ACTAS  
 
8/27/2009
Políticas sociais: Respostas urgentes e sustentadas
 
Dep.Carlos Coelho
Iniciamos a sessão da manhã que é “Políticas sociais: Respostas urgentes e sustentadas”. Era um tema que não havia na Universidade de   Verão, existiu o ano passado pela primeira vez, a pedido da Dra. Manuela Ferreira Leite, que considerou que havia uma emergência social a que era necessário dar resposta e sobre a qual nós tínhamos de reflectir. Já na altura o nosso convidado foi aquele que está à minha direita, não estava no país, estava no estrangeiro, não pôde aceitar o nosso convite e é com muito prazer que finalmente temos o Dr. Manuel Lemos entre nós para nos falar desta emergência social: o que é urgente e o que é estrutural e quais são as respostas que temos de pensar nas diversas áreas da problemática social. Têm o Curriculum do Dr. Manuel Lemos convosco, vou poupar uma apresentação extensa, conheço-o há muitos anos, desde a altura em que ele trabalhou com a Dra. Leonor Beleza, sempre apreciei a sua competência e a sua seriedade e é actualmente o Presidente da União das Misericórdias Portuguesas. Já colaborou diversas vezes connosco, noutras iniciativas e tem uma abordagem muito completa e muito actualizada das questões sociais, creio que em Portugal não conseguiríamos melhor para nos falar sobre esta questão. O Dr. Manuel Lemos tem como hobby coleccionar miniaturas automóveis de competição, à escala 1:18 a partir do ano de 1950, ano em que se realizou o 1º Campeonato do mundo de Fórmula 1, tem actualmente cerca de mil miniaturas; a comida preferida são os Perdizes à moda do Convento de Alcântara, uma coisa muito precisa; o animal preferido é o cão, uma vez mais; o livro que sugere é o mesmo que ontem nos sugeriu Paulo Rangel - As memórias de Adriano (Marguerite Yourcenar).

Repito o conselho que vos dei para ler um livro fantástico, é um livro que é um monólogo, praticamente, é a carta que o Adriano escreve ao seu sucessor, que o César escreve ao seu sucessor e é um livro notável. Eu detesto monólogos mas é um monólogo que se lê com paixão do princípio até ao fim, uma coisa fantástica. Recordo particularmente uma parte em que o Adriano diz ao seu sucessor, ele era fanático por caça, caçava demais, e ele diz ao seu sucessor: “Talvez por ter vertido tanto sangue de besta, tanto tenha poupado o sangue humano”. Porque ele foi dos Césares mais misericordiosos na História do Império Romano. É notável, é um livro que vos recomendo seriamente.

Filme que sugere, Gran Torino, com Clint Eastwood; e a principal qualidade que mais aprecia é a lealdade.

Dr. Manuel Lemos, muito obrigado por ter aceite o nosso convite e estar entre nós. O palco é seu.

(Aplausos)

 
Dr.Manuel de Lemos
Muito bom dia a todos. Espero que estejam bem acordados. Queria começar por vos pedir, vocês não se importam que eu tire o casaco, pois não? Acho que é mais Universidade de Verão.

Queria começar por agradecer as palavras sempre gentis e amigas do Dr. Carlos Coelho e como o honroso convite da Dra. Manuela Ferreira Leite e dele próprio, no sentido de vir estar aqui convosco a falar de um tema tão interessante. E tão interessante para todos. Não é um tema picante, não é seguramente um tema picante, mas é um tema interessante. Eu quero começar por dizer que sou uma verdadeira nódoa a fazer power-points e por isso peço-vos já desculpa. Mas a minha secretária, que se aplicou a passar a limpo o power-point, disse-me: “Ó Sr. Dr., isto está tão negro!... “ Eu queria vos dizer que, embora os números que tenham aparecido aqui possam ser um bocado negros, - e depois espero que numa fase de debate possamos conversar sobre isso – eu quero dizer que tenho grande esperança no meu país e acredito muito no meu país, mas também acredito muito na Dra. Manuela Ferreira Leite. E quando a Dra. Manuela Ferreira Leite se propôs fazer um programa à volta da verdade, eu achei que valia a pena falar-vos também de verdade. E por isso, quando ela na altura me convidou para ir ao “Portugal de verdade”, eu fui lá falar sobre estas questões e fui falar a verdade, como vos venho dizer aqui, a verdade. Podia cobrir a verdade de fantasia, o Eça de Queirós fá-lo-ía com certeza, eu também o saberia fazer mas acho que vale a pena falarmos verdade. E por isso os números aqui e ali são um bocado contundentes, também dá para acordar – espero eu – e depois, para animar, o debate.

Para dar um bocadinho a ideia da estrutura do que vos vou apresentar, penso que dá meia hora, meia hora e pico, eu ía apresentar como é que isto apareceu, as políticas sociais, qual é o sentido delas na Europa e, naturalmente, sempre que puder vou puxando a brasa a Portugal e depois identifiquei três questões que para mim são obviamente fundamentais. Que é a questão da pobreza, que é a questão do envelhecimento e que é a questão da saúde. Deixei naturalmente de fora, o combate ao desemprego porque ele atravessa isto transversalmente e toda a matéria da educação, porque essa com certeza dá outra conferência numa outra Universidade de Verão, embora naturalmente seja uma questão central. Sem educação, sem formação, vocês estão aqui num acto desses e eu penso que é muito importante perceber isto.

Portanto, eu gostava de vos dizer que é preciso compreender que o Estado social europeu constitui um modelo de Estado que integra um conjunto de respostas sociais que constituíam aos mais diversos níveis e adaptados às diferentes nações europeias o compromisso possível entre a sociedade e a democracia. Isto porquê? Se vocês virem bem, olharem para a História, os grandes flagelos da Europa foram sempre a fome, a mortalidade, a doença e a guerra. E resolver estes 4 flagelos - a fome, a mortalidade, a doença e a guerra – era cumprir o tal compromisso. E foi a resposta que os europeus conseguiram encontrar a estas 4 questões, que lhes permitiu apurar um conceito de Estado mais forte, mais coeso, mais estável, que todos hoje chamamos Estado social. Isto começou, meus amigos, na Alemanha de Bismarck, no século XIX, no final do século XIX, e as soluções encontradas foram estas: para a fome, os subsídios de desemprego e de reforma, antes era vulgar as pessoas morrerem à fome, um tipo que não tinha emprego morria à fome; para a morte as pensões de sobrevivência, as viúvas e as crianças, quando o pai morria, morriam, não tinham nenhuma protecção na Europa; para a doença, os diferentes países fizeram os diferentes serviços nacionais de saúde; e para a guerra, a União Europeia. E de facto nós hoje vivemos o maior período de paz na Europa, depois da 2ª Guerra Mundial. Isso, o Carlos Coelho pode falar sobre isso melhor do que ninguém.

Claro que manter isto custava dinheiro e desde sempre se percebeu que quem tinha de pagar isto, em primeira mão, era o Estado. Era isso que o cidadão esperava e por isso, encontrar dinheiro para pagar isto dependia dos rendimentos, do trabalho e do desenvolvimento económico. Daí à exaltação das virtudes do trabalho e do desenvolvimento económico, foi um passo, quer nos países mais austeros do Norte, quer nos países mais idealistas do sul. O modelo de desenvolvimento, o triângulo dourado - crescimento do produto, baixa inflação, equilíbrio das contas externas - e a doutrina social da Igreja, (Paulo VI disse “o desenvolvimento de todo o homem e do homem novo e do homem todo é novo nome da paz”, escreveu isto na encíclica populorum progressio), deram cimento a este Estado social europeu que, em cada país da Europa tomou as suas formas diferentes mas que, se vocês analisarem, há aqui uma linha de coerência.

Por isso surgiu a consciência de que o Estado-Providência, Welfare State, faz parte de uma certa ideia da Europa de desenvolvimento de que justamente nos orgulhamos e que faz de nós a região do mundo mais civilizada.

