos Coelho
“Muito obrigado. Grupo Rosa, Gualter Santos.”
 
Gualter Santos
“ Boa noite Dr.ª Suzana Toscano. Associamos muitas vezes a reforma da Administração Pública apenas ao poder central e esquecemos as competências do poder local. Assim sendo, e numa altura que se fala muito de regionalização, pergunto-lhe, se a reforma da Administração Pública não devia ser precedida de uma nova reorganização do país, ou seja, de uma nova divisão administrativa.”
 
Dep.Carlos Coelho
“Grupo Encarnado, Alexandre Norinho de Oliveira.”
 
Alexandre Norinho de Oliveira
“ Boa noite. Eu gostava de colocar, em nome do grupo encarnado a seguinte questão à Dr.ª. Num momento no qual as economias mundiais são fortemente fustigadas pela crise económica, tendência à qual Portugal certamente não é excepção e no qual as famílias portuguesas estão agora mais dependentes do que nunca do Estado, considera ser este o momento oportuno para proceder à reforma da Administração Pública e à correspondente solução. Obrigado.”
 
Dra.Suzana Toscano

“ Muito Obrigado. Quanto á questão que me pôs o grupo rosa é evidente, que quando se fala na reforma da Administração Pública não podemos ignorar os diferentes níveis de competência e os diferentes tipos de poder. O poder local, devo dizer que é precisamente um dos sectores da Administração que mais progressos tem feito em termos de modernidade, de inovação, de proximidade aos cidadãos…sem qualquer dúvida. Talvez até se note mais porque cria um certo desequilíbrio em termos de coesão nacional. Basta viajar pelo país fora e nós vemos perfeitamente quais são as câmaras onde o poder local exerceu um efectivo desenvolvimento económico e social e consegue garantir determinado nível de prestações. e quais são outras, provavelmente câmaras até mais pobres ou será só defeito de lideranças. Mas, a Administração local pode e deve ter mais competências, no meu ver. Os ensaios são sempre tímidos. Primeiro porque o poder central é muito cioso do seu poder, como é evidente é muito difícil abrir mão de um poder que se tem de controlar, de agir, e de… evidentemente que é. Mas a proximidade, para mim, seria uma forma necessária e urgente, que é dar ao poder local mais competências de modo a que eles pudessem exercer da melhor forma. O problema está muitas vezes em que não se consegue garantir depois a tal coesão nacional e portanto como é que vai garantir que há determinadas câmaras que não fazem muito bom trabalho, outras a quem é entregue a educação ou a saúde ou o que seja… não sei, estou a dar um exemplo. Conseguem garantir a prestação desses serviços com a mesma qualidade? Não sei se é por isso que não fazem se é por falta de decisão política de abrir mão do poder central.

Também é verdade que quando as coisas correm mal o poder central é que paga a factura política… Não estou certa, sei que teoricamente toda a gente defende a descentralização. Há muito boas experiências de descentralização e de exercício de poder local e portanto eu acho que devíamos insistir nisso.

Quanto a uma reorganização do país de outro nível, portanto não fazer a reforma e pensar na regionalização. Eu devo dizer-lhe que, eu acho que temos de fazer a reforma do que temos, para já. Pessoalmente não sou defensora da regionalização e penso que não vale a pena abrirmos aqui esse tema….estou só a dizer-lhe que não devemos desistir de reformar, de melhorar e de inovar. Acho que isso é absolutamente impensável e seja qual for o futuro do país em termos de reorganização só temos a ganhar se os serviços que temos já tenham boas práticas, boas lideranças, boa tradição de responsabilidade e de autonomia. Que também é isso que muitas vezes falta aos serviços para promoverem mais. Portanto acho que as duas coisas não são incompatíveis, não sei o que será o futuro mas acho que em qualquer caso isso não serve de pretexto a que se desista de melhorar.

Quanto à oportunidade de que me falou em contexto de que cada vez há mais pessoas a depender do Estado, pois eu acho que então torna ainda mais urgente o nível de eficiência e a qualidade dos serviços. Porque se há mais gente a precisar, ou seja, se o Estado Social se alarga quer dizer que existem mais recursos e quer dizer que temos que usar ainda melhor, ou muito melhor os poucos recursos de que dispomos para que possam chegar a mais gente, uma vez que nós não temos, temos recursos limitados, como toda a gente sabe e portanto as alternativas é de desistirmos e abandonarmos as pessoas ou então descermos o tal índice de desenvolvimento humano, o que também ninguém quer. Portanto em tempo de crise mais uma razão para sermos ainda mais exigentes e para as pessoas terem ainda uma consciência mais aguda da importância do seu papel quando trabalham na Administração Pública, quando lideram serviços, quando marcam objectivos, quando actuam com transparência, com isenção, com responsabilidade. E portanto, eu acho que pelo contrário, talvez seja um bom impulso para que se faça e para que se ande mais depressa nalgumas partes em que se calhar estávamos um bocadinho mais distraídos.”

 
Dep.Carlos Coelho
“Grupo Bege, Luís Abreu.”
 
Luís Abreu
“ Boa noite Dr.ª Suzana Toscano. No inicio da sua intervenção a Dr.ª disse que a Administração Pública absorveu uma grande parte dos licenciados em Portugal. Contudo, nas autarquias locais verificamos que metade dos funcionários 42%, cerca de 42% não tem escolaridade obrigatória, apenas 1% tem qualificações, ou qualificação técnica e apenas 6,5 % são licenciados. Sabemos também que a média de idades é superior a 40 anos, o que revela a não renovação dos quadros. Podemos então deduzir que a grande parte dos licenciados foi para a Administração Central. Como é que explica a dualidade dos critérios na contratação?”
 
Dep.Carlos Coelho
Chegou agora a vez do grupo anfitrião, queremos agradecer o convivio muito simpático que tivemos durante a noite. E agradecer a vossa hospitalidade por nos receberem na vossa mesa e passo a palavra à Rita Leitão. Do Grupo Amarelo.
 
Rita Leitão
“ Boa noite Dr.ª Suzana Toscano. Eu como funcionária do Estado numa autarquia local, tive muito gosto em ouvi-la porque principalmente concordo em grande medida com as suas palavras. A nossa questão (e também se calhar perturba muita gente) é na senda das tais boas práticas dos serviços, como incentivar a produtividade junto dos agentes da administração pública e também minimizar toda a burocracia.”
 
Dra.Suzana Toscano

“ Eu há pouco esqueci-me de responder a uma questão que me tinha sido posta, que era a questão das remunerações e dos prémios de produtividade, e só volto á questão por uma razão muito simples. Eu não sou defensora dos prémios de produtividade da Administração Pública, por muitas razões que nos levariam aqui a outro debate. Mas considero que antes de estar estabilizada a cultura de avaliação é profundamente errado entrar com um factor que é normalmente perturbador, gerador de injustiças e a meu ver prejudicial ao ambiente de trabalho. De resto, como em muitas empresas se verifica, não se fala disso mas é assim mesmo e portanto eu considero que num universo de 700 mil pessoas que não têm uma tradição da cultura de avaliação, que não têm lideranças fortes, que não têm estabilidade das lideranças parece-me absolutamente temerário entra fazê-lo e quando o próprio sistema de remuneração é ele próprio muitas vezes fonte de distorção não me parece nada fácil….eu não me atreveria, nunca o faria… é aquilo que posso dizer, nem considero que fosse um factor importante neste momento. Nem sequer de competitividade, nem sequer de competitividade… é a minha opinião mas eu não podia deixar de responder.

Tem toda a razão o grupo bege com a pergunta que fez das qualificações na Administração local, são objectivamente fracas. Talvez isso se deva ao tipo de funções que as autarquias mantiveram durante muito tempo. A grande dimensão das autarquias foi sobretudo na área dos trabalhos não qualificados, junto das populações. Penso que hoje já se nota alguma diferença. Houve durante muito tempo gabinetes técnicos de apoio às autarquias e portanto em vez de entrarem nos quadros das autarquias a administração central fornecia uns digamos “pools” de técnicos, outras vezes recorreu-se muito ao outsourcing o que não quer dizer que as Câmaras não tenham tido o devido apoio técnico, mas é absolutamente verdade que não entraram nos quadros e a verdade é que esse panorama visto assim em números secos é bastante desolador. Penso que muitas autarquias que hoje assumiram plenamente as suas competências e que já estão a fazer um excelente trabalho, estão já a contratar esses técnicos superiores. Há também um problema, havia limites orçamentais para gastar com pessoal nas câmaras e evidentemente que um técnico superior custa caro, e penso que isso também terá servido de factor dissuasor. Em qualquer caso, em muitas Universidades fora do País, os técnicos dessas Universidades, fora do País que disparate, fora de Lisboa, portanto pelo País fora, foram utilíssimas no apoio à autarquia, há muito trabalho feito com essas pessoas, agora que não estão nos quadros, eu acho que têm toda a razão, não estão. Não posso dizer de outra maneira, não estão.