Isto aparece sobretudo no fim da 2ª Guerra Mundial e os Estados vão criar nos cidadãos a ideia de que ele vai suprir para sempre todos os problemas dos cidadãos. O objectivo de acabar com a pobreza, então, foi de tal maneira assumido pelos políticos – era eu um jovem da vossa idade a primeira vez que fui ao Conselho da Europa e ouvi lá um senhor alemão a dizer, com grande coerência, “Nós na Alemanha já não temos pobres. O que temos é alguns inadaptados profissionais.” Eu imagino, não tive ocasião de o encontrar outra vez, mas imagino o que é que ele pensou quando levou em cima com os 14 milhões de pobres da Alemanha Oriental. A verdade é que anos seguidos de desenvolvimento económico na Europa, anos seguidos de crescimento económico fizeram, pouco a pouco, despertar na convicção primeiro dos universitários, dos investigadores, depois na sociedade, finalmente nos políticos – são sempre os últimos a chegar e os primeiros a partir – duas ideias. Primeiro, que os pobres não estavam a acabar na Europa; segundo, não era verdade que o Estado pudesse satisfazer as necessidades crescentes das populações. E isto é curioso porque, como sempre acontece na História, algumas das conquistas do Estado Social haviam de estar na origem de alguns dos problemas com que o Estado Social hoje se debate. Como foi o caso objectivo da diminuição da competitividade, quer em termos de agressividade, quer em termos de projecto e de destino histórico ou em casos mais objectivos, nomeadamente quanto é que custa pagar este Estado Social.

No caso português, Portugal em relação ao índice de competitividade local e de acordo com o World Economic Fund, Portugal desceu, por exemplo, nos últimos anos, de 2004 para 2008, de 24º para 43º. E este é um primeiro número triste. Ficamos atrás da Eslovénia, de Porto Rico, da Tunísia. No que respeita ao custo do Estado Social, ao custo, eu não sou um perito em finanças mas tenho ouvido sempre dizer os meus queridos amigos António Bagão Félix e Professor Medina Carreira, oriundos de duas famílias políticas diversas, um vem do CDS, outro vem do Partido Socialista, dizer que para mantermos este pequeno Estado de providência social que temos em Portugal, que é dos mais pequeninos, Portugal deveria crescer 4% ao ano. Ora meus amigos, Portugal não cresce 4% ao ano desde 1968, era Primeiro-Ministro de Portugal o Professor Marcelo Caetano. E, se quiserem um número mais actual, entre 2005 e 2008, isto aqui mais a ver com os nossos amigos do governo, o crescimento económico em Portugal foi igual a menos de metade da média da União Europeia pois em 4 anos Portugal cresceu apenas 4,8%, enquanto que a União Europeia a 27 cresceu 9,8%.

Voltando ao meu raciocínio de que o Estado Social gerou estes novos problemas, tudo se agravou porque a concorrência de factores como o duplo envelhecimento, porquê?, as pessoas vivem mais tempo e há menos criancinhas, portanto há envelhecimento na base e há menos criancinhas; a emergência na Europa de uma mosaic society, nós hoje temos chineses, temos marroquinos, temos tunisinos, temos negros, a sociedade europeia mudou brutalmente nestes anos e a convicção de que o que interessa é ter sucesso, os europeus em geral e os portugueses, como sempre, em especial, parecem ter esquecido a evidência de que se o mercado é o mecanismo mais eficaz na localização de factores, falha sempre no domínio da repartição.

Mas o que foi sobretudo evidente foi que a incapacidade dos Estados europeus em se articularem com as novas realidades sociais. As realidades, o trabalho das mulheres, o aumento das famílias monoparentais, o declínio de certas zonas industriais, a desagregação das famílias e, sobretudo, o magno problema do envelhecimento na Europa como vamos ver adiante. Que mudou tudo! Porque o envelhecimento muda os perfis de consumo, um idoso consome coisas completamente diferentes das que vocês consomem. E o Serviço Nacional de Saúde, ou o Sistema Nacional de Saúde, é outro consoante o quadro demográfico que tenhamos no nosso país. E por isso se começou nessa altura a falar na falência do estado de providência, isto é, o estado-providência não só não resolvia o problema das pessoas, como não tinha dinheiro para ser mantido. E então começou a aparecer uma certa ideia de sociedade-providência, isto é, mais uma vez os europeus começaram a descobrir, e os portugueses também, que só a sociedade seria capaz de, eventualmente, responder a estas novas realidades que estavam em cima da mesa. E por isso eu chamo-vos aqui a atenção para uma frase do Peter Drucker, que foi um grande guru da gestão, e que disse que o século XX foi o século dos Estados e das empresas e no século XXI iremos assistir ao crescimento exponencial das instituições sem fins lucrativos. Eu devo dizer que tive aqui há cerca de 7 ou 8 meses o Presidente Clinton esteve em Portugal e eu tive a honra de ser convidado para tomar o pequeno-almoço com ele e estavam umas pessoas, grandes empresários, ele quando ouviu falar que eu era presidente de uma associação de ONGs, interessou-se comigo e disse-me uma coisa espantosa, é que nos Estados Unidos, neste momento, há 1 milhão de fundações. Um milhão de fundações. O que vem dar completa razão ao Peter Drucker. E nós assistimos à criação de fundações de todos os tipos, como sejam os casos recentes que estão em cima da mesa, do Bill Gates ou do Warren Buffett que pegou na fortuna dele, ou numa parte da fortuna dele, e entregou ao Bill Gates para fazer uma grande fundação.

Entretanto, neste sentido e nesta linha, nós temos vindo a apurar que se o Estado não pode pagar tudo, é necessário que as famílias e as instituições comparticipem com uma parte e se o Estado não pode fazer tudo, então é necessário que o sector social e o sector privado ajudem à prestação e aqui a prestação, não estou a falar em termos económicos, estou a falar no funcionamento.

Deixem-me agora dizer-lhes o seguinte: ali o Carlos Coelho, nas palavras gentis que disse, disse que eu era Presidente da União das Misericórdias Portuguesas. É verdade e por isso não posso neste contexto, e aproveitando a circunstância de ter aqui 100 jovens, chamar a brasa à minha sardinha para vos perder 5 minutos a falar das Misericórdias Portuguesas.

As Misericórdias não nasceram em Portugal, nasceram na Itália no século XIII, em 1244, e sobre uma forma medieval de confrarias. Isto é, uma associação de pessoas agregadas à sombra das 14 obras da misericórdia, 14 espirituais, 14 materiais, ou seja, de valores cristãos, para voluntariamente ajudar os outros, assim se distinguindo, por exemplo, das Mutualidades, que são associações de pessoas que se reúnem para se ajudarem a si próprias. Enquanto que nas Misericórdias as pessoas se agregam para ajudar os outros, nas Mutualidades as pessoas agregam-se para se ajudarem a si próprias.

O certo é que as Misericórdias rapidamente se espalharam pela Europa até que, em 1498, a Rainha D. Leonor, então regente do reino, na Capela da Terra Solta, em Lisboa, fundou a primeira Casa da Misericórdia que rapidamente se difundiu por todo o país e que nos anos seguintes vão fazer parte daquilo que nós podíamos chamar o “kit” da expansão portuguesa. É assim que no século XVI um provérbio dizia “Um português, um padrão, dois portugueses, um abraço, três portugueses, uma misericórdia”. E, por isso, nós hoje temos Misericórdias em S. Tomé, temos Misericórdias no Brasil, temos Misericórdias em Goa, temos Misericórdias em  Luanda, temos Misericórdias em  Moçambique, temos Misericórdias em  Macau e havia e há notícia de muitas Misericórdias por onde os portugueses passaram e sabemos, ainda hoje há Misericórdias no México, ainda hoje há Misericórdias no Equador e recentemente na nova diáspora portuguesa a partir dos anos 60, se têm constituído novas Misericórdias, como por exemplo a Misericórdia de Paris ou a Misericórdia de Luxemburgo ou a Misericórdia de Pretória ou neste momento está em formação a Misericórdia de Newark.

E o ramo que é curioso, o ramo italiano que continuou sempre a funcionar – em Itália, neste momento há cerca de 700 Misericórdias – as Misericórdias italianas funcionam um bocado como a nossa Protecção Civil, isto, é, em momentos de crise elas intervêm. Por exemplo, o serviço nacional de bombeiros e transporte de ambulâncias, de doentes, em Itália é feito pelas misericórdias italianas, as misericórdias portuguesas desde sempre se viraram  para a gestão dos equipamentos e por isso é que nós hoje temos hospitais, lares, cresces, jardins de infância, etc.

Há duas coisas que eu gostava de vos gostava de falar a propósito das Misericórdia que são muito interessantes. O primeiro é a sua autonomia em relação a todos os poderes, quer aos designados poderes públicos, as Misericórdias desde a sua fundação gozaram de protecção real mas não dependiam do Rei, o que ainda por vezes hoje incomoda os governos que gostavam muito de mandar nas Misericórdias. De vez em quando há um senhor Primeiro Ministro que me telefona a dar ordens e eu tenho que lhe dizer “Desculpe lá ó Senhor Engenheiro, mas a mim não me dá ordens”. Como em relação aos poderes eclesiásticos, as Misericórdias, como eu disse, assentam nos valores cristão, são eclesiais, mas não são eclesiásticas, mas não dependem da da Igreja o que também muitas vezes incomoda os senhores bispos que acham que mandam nas Misericórdias.

O que é muito interessante, e por isso é que eu chamei isto aqui à colação, em sede de políticas sociais, é que as Misericórdias construíram a primeira rede social existente no mundo. Era perfeitamente possível para um português de Castelo de Vide que resolveu ir à aventura no século XV e foi daqui até Lisboa, depois foi para Goa, casou lá, teve um filho, mais não sei o quê, depois foi até Macau, depois chegou a Macau e fez mais não sei o quê, correu-lhe bem a vida, tinha lá uns bens mas depois foi até Nagasaki e depois chegou a Nagasaki, sentiu-se mal e ía morrer. Ele podia fazer, e fizeram milhares de portugueses, ía à Misericórdia e fazia o seu testamento. E o seu testamento era executado em Nagasaki, pela Misericórdia de Nagasaki, em Macau, pela Misericórdia de Macau, em Goa, pela Misericórdia de Goa, em Lisboa, pela Misericórdia de Lisboa e em Castelo de Vide, se ele deixou alguma coisa aqui para Castelo de Vide, pela Misericórdia de Castelo de Vide.

Isto é, meus amigos a primeira rede social que existiu no mundo e é muito interessante que se isto fosse inglês ou americano, estávamos todos a comer isto às pastilhas, como é português ninguém fala nisto nem um bocadinho.

O terceiro aspecto é que isto acontece antes do Estado, antes do tal Estado Social, vem do século XV, e perdura para além do Estado. E porque é que perdura para além do Estado? Por duas coisas. Primeiro, a actualidade dos valores, que são a nossa marca genética XXX a nossa identidade; a segunda é que estas instituições sempre souberam cumprir estes valores tendo a agilidade de as adaptar sempre ao tempo que passa. Sobreviveram porque são úteis.

Vocês não se lembram de uma coisa chamada telex? Não são desse tempo... Sabem o que é um telex? Mas o Carlos sabe... Era uma coisa de comunicar à distância, que nasceu e morreu, hoje ninguém fala no que é um telex. O fax está quase a desaparecer. Mas as Misericórdias não desapareceram e nem nunca estiveram tão grandes como hoje e têm 500 anos.

Pelo meio perdeu-se, não ficou tudo, perdeu-se a Misericórdia de Lisboa. A Misericórdia de Lisboa não é uma Misericórdia, foi nacionalizada em 1834 e por causa disso nós temos a fama que somos ricos, por causa dos jogos sociais. As 400 Misericórdias que hoje existem em Portugal não recebem directamente dinheiro dos jogos, só a Misericórdia de Lisboa é que recebe. A fama de que as Misericórdias são ricas, eu costumo dizer “Somos sim senhor, somos ricos de disponibilidade, de ajudar os outros, ah isso somos riquíssimos, isso é que temos menos e às vezes, quando temos valores, quando temos uma igreja, não vamos vender os azulejos da igreja aos americanos XXX, etc.” Mas isto é muito curioso, vocês têm ouvido falar aí e vamos falar também um bocadinho sobre a rede de cuidados continuados. As Misericórdias que estão sem dinheiro neste momento têm construção ou já construíram 100 unidades de cuidados continuados, a Misericórdia de Lisboa que nada em dinheiro não foi capaz de construir em Lisboa uma única unidade de cuidados continuados. Eu acho até impossível, incarrapassível, deixam-me utilizar a expressão, como o PSD nunca confrontou... Eu vou vos dar aqui uns números sobre envelhecimento, mas adianto-vos já este: o sítio onde se envelhece mais em Portugal é em Lisboa. Não é em Castelo de Vide. Em Castelo de Vide já estão todos velhos. Em Lisboa é o sítio do nosso país onde se envelhece mais, onde há mais gente. E a Misericórdia de Lisboa não foi capaz de construir uma única unidade de cuidados continuados e não é seguramente por falta de dinheiro.

Isto quer dizer que as Misericórdias... Eu não estava a dizer aqui uma coisa que é muito importante, é que as Misericórdias não se substituem ao Estado. As Misericórdias trabalham subsidiariamente com o Estado. As Misericórdias trabalham em regime de subsidiariedade.

Dito isto eu, meus amigos, e para que não me alongar muito, os tais 3 temas que vos disse que ía tratar.

Em primeiro lugar a pobreza. Em 1990, quando o professor Cavaco Silva, na altura Primeiro Ministro de Portugal, me nomeou Comissário Nacional da Luta Contra a Pobreza, eu a correr, reler um livro do Professor Bruto da Costa, em que o Professor Bruto da Costa dava conta que 20% da população era pobre. Em 2008, isto é, 20 anos depois do livro do Prof. Bruto da Costa, o mesmo Prof. Bruto da Costa fez um livro a dizer que 19% da população portuguesa era pobre. O senhor Eng.º Sócrates veio à televisão protestar energicamente dizendo que não era verdade, dizendo que não eram 19%, eram 18%. (risos) É verdade! E gastaram-se, nestes 20 anos, com vários governos, governos do PS, governos do PSD, várias centenas de milhões de euros em nome dos pobres. Não estamos pois perante um fenómeno conjuntural, que acontece num determinado momento, mas estamos perante um fenómeno muito profundo que se prolonga no tempo. E como os governos portugueses não foram capazes de resolver o problema da pobreza, trataram de dignificar a pobreza. E então, passaram a dizer “Pobre mas honrado”, “Pobrete mas alegrete”. E depois, num conceito mais pós-moderno ideológico, assente na igualdade e na solidariedade, como técnica, não como valor, sendo todos iguais, esquecendo que os homens são diferentes, têm diferentes características de amor, de ódio, de ambição, de intrigas, etc. E finalmente numa concepção economicista da pobreza assistida, de que o Rendimento Social de Inserção é a expressão acabada.

Deste melting pot, nasceu em Portugal um conjunto de políticas sociais cujo resultado está à vista: crescente desresponsabilização do Estado e das famílias, crescente cultura de dependência e, no final, desprotecção dos jovens à procura do primeiro emprego. Nós temos 20% de jovens à procura do primeiro emprego desempregados em Portugal. A maior taxa na Europa de desempregados de longa duração, isto é, desempregados há mais de 2 anos consecutivos; crianças em risco, dos doentes e dos idosos – como disse, a eles voltaremos.