O Grupo, ah a mesa, o jus aos nossos hospedeiros…como disse, eu devo dizer-lhe que da experiência que tenho dessa iniciativa do Prémio das Boas Práticas, coisa que já é o 7º ano, já houve 7 edições, há uma coisa que resulta óbvia que são centenas e centenas e centenas de serviços e muitas autarquias, é que o simples facto de terem oportunidade de ver reconhecido o seu trabalho, eles fixam o objectivo, geralmente inovador e muitas vezes surpreendente, e isso constitui uma dinâmica nas equipas que nunca tinha existido até aquela data. Há sempre lideranças fortes. Todos os casos que eu conheço que ganharam prémios no âmbito desse concurso, tinham lideranças fortes, ou seja, tinham à sua frente um dirigente que soube marcar objectivos, que soube dar oportunidade às pessoas que participaram, que lhes perdoou as falhas, outra coisa típica da administração pública e das más lideranças é não dar espaço ao erro. Eu conheci um grande empresário que já morreu que era dono de uma vidreira conhecidíssima, e ele tinha 88 anos quando eu o conheci e ele disse: “eu fui a 1ª pessoa admitir o gás propano e não sei quê”, disse -me ele mesmo isto:” Todos os meus funcionários têm o direito de errar 20% das vezes. E sabe uma coisa? Eu ganho muito mais com isso”. Porque se eles sabem que têm margem para errar, arriscam muito mais. E acertam imensas vezes. E quando não se perdoa um erro, eles não arriscam. E então há a rotina há o medo de errar, há a dificuldade de partilhar com o outro porque tem medo que o outro vá dizer: “não tens razão nenhuma, espera lá que o chefe já vai saber que estás a dizer asneiras”. Portanto, a capacidade que os dirigentes, que os líderes da administração pública e em particular das autarquias locais, porque são menos, são grupos mais fechados, tenham a abertura de espírito de admitir o erro, a capacidade de errar, de certeza absoluta que isso dá logo uma produtividade e uma capacidade de inovação, e de ser diferente que faz tudo, que faz a mudança. Portanto, o quê que é importante? É as pessoas saberem o que esperam delas, de confiarem no seu chefe, e saberem que o chefe não lhes vai dizer uma coisa hoje e amanhã outra, e depois se vai embora lá se vão os projectos todos por água a baixo, porque ele nem teve o cuidado de passar isso a quem o sucedeu, exemplos que nós todos ao longo da nossa vida conhecemos, quantas vezes conhecemos, em quantos projectos nos empenhamos entusiasmadamente e depois o chefe acabou por pôr no lixo e nunca ninguém mais ouvi falar, e fazem isso uma vez, e duas vezes e três, há quarta já nós temos aí uns 40 anos, e já estamos, como o povo chama, malhadinhos, ou seja escusam de vir cá maçar porque eu já não vou entrar em projecto nenhum porque já não vou acreditar. E isto é assim, e é assim no Estado. E o que é que acontece às empresas? Vão à falência. Ou mudam a sua maneira de funcionar ou os empregados vão-se embora, perdem os seus activos humanos e não vão a lado nenhum. O Estado, infelizmente, diz que tende a ser uma cultura aceite. E é isto que é importante dizer, é muito mais importante que fazermos 50 decretos-leis todos fantásticos com imensas teorias, é a mentalidade e o exercício no posto, um dirigente tem de saber ao que vai e tem de saber mobilizar as suas equipas e tem de saber o que é que quer delas e dar-lhes oportunidade de errar. E os jovens licenciados têm de ser capazes de transmitir isso aos seus chefes que se calhar não estão muito habituados a pensar nisto, mas isto é que é importante, são coisas simples que resolvem muitos problemas e atraem pessoas e que lhes dão oportunidade de se realizar profissionalmente na administração pública.”

 
Dep.Carlos Coelho
“Muito obrigada Dr.ª Suzana. Grupo Azul, Jean Barroca.”  
 