E tudo acrescido da maior de todas as dificuldades que é a elevadíssima dificuldade no acesso às respostas sociais. Se eu vos disser assim: “Lá fora estão uns Ferraris, é só sair e cada um de vocês pega num Ferrari”, esqueci-me foi de dizer que, primeiro, não estão aqui, estão nos stands em Lisboa, no Porto e Itália, depois é preciso lá chegar e pagá-los. Mas estão lá fora! O Governo Português... Se vocês pegarem num cidadão americano que pega na legislação portuguesa “Ah, mas vocês têm um Serviço Nacional de Saúde”, o problema é que marcar uma consulta demora 6 meses; “Eh pá, mas vocês não pagam nada por uma cirurgia!”, o problema é que esperam 3 anos por uma cirurgia. Quer dizer, não vale de nada dizermos que temos grandes respostas sociais se depois as pessoas não têm acesso às respostas sociais que estão no quadro legal. E nesse aspecto, meus amigos, o PS é um especialista. Vou-vos dizer, o Partido Socialista, nomeadamente este governo, foi um especialista.

Hoje, para se obter uma simples declaração, um simples acesso é preciso, e vocês contem isto não no vosso quadro cultural, mas no quadro cultural médio da população portuguesa dos mais pobres e dos mais desfavorecidos. E por isso eu tenho vindo a dizer, já o disse no “Portugal de verdade”, repito aqui, que é necessário a adopção de medidas que facilitem e tornem compreensível o acesso, um qualquer, chamem-lhe simplex social, se tiverem um nome mais bonito agradeço, porque acho que é importante.

Depois, tenho ouvido muitos economistas dizer que só há uma forma de combater a pobreza e ela passa pelo desenvolvimento e pela criação de riqueza. É verdade, é verdade, mas basta comparar os anos seguidos de desenvolvimento que houve em Portugal, com a taxa de incidência de riqueza para perceber que isso não é directo. E mais, em Portugal alargou-se, nos últimos anos, o fosse entre os mais ricos e os mais pobres. Segundo o Eurostat, Portugal distingue-se como sendo o país onde a repartição da riqueza é mais desigual. Em Portugal, 20% dos mais ricos recebiam 6,1 vezes mais rendimento que os 20% mais pobres, quando a média na União Europeia é de 4,8. E é preciso termos presente, quando vamos beber um copo, que 10% da população portuguesa vive com menos de 10 euros por dia.

Se nós virmos a taxa de pobreza dos indivíduos com menos de 18 anos, aumentou, em face aos anos anteriores, em 23%. O Eng.º Sócrates está muito contente de ter vindo dos 20 para os 18, ou dos 19 para os 18, ou dos 20 para os 19, mas antes da crise, antes da crise os jovens... A taxa de risco aumentou como nunca tinha aumentado em Portugal. E o endividamento das famílias são estes números assustadores que aqui têm porque passou de 78% do PIB em 2004 para 96% e das empresas de 116% para 140%.

Portanto, meus amigos, o que está aqui em causa é o modelo de desenvolvimento. Se nós não mudarmos o nosso modelo de desenvolvimento, estamos mal nos anos mais próximos. E eu acredito que o nosso sector social tem, de facto, uma importante responsabilidade na mudança, na repartição.

Neste contexto, eu considero particularmente chocantes os números do Rendimento Social de Inserção. E porquê? É que, por um lado temos cada vez mais cidadãos que, embora com emprego, são de tal maneira mal pagos, que às vezes mais vale não trabalhar do que trabalhar para receber o que se recebe. E então as pessoas vão pedir Rendimento Social de Inserção. Em Portugal, em Maio de 2009 havia 360 mil beneficiários do Rendimento Social de Inserção, sofrendo um aumento, entre 2007 e 2009, de 38,6%. Estão a ver como o PS mascara a pobreza? Agora, eu acho chocante, como cidadão, como português, que um indivíduo vá buscar este dinheiro não trabalhando e não seja obrigado a fazer um qualquer trabalho cívico. Dir-se-à “Bom, mas muito disto é para idosos que não são capazes de fazer trabalho cívico nenhum”. Bom, mas então separemos, arranjemos uma coisa para os que não podem e arranjemos outra coisa para o que podem, e os que podem façamo-los fazer algum tipo de trabalho. Seja um trabalho cívico qualquer. Olha, limpar matas, olha, fazer outra coisa qualquer desse género que era muito importante. Porque de outra maneira estamos a alimentar...

(Aplausos)

Obrigado. ...Estamos a alimentar o comodismo e a desresponsabilização social.

O combate à pobreza, do meu ponto de vista, exige o apoio às pequenas e médias empresas e à economia social que são geradores de empregos sustentados e que proporcionam sempre uma repartição mais justa. E por isso eu fiquei muito contente quando ouvi a Dra. Manuela Ferreira Leite, aqui há dias, falar sobre a necessidade de apoio às Pequenas e Médias Empresas e porque acho que é esse o caminho. São as Pequenas e Médias Empresas que dão emprego em Portugal. Também gostava de vos dizer, eu fui Nacional da Luta contra a Pobreza. Os jornalistas, um mês depois de eu ter sido eleito, me perguntavam: “Já há mais pobres em Portugal?”, “Já há menos pobres em Portugal?”. O combate à pobreza exige persistência e tempo e isso não tem nunca acontecido em Portugal. O que não é solução é reduzir a pobreza  a um mero indicador de rendimento e reduzir o combate à pobreza transferindo dinheiro para cima das pessoas, como o PS tem feito sucessivamente. E já vamos ver o que é que isso deu nos idosos.

Estou muito atrasado?... Senão salto aqui umas partes rápidas... Tenho 10 minutos? Então vamos ver se eu dou 5 para o envelhecimento.

Então, eu tenho aqui uns números que depois vos posso dar em sede de envelhecimento, dizer apenas que o envelhecimento em Portugal – e acho que este número é muito interessante, deixem-me só ver se tenho aqui este número – em Portugal a taxa de envelhecimento é de 115,5%, quer dizer que, por cada 100 jovens até 14 anos, nós temos 115 pessoas com mais de 65 anos; no Alentejo esse número sobe para 172,9% e aqui em Castelo de Vide - não resisti, até porque vão dar um passeio e ver o Castelo e ver a Judiaria – este número significa que, por cada 100, há um número astronómico de 235,1%.

Ainda há alguns números que gostava de vos mostrar nesta... Ai, desculpem lá, estou a andar com isto para trás, troquei aqui os dados... Portanto, em Portugal há 1,87 milhões, portanto um milhão e oitocentas e setenta mil pessoas, é o número estimado de idosos em Portugal, portanto 18% da população. Actualmente em Lisboa vivem 33.770 idosos isolados dos quais 82% são mulheres, 1 em cada 4 idosos vive sozinho, 1 em cada 4 idosos com mais de 75 anos ou mais vive sozinho.

Nós temos nas Misericórdias vários milhares de idosos em listas de espera para entrar nos lares, nas nossas instituições do sector social. E outra coisa muito importante é o número de queixas de violência sobre os idosos que aumentou, nos últimos anos, cerca de 20%.

Estes números mais uma vez nos obrigam a pensar, eu já vos disse que estão a mudar as circunstâncias do consumo, e gostava de vos chamar a atenção para duas outras questões que são muito importantes que são, nos idosos não basta a questão do rendimento, há duas outras questões que são fundamentais. É a questão da insegurança dos idosos e a questão da solidão dos idosos.

E por isso eu tenho vindo a defender que mais do que transferir dinheiro para as famílias... Eu tenho alguns amigos e algumas amigas que são professores nos bairros sociais, em escolas próximas de bairros sociais. Todos eles me dizem que os putos que andam naquelas escolas têm 3 telefones: um com Vodafone, outro com TMN, outro com Optimus. Sabem porquê? É que eles vão buscar o dinheiro aos idosos. Ao avô que lá está em casa, à avó que lá está em casa, o dinheiro que vai para os idosos não reverte a favor dos idosos, reverte a favor das famílias. É por isso que, no princípio da crise, eu tive que vir dar aqui uns gritos à comunicação social, porque havia gente que - havendo muitos milhares de idosos em listas de espera - estavam a ir buscar os idosos aos lares. Sabem porquê? Porque aquele dinheiro do idoso fazia falta e então era a forma... Agora, em que condições é que punham o idoso na sua casa? Em que condições punham o avô, a avó, o tio? A dormir na sala, sem casa de banho, mal alimentado!

Eu às vezes vejo alguns partidos dizer que é preciso chamar a responsabilidade das famílias para tomar conta dos seus idosos. Cuidado, cuidado. Nós não temos em Portugal sistemas de controle e arriscamo-nos a tornar mais apetitoso ficar com os idosos em casa para pagar a prestação do carro. E portanto, há aqui, eu tenho vindo a dizer que é fundamental que, em vez de dinheiro, se dêem serviços. As pessoas o que precisam é de alimentação, é de cuidados higiénicos, é de combate à solidão.

Os meus últimos 2 minutos em idosos. Depois já passo para a saúde.

Nós fizemos uma experiência em alguns concelhos, em algumas Misericórdias do interior da Beira, recorrendo às novas tecnologias. Aliás, ontem em conversa chamei a atenção para uma importante entrevista que o Diogo Vasconcelos, nosso querido amigo, deu ao jornal I e em que ele chama a atenção para a importância das novas tecnologias nos idosos. Nós estamos a fazer alguns serviços de tele-assistência com os idosos, estamos a conseguir, mesmo em zonas recônditas do nosso país, manter os idosos em casa porque lhes estamos a dar o que lhes falta. E o que lhes falta é combate à solidão. Nós tempos, por exemplo, montamos um serviço de tele-assistência que é uma pulseira que o idoso se estiver em angústia telefona, aperta, aquilo cai num call-centre, o call-centre telefona-lhe imediatamente e, das duas uma, ou o idoso atente, ou não atende. Se não atende, é despoletado imediatamente um serviço de emergência, a partir da Misericórdia local, que vai a casa ver o que é que se está a passar. Mas se atende, fala-se com ele. 70% dos impulsos dos idosos, é para conversarem, estão sós. Curiosamente, eu julgava que era de noite, não é, é ao fim da tarde, ao cair da noite – pelos vistos os sociólogos e os psiquiatras explicam isso bem, tem um sentido. Mas a verdade é que um serviço desse tipo conseguiu, nessas Misericórdias, atrasar em 2 anos a vontade e o desejo de irem para o lar. E com a taxa de envelhecimento que temos, nós não podemos também transformar o país num imenso lar e por isso, nós na União das Misericórdias e eu próprio me tenho debatido muito por isso, no sentido de fazermos em Portugal um apoio domiciliário sério e à séria que responda a estas questões. E eu penso que essa deve ser uma grande bandeira social do Partido Social Democrata porque isso não é caro. Eu devo dizer-vos que este serviço custa, neste momento com 800 pessoas, custa cerca de 14 euros por mês. Se tivéssemos 5 ou 10 ou 20 mil, era um serviço que vinha para custos de cinco, seis euros por mês. E garanto-vos uma coisa: dá mais emprego, dá mais felicidade e cria mais riqueza do que qualquer TGV que se faça em Portugal.

(Aplausos)

Bom, só para terminar, o seguinte. Como vimos aí, como um dos tais flagelos era a doença, os diferentes países criaram Sistemas Nacionais de Saúde, Portugal arranjou aqui um problema danado. E arranjou um problema danado porque, por razões ideológicas, mais por exemplo, nas respostas sociais, Portugal encontrou uns fundamentalistas ligados à esquerda que fez assentar o Sistema Nacional de Saúde num único prestador, que é o Estado. A ideia é, prestador e pagador. E portanto o Estado só aceita a participação de outras pessoas na área da saúde quando ele, de todo em todo, não é capaz e é sempre a contragosto. E então, eu devo dizer, o Carlos disse que me conheceu era eu Chefe de gabinete da Dra. Leonor Beleza, digamos aí estava, apesar de todos os inputs que nós tentamos fazer para mudar o sistema, encontramos ainda por cima grupos profissionais muito fortes e interessados em que nada mudasse. Os médicos, com certeza, as outras classes de paramédicos, enfermeiros, etc., e os grandes interesses económicos à volta da política do medicamento, que vão desde a indústria à comercialização.

Eu gostava de dizer ainda aqui mais 2 ou 3 números, como vêem tinha para aqui muita coisa para vos dar, mas que acho que é muito interessante, que é: em 2003, dos 76 mil reinternamentos hospitalares, quase metade dizia respeito a pessoas com 65 e mais anos e dos 309 centros de saúde, só 14 é que tinham uma qualquer resposta estruturada em termos de cuidados continuados. E depois este número assustador, que é, em 2008, o custo médio de um internamento hospitalar ronda os 1000 euros. Quer dizer, passarem um dia no hospital é muito mais caro do que passarem um dia no Ritz, em Lisboa. O custo médio de uma unidade de convalescença da rede nacional de cuidados continuados custa 105 euros.

Este problema do envelhecimento fez mudar, necessariamente, o sistema de saúde em Portugal; vai mudar necessariamente. E aqui, meus amigos, na tal “Política de verdade”, eu devo dizer que o PSD tem muita culpa. E o PSD tem muita culpa, porque sempre assentou o sistema numa lógica hospitalocêntrica, isto é, o sistema tivesse um único pilar, é o hospital o hospital de agudos. Ora, por exemplo os ingleses, desde o fim da 2ª Guerra Mundial, assentaram todo o seu sistema na rede de cuidados primários.

O sistema não tem 1 pilar, o sistema tem 3 pilares. Tem um pilar de cuidados primários, te um segundo pilar que são os agudos e tem um terceiro pilar que é o pilar de cuidados continuados. O PS percebeu isso melhor, não foi capaz de fazer, não foi capaz de fazer, não está a ser capaz de fazer. Porquê? Porque tem um impedimento ideológico por trás, é ser ele o único prestador. E isto não é possível. Vocês vejam por exemplo, a Dra. Maria Jorge anda para aí a vender a saúde familiar e mais não sei o quê e eles só fazem, e eu já lhe disse, tem não sei quantas mil pessoas a descoberto, eu disse “Faça um acordo com as Misericórdias, eu asseguro os médicos, eu faço-lhe a rede de cuidados primários”, mas ela não consegue responder, “Ah, estamos a pensar, já temos a legislação pronta”. Têm a legislação pronta há 4 anos porque não a conseguem pôr cá fora por causa de um impedimento ideológico que também vai até aos privados. Embora aqui o PSD tenha uma estranha sedução pelo sector privado em detrimento do sector social e eu acho que as regras de gestão são boas no sector público, no sector privado ou no sector social. O que é preciso é gerir com competência. Todos os dias há sector privado que abre falência e todos os dias há sector público que se distingue pela excelência.

E portanto, meus amigos, eu penso que é importante termos nós a consciência de que o sistema nacional de saúde em Portugal tem que mudar, o que em boa verdade temos que mudar é o nosso paradigma. Se não mudarmos de paradigma, estamos apanhados aqui numa rede muito confusa.

Gostava de lhes dizer o seguinte, para acabar mesmo. O Carlos pediu-me que deixasse algumas respostas. As respostas que lhe digo são estas:

Primeiro, “necessidade de ajustar o modelo de desenvolvimento a uma cidade globalizada, ajustando o paradigma em relação aos valores que asseguram a cidadania, a qualidade de vida e a felicidade”. Se isto não se identifica com os princípios do Partido Social Democrata, então tenho que vir amanhã à noite cá ouvir o Marcelo dizer o que é que é ser Social Democrata hoje.

Depois, “reconhecer a importância da economia social como criadora de riqueza, emprego sustentado e desenvolvimento das comunidades (ver a este respeito a resolução do Parlamento Europeu de 11 de Fevereiro de 2009)”. Reconhecer a importância o sector social enquanto prestador em sede de políticas sociais, porque mais barato, mais fiável e mais qualificado.