Jean Barroca
“ Boa noite, Dr.ª Suzana Toscano. Deixe-me em 1º lugar agradecer a forma honesta e clara como nos falou de reformas. Porque a verdade é que nos últimos 4 anos estávamos habituados a falar de reformas ou ouvir falar de reformas de outra maneira. Cada vez que se falava da reforma da Educação, falava-se contra os professores; cada vez que se fala da reforma da Saúde, fala-se contra os médicos; cada vez que se fala da reforma da Justiça, fala-se contra os juízes. Esta forma de falar de reformas foi completamente diferente àquela a que estávamos habituados. A verdade é que nós detectamos muitas falhas no governo e na forma como o Estado é gerido hoje em dia. A Dr.ª Suzana Toscano falou e eu registei que o Estado era pequeno demais há 40 anos e agora é grande demais. Mas a verdade também é que nós temos visto os serviços do Estado diminuir e a despesa a aumentar; nós temos visto centros de saúde fechar; temos visto escolas fechar no interior, tínhamos visto uma proposta do mapa judiciário que previa o fecho de tribunais; e a verdade é que a despesa continuava a aumentar. Portanto, perante este problema que inicialmente poderia ser um preconceito, nós detectamos falhas graves na forma como o governo tem actuado e na forma como o estado tem sido gerido. E portanto, tendo em conta que apresentou com possível sedução a adopção de princípios de gestão privada na gestão pública, nós temos como grande dúvida uma questão que interessa muito aos jovens. E a questão que lhe queremos pôr tem a ver com os recibos verdes. Tem a ver com a situação de jovens que trabalham neste momento a recibos verdes no Estado. E percebendo nós que a readaptação dos quadros pode ser complicada; percebendo nós que o Estado poderia fazer Outsourcing e não faz desde os serviços que estes jovens prestam. A pergunta que lhe deixamos é: se o Estado não estará a ser duplamente injusto? Estará a ser injusto com as empresas por estar a fazer concorrência desleal não cumprindo a lei que ele próprio faz? E está a ser injusto com os jovens que deveria contratar e a quem deveria dar condições e que se recusa a fazê-lo? Muito obrigado.”
 
Dep.Carlos Coelho
 “Grupo Verde, Bruno Pereira. “
 
Bruno Pereira
“ Boa noite a todos os presentes, boa noite Dr.ª Suzana Toscano. Considera correcta a política de nomeações para cargos na administração pública, tanto a nível, por exemplo, da Educação, da Saúde na Segurança Social; ou considera que já deveríamos ter evoluído para direcções livres do arbítrio partidário? Passando estes directores e administradores uns meros contratados e não somente estarem no cargo 4 anos por terem, por assim dizer, relações com a cor partidária vigente, por assim dizer, isto levaria se calhar a um rumo na política administrativa mais coerente e se calhar com menos oscilações, o que seria melhor para a política do País.”
 
Dra.Suzana Toscano

“ Pois aqui estão duas perguntas particularmente difíceis. A questão dos recibos verdes, quer dizer, eu podia responder-lhe aqui com alguma, digamos, com alguma reserva mental, poderia responder-lhe aqui que acho que sim senhora o Estado tinha de contratar as pessoas e era o que era justo e é o que é devido. Mas também sei que nem sempre isso é possível, por isso é que eu lhe digo que devia responder com toda a reserva mental. Agora há uma coisa em que eu lhe dou toda a razão, é que o Estado não pode estar a fazer leis e depois ser o 1º a não as cumprir, isso não tenho a mínima dúvida, inclusivamente o Estado tem uma responsabilidade acrescida porque precisamente dá o exemplo e, se não dá, devia dar. E precisamente porque às vezes não dá, é que não tem a força para se reformar, nem nós acreditamos que se reforme. E portanto, isto está tudo bastante relacionado, eu acho que o Estado tem obrigação de agir de acordo com as leis que ele próprio aprova. E se não o consegue fazer, também não pode exigir aos outros por maioria de razão, e portanto significa que temos aqui um conjunto de leis que ninguém cumpre o que não é um bom sinal de saúde do nosso País. Infelizmente isso repete-se com excessiva frequência, ou as leis são demasiado exigentes e não estamos prontos para as cumprir, ou então nós temos simplesmente que ver se nos safamos e os outros cumpram se quiserem. Isso é um péssimo exemplo, tanto mais que o Estado foi durante muitos e muitos anos a fonte inspiradora de um direito de trabalho mais protector dos trabalhadores. Aquilo que hoje se diz são privilégios, e diz muita gente que não está só afecta a uma força política. Eu costumo lembrar que não foi um produto da revolução. O regime estatutário vem do tempo do anterior regime e não foi propriamente para privilegiar os funcionários, foi porque tinha um sentido útil: a protecção dos trabalhadores do Estado, e o sentido útil era a capacidade de cativar os melhores; necessidade de evitar que eles tivessem que andar a angariar outros empregos cá fora usando o que sabiam, ou a necessidade do Estado garantir que aqueles que o serviam durante uma vida inteira tinham de ter uma velhice decente e uma assistência na doença decente, sob pena de ser uma vergonha a autoridade aparecer andrajosa e na dependência da misericórdia alheia. Portanto isto é, lá está, a necessidade de ir procurar a raiz das coisas e depois muito do direito de trabalho veio-se inspirar neste proteccionismo do direito público, nomeadamente o direito à reforma, o direito à protecção da saúde que no Estado é a ADSE que hoje muitos contestam, sem contestar o direito à saúde por parte dos empregadores empresários, portanto, há um paralelismo e a pouco e pouco o direito privado, o nosso direito do trabalho foi, não só cá provavelmente, mas cá sei eu que foi assim, foi-se inspirando no exemplo do Estado. E portanto, eu acho que o Estado devia manter esse paradigma de não pagar excessivamente, pelo menos de uma forma chocante, de manter os salários a níveis que todos fossem, digamos, justos; mas em compensação também desse o exemplo no cumprimento da lei na protecção dos seus trabalhadores e evidentemente melhor exemplo para os jovens então, ainda mais. Mas espero que não desistam e que isso venha a acontecer, como sabe isso não é só um mal nacional, em muitos Países os recibos verdes são hoje na Europa associados isso à flexibilidade, à já não existência de emprego para à vida, à mobilidade, portanto há muitos nomes que se podem pôr para disfarçar uma realidade que não deixa de ser um arbítrio e uma falta de respeito para com quem trabalha e também a incapacidade das pessoas se motivarem por projectos de mais longa duração, é outro problema. Mas não sei responder-lhe mais afirmativamente do que isto.

Quanto à política de nomeações e à cor partidária, eu defendo que há cargos que têm de ser de escolha e confiança, não todos, mas acho que não vale a pena estarmos aqui com hipocrisias. Hoje a função do Estado em muitos casos é uma função que tem uma necessidade de lealdade política e não estou a dizer que as pessoas não possam ser leais tendo outra cor política. Estou a referir-me à confiança que aquela pessoa será capaz de exercer aquele lugar seguindo as minhas orientações e os meus objectivos. E já me aconteceu várias vezes, trabalhar com pessoas cuja cor política ignorei, e ignoro, no sentido de não saber e nunca tive qualquer indício de falta de lealdade ou de falta de capacidade de colaborar. Portanto, quando eu digo que há cargos que são da confiança, eu refiro-me da escolha pessoal, se são guiados pela confiança política exclusivamente, evidentemente que isso está mal. Nem vale a pena comentarmos porque já aqui estivemos a dizer que as lideranças, as chefias são fundamentais para o bom funcionamento do serviço. Portanto, a pessoa que escolhe para dirigente do serviço, uma pessoa que não tem qualidade nenhuma a não ser a sua cor política, seja de que espectro político for é uma pessoa que não respeita o serviço para quem está a nomear e curiosamente manda nele, portanto, vai também sofrer as consequências da má prestação desse dirigente, coisa que muitas vezes as pessoas não se apercebem mas é verdade. Portanto, ao nomear um Director Geral, está a nomear uma pessoa que vai trabalhar para o brio e para a capacidade de realização da sua área, e portanto, se escolhe uma pessoa que não tem uma competência se apenas a cor política, eu considero que essa pessoa não tem certamente a noção clara daquilo que é esperável da sua responsabilidade social e política. Nos outros níveis de liderança eu acho que se deve recorrer ao concurso, não tenho grande dúvida, de resto foi o que propus quando tive oportunidade de decidir sobre essa matéria, mas também acho outra coisa, também acho que dentro da Administração Pública e é exactamente como fazem as empresas, as pessoas, os técnicos superiores têm de ser preparados para a liderança. E portanto, nós temos de constituir dentro da Administração um corpo de pessoas capazes de vir a assumir a liderança dos serviços. É isto que fazem as empresas, ninguém, nenhuma empresa digna desse nome consegue, na altura em que precisa de um Director Geral ou de um Director de serviços, vai recrutar ao vizinho do lado ou à concorrência, em princípio as pessoas têm formação suficiente para poderem ascender e vir ocupar lugares de maior responsabilidade. Isso também tem a ver com a capacidade de fazer crescer e criar oportunidades de desempenho a essas pessoa. Portanto, eu defendo que haja concursos, mas defendo que haja preparação dos técnicos da Administração para serem concorrentes sérios a esses concursos e que sejam os melhores. E portanto, uma vez mais, as coisas não são completamente desligadas. Acho que se deve ir buscar pessoas de fora quando são mais competentes, mas acho que não podemos partir do princípio que os de fora são sempre mais competentes também não adiro nada a isso.”