Eu não vos disse uma coisa engraçada. Quando a Rainha D. Leonor fundou as Misericórdias, não lhes chamou Santas Casas de Misericórdias, chamou-lhe Casas de Misericórdia. Quem chamou Santas foi o povo, o nome de Santa Casa aparece muito mais tarde. Foi o povo que achou que aquelas casas faziam uma coisa tão bem que deviam ser Santas. Estamos no século XVI, perceberam o que está aqui em cima da mesa.

Depois, “assegurar a promoção da cooperação e do planeamento dos diversos serviços do Estado entre si próprios e com os outros sectores, em especial o sector social, assegurar a responsabilidade do Estado em promover a complementaridade com os outros sectores, assegurar a responsabilidade do Estado no combate ao desperdício, nomeadamente em sede dos sectores de saúde e educação”. Sobre combate ao desperdício no Estado podíamos falar longamente.

 “Assegurar a acessibilidade às respostas sociais e à saúde, em especial dos grupos desfavorecidos; promover a urgente diminuição das assimetrias entre os mais ricos e os mais pobres; promover políticas de envelhecimento que assegurem a distribuição de serviços, combatam a solidão e aumentem a segurança dos idosos”.

Deixem-me só dizer o seguinte. O meu tempo esgotou, estou completamente disponível para o debate e para conversar convosco.

Fico sempre com a sensação que se calhar devia ter pegado no problema de outra maneira, falar ao contrário, discutir outra... O que vos queria dizer é que o Papa João Paulo II, que eu muito admiro, muito admirei e admiro propôs-nos um dia ultrapassar o limiar da esperança. E embora o quadro que eu vos possa ter traçado é excessivamente negro, devo dizer que tive sempre presente quer a extenção fantástica da mudança que operamos nestes anos, quer a capacidade dos portugueses em ultrapassar as crises mais difíceis. O que penso é que, ultrapassar o limiar da esperança, deve ser feito com realismo e com conhecimento seguro da realidade. Vivemos num mundo excessivamente mediático, em que a velocidade da informação tende, inexoravelmente, a deixar para trás o que é essencial. As Misericórdias há 500 anos tratam do que é essencial, que é do homem. Das pessoas. E por isso vos exorto também connosco a ultrapassarmos os limiar da esperança. Muito obrigado.

(Aplausos)

 
Pedro Rodrigues
Muito obrigado ao Dr. Manuel Lemos. Vamos então passar à fase do debate e para iniciar esta fase do debate dou a palavra ao Firmino Serôdio, do Grupo Laranja.
 
Firmino Serôdio
Bom dia Dr. Manuel de Lemos. Esta pergunta que eu lhe vou fazer é no âmbito da luta contra a pobreza e da luta contra o desemprego. A União das Misericórdias Portuguesas estabeleceu com este Governo um protocolo de cooperação no âmbito do programa das Novas Oportunidades. O que eu queria saber era se esse programa, esse protocolo estabelecido entre a União das Misericórdias Portuguesas e o Estado teve resultados práticos e se foi útil a nível da sociedade. Obrigado.
 
Dr.Manuel de Lemos
Obrigado. De facto celebramos um protocolo com o Governo, estamos em fase de desenvolvimento, temos neste momento cerca de 300 pessoas, 300 jovens que entraram nos quadros das Misericórdias, ao abrigo deste programa demos cerca de 300 empregos novos e nós consideramos que, apesar de tudo, foi útil. Porque cada um desses 300 jovens encontraram o que não tinha sido possível até à altura, que era emprego.

Claro que entre a propaganda que o Governo fez sobre isso e o resultado dos 300 jovens, podemos dizer que há uma diferença significativa. Mas sabe que em tempo, somos nós as Misericórdias, os especialistas, e isto, temos que ir devagar e é isso que vamos fazendo. Nós aceitamos tudo isso, todos esses protocolos que se revelem evidentes que beneficiem algumas pessoas. A nossa prática, a nossa postura, é de aceitar.

 
Pedro Rodrigues
Muito obrigado. Marco Saldanha do Grupo Rosa.
 
Marco Saldanha
Bom dia Dr. Manuel de Lemos. Num país cada vez mais envelhecido, as Misericórdias, para além do enorme problema que o Dr. falou das listas de espera nos lares, têm ligadas a elas outro problema não tão falado mas também bastante importante que é o dos lares das Misericórdias serem cada vez mais os últimos recursos das famílias com maiores carências financeiras e que não são assim tão poucas em Portugal. Na sua opinião, o que acha que deve ser feito a nível sócio-económico para inverter esta situação? Obrigado.
 
Dr.Manuel de Lemos
Bom, vamos lá ver, cuidar de um idoso com qualidade custa dinheiro. Senão, então, voltamos àquela ideia de o ter em casa. Cuidar de um idoso com qualidade, embora o preço de cuidar de um idoso em Castelo de Vide seja naturalmente diferente do preço de cuidar de um idoso em Lisboa, no Porto ou em Aveiro, anda entre 700 e 1100 euros. O Estado dá, neste momento, cerca de 370 euros e se nós pensarmos que as reformas médias em Portugal andam nos 250 euros e que, nos termos da lei, o sector social só pode ficar com 85% desses 250 euros, você aos 370 pode somar 230. Estamos nos 600 euros. Quem paga a diferença? Quem tem pago a diferença são as Misericórdias. Por isso é que a nossa situação económica hoje é tão debilitada. Sucessivamente temos vindo a chamar as famílias a contribuir para a diferença. Mas, mais uma vez, há aqui problemas de opções do Estado. Não é credível dizermos que o Estado tem uma política social de idosos e depois, confrontado com os preços, pagar 370 euros, não é?

Portanto, há aqui um problema grave e há um problema sobre o qual a sociedade portuguesa tem que reflectir. É possível tomarmos com qualidade os nossos idosos, lavá-los, limpá-los, com a contribuição do Estado de 370 euros? Não é possível.

 
Pedro Rodrigues
Muito obrigado. André Reis e Silva do Grupo Encarnado.
 
André Reis e Silva
Bom dia Dr. Manuel de Lemos. A minha pergunta é a seguinte: no panorama das grandes urbes, nomeadamente no que diz respeito aos bairros sociais e à exclusão social que neles reina, que medidas podem ser tomadas para que, numa altura em que a assimetria entre ricos e pobres é cada vez maior, estas diferenças possam ser, a longo prazo, atenuadas e os moradores destes bairros possam ser mais facilmente integrados na sociedade. Obrigado.
 
Dr.Manuel de Lemos
Essa é uma política que dava outra palestra. Mas, de facto, a questão das políticas urbanas começou logo no ponto de vista da arquitectura dos bairros sociais. Os bairros sociais transformaram-se em guetos. Em alguns bairros sociais em Lisboa a polícia está à porta para se você for entrar dizer “Olhe, não entre aqui, a partir daqui a gente não se responsabiliza por si”, é o que a polícia faz, se quiser ir lá por dentro já vai por sua conta e risco. Portanto, em algumas zonas da Ribeira do Porto, na Sé, não sei como está neste momento, mas há 10 anos era assim.

Portanto, a própria estrutura, é evidente que um bairro envelhecido, digamos, um bairro histórico, apesar de tudo, tem condições que é mais fácil mudar do que os bairros sociais novos. A primeira coisa que temos que mudar é a própria estrutura arquitectónica desses edifícios.

Os franceses estão a fazer isso agora com algum sucesso, por exemplo, estão a fazer as vias a atravessar os bairros. Para dar também alguma cidadania às pessoas que vivem nos bairros. É vulgar um miúdo que mora num bairro social, num autocarro, sair uma paragem antes ou uma paragem depois, para os outros não perceberem que ele mora lá no bairro. Nós temos que perceber bem o que são os bairros e intervir neles com cuidado, por isso eu disse que o combate à pobreza exigia persistência e tempo. E é preciso desenvolver políticas de proximidade dentro do bairro e isso consegue-se, consegue-se com persistência e tempo porque é necessário ganhar, em primeiro lugar, a credibilidade junto do bairro. Agora, ir lá, fazer uma festa política, fazer um não sei quê, sair na televisão, os tipos vão-se embora e na semana seguinte ficar tudo na mesma, isso contribui para transformar aquele bairro numa situação mais complexa.