 
Dep.Carlos Coelho
“Dr.ª Suzana Toscano, há uma tradição na Universidade de Verão que é deixarmos a última palavra à nossa convidada e portanto a responder à última ronda de perguntas, a Senhora será a última usufrutuária deste microfone, pelo que, esta é a última oportunidade para pedir aos 5 conselheiros que façamos uma reunião às 23H para decidir umas questões relacionadas com o funcionamento da Universidade de Verão; e em 2º lugar e mais importante, para lhe agradecer a si pelo facto de ter vindo de propósito à Universidade de Verão, em Castelo de Vide e nos ter proporcionado a reflexão tão interessante que fez, quer na resposta à minha pergunta, quer na resposta às 8 perguntas que já ouvimos e seguramente naquelas 2 que restam ainda. (Aplausos) E para dar a palavra ao último leque de perguntas, passo a palavra ao Grupo Cinzento, Rui Pedro Bento”
 
Rui Pedro Bento

“ Boa noite Dr.ª Suzana Toscano, muito obrigado por ter vindo, em nome do Grupo Cinza apresentamos os nossos cumprimentos. Apesar da visão esclarecida, clarividente e não muito pessimista da Administração pública que nos veio aqui trazer, continuamos a achar que há uma certa Administração pública, não toda obviamente, mas que está muito condicionada ou contínua condicionada pelo modelo clássico estatutário, racionalizado, aquele modelo burocrático de Weber que infelizmente continua a premiar alguns serviços, a saber, continuam alguns serviços a padecer o problema de organização hierárquica autoritária, o estilo “top down”, a delimitação rigorosa de competências, a estrutura de competências demasiadamente baseada em normas, etc. Mas há sobretudo um problema que emana de vários serviços que são os cargos de nomeação política que abundam. Ora um pequeno aparte, umas das desvantagens de ser o último grupo a fazer pergunta é a altíssima probabilidade de haver outro grupo que nos esgote o argumentário, ainda assim arrisco a fazer uma abordagem diferente dos colegas do Grupo Verde. Nós somos leigos nestas questões o que não nos impede de investigar um pouco, e o modelo que nós fomos tentar conhecer um pouco melhor, nem sequer é o modelo europeu, portanto, falo do modelo americano dos Estados Unidos, em que no ido ano de 1883, há quanto tempo, publicaram o chamado “Pendleton Act”, que era um sistema que livrou a administração pública americana, pelo menos parcialmente, dos despojos daquela missão do “patronage” que predominava, que distribuía o cargos baseados na lealdade ao partido vencedor das eleições. E nesse ano de 1883, esse acto equivaleu… eu estive a ler uma cópia parcialmente digitalizada, que achei fantástico vejam há quanto tempo foi e já na altura se falava de exames de admissão à Administração pública americana, de admissão com base no mérito, de neutralidade política, isto no século XIX, de uma imposição mais alta dos valores da eficiência em paralelo com a neutralidade da moralidade e o mérito. Ora, isto fez com que houvesse uma independência da Administração pública americana do poder político. Não vamos fazer a pergunta, enfim, repetida, mais do mesmo, mas já que a Sr.ª Dr.ª acha que certos cargos deve ter a lealdade totalmente assegurada em relação aos dirigentes políticos, como é que explica que em democracias mais avançadas, não só nos Estados Unidos, mas noutros países eventualmente europeus, ou o Sudeste Asiático, haja naipe de altos cargos da função pública cuja lealdade não é questionada e apenas o mérito e as competências técnicas que são necessárias para responder de forma mais eficiente que a nossa Administração? Muito obrigada.”

 
Dep.Carlos Coelho
“ Última pergunta. Grupo Roxo, Jorge Pereira.”
 
Jorge Pereira
“ Boa noite. Se ser o penúltimo já é mau, sermos os últimos ainda é mais arriscado. (Risos) Portanto, a nossa pergunta tem mais a ver com o papel da Dr.ª enquanto assessora para a educação da juventude e a educação da Presidência da República.  De que forma é que analisa as reformas em curso no ensino em Portugal e a instabilidade que dá os resultados? É essa a nossa questão.”
 