A primeira coisa que se deve fazer, eu acho que é criar auto-estima, primeiro identificar bem quem são os líderes dos bairros, depois conversar com eles, depois... separar nos bairros, não são todos criminosos, não andam todos aos tiros, o que se nós não intervirmos bem deixamos que os criminosos que andam todos aos tiros tomem conta dos bairros.

E portanto é preciso ter uma política integrada, uma política contínua e isso, do meu ponto de vista, exige muita reflexão e muito trabalho. Estamos todos a aprender sobre essa matéria.

 
Pedro Rodrigues
Muito obrigado. Sónia Chelinho do Grupo Bege.
 
Sónia Chelinho
Bom dia Dr. Manuel de Lemos. Com a sua palestra nós vimos que as IPSSs ou ONGs vivem com evidentes escassos recursos e sofrem de lacunas várias. Mas também, por outro lado, já vimos que estas instituições já demonstraram uma maior eficácia na prestação de apoios sociais, muitos deles de proximidade comparativamente ao Estado. Assim, como seria possível incluir o corpo de desempregados, que muitos deles são altamente qualificados, na melhoria e no alargamento do apoio prestado por estas instituições?
 
Dr.Manuel de Lemos
É isso um bocado o que nós temos feito. Quer dizer, repare, quando há um bocado a primeira pergunta, as Novas Oportunidades, o que é que nos deu, que empregos é que nos fez... é evidente que estamos a tentar fazer isso, estamos aqui e ali, estamos a fazer algumas experiências inovadoras, por exemplo, algumas Misericórdias, estou a lembrar-me por exemplo da Misericórdia da Amadora, tem um programa em que recolhe empregados qualificados, como disse, e que estão a fazer uma espécie de serviços de proximidade das casas. Uma pessoa que tem um estore que está avariado, que tem uma canalização que não funciona, telefona para a Misericórdia e a Misericórdia vai lá e presta o serviço e dá trabalho àquelas pessoas e dá garantia àquelas pessoas. Tudo isso passa, porque como disse, e muito bem, essas pessoas ao fim do mês querem receber o seu salário, e ainda por cima se trabalharam não estamos a mandá-los para o Rendimento de Inserção Social que é mesmo melhor, não é? Portanto, tudo isto passa por o Estado perceber o papel do sector social. Passa pelo Estado conversar com os responsáveis do sector social, sobre o que é que nós podemos mesmo fazer. E aquilo também, eu tenho dito isso muitas vezes, nós também nos estamos a adaptar à nova realidade, estamos a mudar. Se olhar para o que fazia um Misericórdia há 10 anos ou o que ela faz hoje, os quadros que tinha há 10 anos ou os quadros que tem hoje, são completamente diferentes. Porque nós também percebemos que tínhamos que nos modernizar, quer em termos de gestão, quer em termos de qualificação de recursos humanos para fazer uma melhor prestação.

Tudo isso custa dinheiro e tudo isso... eu muitas vezes costumo dizer: “Não quero mais dinheiro, o que quero é que me deixem trabalhar”. O que quero é que me deixem trabalhar e por isso é que há um bocado vos chamei a atenção para a importância da Resolução do Parlamento Europeu de 11 de Fevereiro porque ela coloca no centro do desenvolvimento europeu a importância da economia social. E a economia social em Portugal, eu podia ficar aqui uma manhã inteira e uma tarde inteira a dar-vos exemplos do que algumas Misericórdias fazem, e eu nem sequer tenho a pretensão de que todas fazem, porque o país é pequenino mas é diverso. E uma solução que pode ser muito boa em Castelo de Vide, pode ser um desastre em Bragança. Esta é uma das grandes vantagens das Misericórdias, eu não sou o Presidente - nem queria ser, graças a Deus - das 400 Misericórdias de Portugal. Nós não somos sequer uma confederação, nós somos uma associação. Portanto, é por isso que nós respeitamos “pensar global, agir local”, eu chamo a isso a “glocalização” que é no sentido de permitir que em cada local, a Misericórdia seja capaz de encontrar as melhores respostas de proximidade para as pessoas.

Por exemplo, quando os portugueses vão ser operados a Cuba, às cataratas, a hospitais que podem ser muito bons mas que nenhuma autoridade portuguesa pública reconheceu, não estão certificados por nenhuma autoridade portuguesa, eu não digo que são maus, digo é que deviam ser... e quando se exige a um hospital português, para funcionar em Portugal, ser sofisticado, e muito bem, porque vão lá ser operados cidadãos portugueses, quando se fazem as contas e se diz “Olhe, uma cirurgia custa 1300 euros a uma catarata” e eu digo “Bem, mas eu faço isso, se me derem 1000 – se me derem uma não, eu tenho que levar 1300 euros – mas se me derem 1000, eu faço isso a 900 euros”. É economia simples, não é? E dizem, “Não, não damos porque vamos resolver isso em sede pública”. Não resolveram nada, continua  a haver... há uma coisa muito engraçada, deixem-me só (um minuto inaudível) um truque para vocês perceberem. Quando o Estado diz que diminui as listas de espera, o que fez foi parar as consultas, tamponou as consultas que dão origem a cirurgia. E portanto, como continuaram a operar, as listas de espera diminuíram, o que aumentaram foi as consultas. E portanto os portugueses continuam a ir a Cuba ser operados , em Portugal os que são operados nos hospitais públicos continuam a ser operados a 1300 ou a 1400 euros e, pior do que isso tudo, você imagine o que é ouvir os Ministros e o Governo falar da qualidade de vida dos idosos e nós termos um idoso cinco e seis anos à espera, com uma catarata, que não vê, numa operação que se faz num quarto de hora.

Só que isso, se nós o pudéssemos deixar trabalhar, para responder à sua pergunta, nós íamos contratar mais médicos, mais enfermeiros, digamos, dar empregos directos e indirectos, que daríamos, isto é, se nos deixassem trabalhar. E muitas vezes não nos deixam trabalhar.

 
Pedro Rodrigues
Muito obrigado. Joana Morais Ribeiro do Grupo Amarelo.
 
Joana Morais Ribeiro
Bom dia Dr. Manuel de Lemos. Eu, em nome do Grupo Amarelo, quero felicitá-lo pela sua exposição. Antes de dizer a minha pergunta, eu vou só referir que sou dentista num centro de saúde e dou consultas gratuitas a muitas pessoas: crianças até aos 16 anos e a pessoas do Rendimento Social de Inserção e posso dizer que estas pessoas são das mais exigentes que nós podemos ter. E que me revolta profundamente quando elas me dizem “É que ninguém nunca me deu a mão!”. Isso revolta-me imenso.

Pronto, e a pergunta é a seguinte: como é que os prestadores...

(30 segundos inaudíveis)

 
Dr.Manuel de Lemos
(30 segundos inaudíveis)...isto que agora é que vai ser bom e se não fala a “Política de verdade”, então prepare-se para mais. Prepare-se para mais. Agora, isso também dá conta de duas coisas. Primeiro, que a generosidade em Portugal mesmo quando não é organizada e individual funciona, ela dá consultas gratuitas...
 
Joana Morais Ribeiro
Eu devo esclarecer que é a minha função. Eu estou a trabalhar num centro de saúde e a nossa política lá nos Açores é dar mesmo... portanto, não é por generosidade só.
 
Dr.Manuel de Lemos
Sim, sim, a vossa política é essa.