Dra.Suzana Toscano

“ Bem vejo que este tema é de facto interessante. Eu não queria desiludir ali o Grupo Cinzento, e devo dizer que se for lá ver os nossos diplomas dos últimos anos tem lá isso tudo. Portanto, se olhar as nossas declarações legais: como é que se contratam e como é que se admitem dirigentes na Administração Pública tem lá essas características todas. Agora, isso tem uma relação muito grande também com a vivência histórica dos países, em Inglaterra é de uma forma diferente, em França é de outra forma, em Itália também a Administração Pública tinha uma estabilidade total em relação ao poder político, portanto isso é muito variável e é também o reflexo histórico, como sabe, antes do 25 de Abril os lugares dos dirigentes cá também era vitalícios e portanto há vários modelos que foram experimentados. Eu defendo que lealdade não significa seguidismo. Como sabe, há uma regra de ética e disciplinar dos funcionários, é que um funcionário público, exactamente porque não é um trabalhador no sentido bilateral, apesar de hoje também já haver muitas confusões sobre essa matéria, mas em rigor a nomeação, aquilo que é a nomeação de um funcionário que não é um contrato de trabalho é a indicação para um posto no sector público é este o sentido original da nomeação o que quer dizer que as pessoas não são um trabalhador com contrato de trabalho em relação a um determinado patrão, mas eram aquilo a que se chamavam dantes: “servidores do Estado”, por isso eram nomeados. Não era um contrato era uma nomeação para aquele posto ou para outro posto qualquer onde fosse necessário ele exercer o seu trabalho e fazia parte do estatuto de isenção e de lealdade dos funcionários, para já uma declaração de lealdade que era feita por escrito e penso que ainda hoje é. Em segundo lugar, um funcionário tem direito a recusar uma ordem que considere injusta, ou que viole a lei, ou que não se traduza na sua percepção de um benefício para os cidadãos. E portanto, é da essência da função pública e de cada posto da função pública a lealdade, a isenção e a transparência. E portanto, um funcionário seja de que categoria for, se for dirigente, pior; que dê prevalência aos interesses políticos e aos calculismos políticos em detrimento de interesse público para o qual não foi nomeado, eu considero isso gravíssimo. E acho que nenhuma lei poderá dizer que isto não pode ser assim, porque seria evidentemente escandaloso. Portanto, para além do que a lei diz e da forma, se é por concurso ou se é por escolha há um dado que nós temos de ter sempre como pressuposto quando fazemos leis ou quando emitimos opiniões, é que há uma base em que nós não cedemos: eu nunca darei como certo que um governo, seja quem for, se lembre de nomear dirigentes só porque são pessoas lá do partido, virando completamente as costas ao interesse público. Não digo que não aconteça, o que eu digo é que isso não é uma coisa que se proíba na lei, e que se as pessoas quiserem fazer isso, significa que as pessoas não têm noção dos cargos que estão a ocupar e que não respeitam os cidadãos que estão a servir. E portanto, nesse caso não vai adiantar muito, pôr na lei coisa diferente. Portanto, antes de qualquer imposição legal e antes de qualquer modelo há um sentido dever que tem de estar presente em todos aqueles que são chamados a servir, para usar a expressão antiga de “servidores do eEstado”. E começa pelo Ministro, começa pela actividade política, a actividade política é a pura essência de uma actividade orientada para o interesse de todos. Nós estamos na política porque queremos defender o melhor para os nossos concidadãos, para os nossos filhos, para os nossos netos, e evidentemente para a sociedade em que nos integramos. Há aqui um certo altruísmo, porque se não há também não há política nenhuma, há apenas jogos de interesses. Portanto, a política é o que nos faz reunir aqui todos, é um sentido altruísta e um sentido de dever cívico, ou seja, uma capacidade de intervenção a favor do bem comum. E isso, a Administração tem esse múnos, digamos, tem esse âmago, é por isso que ela existe, é por isso que pagamos os nossos impostos, é porque confiamos que há pessoas isentas, interessadas e conscientes do interesse público que vão usar criteriosamente os nossos impostos. E quando isto não acontece, também digo, pode a lei e os autos públicos estarem perfeitos que quando as pessoas não têm essa consciência as coisas não correm bem. O que é muito grave é que isso seja aceite pela opinião pública e que seja considerado uma inevitabilidade. Devo dizer-lhe, honestamente, da minha experiência larga em gabinetes e próxima do poder político, não tenho memória da falta de lealdade de um dirigente. Não tenho memória, talvez seja uma privilegiada, e também não me lembro de mandar alguém embora por questões políticas, por incompetência não digo que não. Mas como digo nunca tive de perguntar a ninguém, serei uma privilegiada. O que lhe posso dizer é que conheço muito bem a Administração Pública e uma boa parte dos dirigentes que conheci trabalharia lealmente com qualquer pessoa desde que não fosse uma pessoa injusta ou abusadora das suas funções para defender interesses que não se reconheciam como interesses públicos. Portanto, não acho que a questão assim em termos teóricos seja assim tão importante, é muito importante em termos morais e em termos éticos e do desenvolvimento desta cultura de serviço, que começa com os políticos que como têm essa cultura não podem nomear para os lugares de que dispõem pessoas que eles, em consciência, não consideram capazes. Portanto, é na nossa cabeça que as coisas têm de começar a funcionar e muito menos na imposição da lei. Que é outro problema que nós temos, que é demitirmo-nos de comportar, porque se a lei não o proibir então eu posso fazer, não é verdade. Há outros limites muito mais graves e muito mais imperiosos ainda, que a lei nos impõe. E esses no Estado são os que nos devem regular acima de tudo. O princípio da legalidade serve para os cidadãos saberem quais são os limites do poder público, não servem para eu me eximir da minha obrigação de servir bem, e isto envolve obviamente os políticos como não pode deixar de ser.

Há serviços ainda organizados da forma clássica, por hierarquia com poder enorme. É uma estrutura cómoda, muitas vezes resulta também de um mau dirigente, porque também é muito cómodo para o dirigente manter essa estrutura hierárquica, rígida, dá uma ordem e acabou-se e não pensa mais no assunto e nem sequer conhece os seus funcionários. Mas eu creio que eu agi sobretudo com as tecnologias, esse tipo de organização está absolutamente condenado e os serviços que mantêm, que persistem nesse tipo de funcionamento, são serviços que eu acho que por natureza não poderão subsistir, não vão sobreviver. Se eles mantêm essa forma de funcionar e de organização são serviços que não conseguem corresponder hoje a um conjunto de exigências que a própria dinâmica da sociedade e a própria mudança exige. E portanto, há os serviços que se deixam morrer assim, outros que os matam porque os dirigentes não os deixam corrigir isso, mas há outros em que os funcionários se vão embora. Uma das coisas engraçadas que a lei que incentiva a mobilidade, trouxe, foi o medo que alguns dirigentes tinham que os seus funcionários saíssem porque se saíssem muitos, eram sinal que não estavam contentes, e isso é um sinal interessante. Eu queria dizer-vos que eu sempre tive uma grande ilusão que seria uma noite fantástica vir aqui falar convosco, ultrapassou, ainda conseguiu ultrapassar as minhas elevadíssimas expectativas. Não tenho falta de confiança nos jovens, pelo contrário. Acho que, acredito muito nos jovens e acredito muitíssimo nesta geração. Acho que têm boas condições para fazer um bom trabalho, acho que a nossa, a minha, geração tem um pouco contributo, aplainou de certo modo o vosso caminho. Terão outras exigências, outros desafios, outras ameaças. Mas não tenho dúvida, acho que estão muito bem preparados, pelo menos melhor preparados do que outras gerações estavam para as enfrentar com coragem, com dignidade, e sobretudo com muito entusiasmo e muitas ilusões, muita capacidade de fazer. Eu acho que esta geração viaja por todos os lados, convive de formas impensáveis, têm pouquíssimas barreiras e hoje vocês gozam de uma liberdade de acção cujo o valor eu acho que desconhecem, mas que eu conto como em crédito, ou seja, dá-nos o direito de esperar muito de vocês, porque de facto, a quantidade de fronteiras de todo o tipo, que desapareceram no Mundo, faz desta geração uma geração global no sentido da abertura de espírito, da capacidade de convivência, enfrentar o desconhecido; tudo aquilo que dantes era feito por sofrimento a gora é feito por espírito de aventura e curiosidade. E só isso é uma coisa fantástica, eu tenho um bocadinho inveja vossa, e portanto, espero poder regalar-me a ver o excelente trabalho que vocês vão fazer no nosso País em particular, mas na Europa que é onde nos situamos todos. Felicidades e espero ouvir falar de muitos de vocês e de todos de preferência. Obrigada”

(Aplausos)