Segunda questão. Depois isso não é, mais uma vez,  não é consequente porque vocês têm uma política mais depois faltam as brocas. Quer dizer, acabamos por viver numa realidade virtual. Faz-se a política mas depois não se dão os meios, quer dizer, mais uma vez o Estado não assume a sua responsabilidade. Quer dizer, primeiro responsabilizamos as pessoas e elas reagem consigo como reagem e... Sabe uma coisa, quando eu era Comissário da Pobreza, uma vez uma velhota veio ter comigo e disse-me assim, num bairro social: “Isto está tudo mal! Mas eu agora vou fazer queixa ao padre Manuel Lemos (risos), que ele vai já fazer isto tudo”. E eu disse, “Ai é? Então temos que falar com esse tipo!”. Primeiro achou que eu tinha que ser padre senão não estava lá e portanto esta coisa... Mas sabe também uma coisa engraçada? A determinada altura, era um bairro social que tinha pobres portugueses - de etnia branca - angolanos e ciganos. Vocês vêem já, aquilo era bom, era bom. Mas tinha um espaço para os miúdos e queriam que eu lhes cobrisse o espaço que era para os miúdos poderem brincar nos dias de chuva. E eu vi logo que vinha ali confusão, por dois motivos. Como é que depois aquelas 3 comunidades... E mandei-os fazer... Juntei os 3, deu trabalho juntar os 3 tipos, os 3 líderes, para fazerem um regulamento de utilização do ringue. Eu ainda hoje guardo este documento comigo porque não há uma única palavra que não tenha um erro de português, uma única. Mas é o regulamento mais bem feito - vocês podiam chamar esses tipos todos que estão na Assembleia da República, desculpe lá dizer assim - que eu vi até hoje. Porque o regulamento era completíssimo e eles respeitaram-no até ao fim. Respeitaram-nos até ao fim porque eu lhes entreguei a responsabilidade de se entenderem. Não cheguei lá e não lhes disse como era! Disse, “Ok, eu pago isto, mas vocês vão ter que se entender previamente. Vamos fazer aqui um acordozinho, eu respeito a minha parte, vocês respeitam a vossa parte”. Ou seja, responsabilizei-os, portanto nunca se queixaram, nunca se queixaram. Claro que não pus vidros, se eu pusesse vidros... (gargalhada)

Está a ver? Este processo de lidar -  isto tem um bocado a ver com a questão dos bairros sociais que me puseram há um bocado – isto não se aprende, tem que se viver, tem que se andar por lá porque se não se andar por lá... Sabe o que é que me dizem na Ribeira no Porto? “Oh pá, não feche o carro... É a gente que assalta!...”

(risos)

“Para que é que você fecha o carro? A gente toma-lhe é conta do carro”.

(risos e aplausos)

 
Pedro Rodrigues
Inês Borges Marques do Grupo Azul.
 
Inês Borges Marques
Bom dia Dr. Manuel de Lemos. A pergunta que eu lhe queria fazer era a seguinte: em outros países, o voluntariado é um elemento muito importante na atenuação dos problemas sociais mencionados. Como podemos criar cá um sistema a este nível, que funcione? Obrigada.
 
Dr.Manuel de Lemos
Olhe, eu tinha isto, mas depois como me alarguei muito, saltei essa parte. Eu acho que é fundamental. Nós não podemos entregar tudo, a questão do voluntariado é uma questão central, nós não podemos entregar tudo ao Estado para fazer. Quer dizer, isto não pode ser só tudo à custa de dinheiro. Nós temos que ter uma responsabilidade social e percebermos que, se um dia tomarmos conta dos nossos idosos por exemplos, se criarmos funcionamento voluntário, se tivermos uma sociedade voluntária.... Nós em Portugal temos muitos voluntários, se eu lhe disser que só dirigentes voluntários das Misericórdias são cerca de 8 mil, temos muitos voluntários. Temos é muita vocação para chefe, e pouca vocação para índio. O nosso voluntariado, o dos índios, isto é, o dos que vão ao terreno, é menos do que os que são para directores das instituições. E depois não alimentamos nada, temos umas leis de voluntariado que não funcionam - mais uma vez feitas com pouco conhecimento da realidade – e sobretudo não são atractivas para os jovens.

Eu tenho um filho da vossa idade que o Carlos e o Duarte bem conhecem e ele estudou em Londres e eu muitas vezes ía a Londres e via lá uma coisa na universidade onde ele estudava, uns autocarros, que diziam “Take a ride”. Eu perguntei-lhe o que era aquilo. Era um serviço de voluntariado em que os jovens universitários guiavam uns carros, ajudavam os idosos ali da zona e davam-lhes um passeio. E ele fazia parte, aderiu a isso, tinha um pai voluntário, achou que também devia ser voluntário. E então, no ano seguinte, no campus universitário, ele foi convidado, foi o primeiro a escolher o quarto. E eu não percebia, porque ainda por cima era uma residência nova, perguntei-lhe se aquilo nos ía custar mais caro. Ele disse “Não, porque os pontos que eu tive do voluntariado – nem sabia que aquilo dava pontos, disse-me ele – que fiz na universidade deram-me estes pontos para escolher.

Quer dizer, não havia retorno financeiro, mas havia incentivo. Nenhum jovem inglês faz o seu curriculum vitae sem pôr lá as actividades voluntárias que faz, porque isso é considerado pelas empresas! Porque isso é considerado pelo Estado! Nós não valorizamos nada. Quer dizer, aquela vossa colega faz porque está lá e não sei o quê, mas se ela resolver ir para.. isso não lhe conta para nada no seu curriculum! Mas se ela resolver ir para o café lá em frente beber um copo, é a mesma coisa!

Portanto, nós temos que mudar. Primeiro temos que valorizar o voluntariado e organizá-lo. E neste momento devo dizer que a União das Misericórdias está a criar, criou um movimento, um grupo de voluntariado para coordenar o voluntariado, para também... muitas pessoas se dirigem a nós “Eu gostava de ser voluntário” e depois a gente não tem o que lhe dar para fazer. Porque é preciso também explicar ao voluntário que não é quando ele quer, quem é voluntário, compromete-se. Não é por acaso que os estatutos das Misericórdias - já as italianas e as portuguesas também - não se chamam estatutos, chamam-se compromissos. Porque quem se comprometer, significa, se eu disser a uma idosa “se você se comprometer lá às segundas e quartas feiras”, ela fica como a raposa de Saint-Exupéry, fica à sua espera. E se você não for lá, é pior a emenda que o soneto, não é?...

É necessário termos a noção exacta do que significa ser voluntário, mas é óbvio que temos que mudar as leis do voluntariado. Óbvio, completamente, não tenha dúvidas.

 
Pedro Rodrigues
Miguel Castanheira Santos do Grupo Verde.
 
Miguel Castanheira Santos
Bom dia. Dr. Manuel de Lemos, a equipa verde gostaria de saber que alternativas viáveis pode apontar ao Rendimento Mínimo de Inserção que se tem demonstrado pouco eficaz e resulta numa enorme dependência do Estado Português por parte dos beneficiários.
 
Dr.Manuel de Lemos
Olhe, um grande sociólogo francês socialista, Alain Touraine! – disse, quando em França se criou o Rendimento Mínimo de Inserção, que os franceses estavam a assalariar a exclusão. A assalariar a exclusão. E nós fomos alegremente atrás disto. Lembram-se que foi o governo do Eng.º Guterres.

Bom, eu reconheço alguns aspectos positivos do Rendimento Mínimo de Inserção, mas o que não o posso é admitir livremente. Porque, primeiro, como já disse, vocês foram gentis, bateram palmas, corresponde ao vosso... Se o Rendimento é de Inserção, então é para inserir, não é para desinserir! E então para inserir, insiramos as pessoas! Como? Fazendo-as trabalhar!

(Aplausos)

Não é? Se não as fizermos trabalhar, elas não estão inseridas! Agora dir-se-à, “Está bem, mas há uns velhinhos que nunca mais vão ter possibilidade nenhuma de inserção”. Ok, então arranjemos para eles – eu percebo isso – vamos arranjar para eles, até lhe podemos chamar o “Complemento Solidário para Idosos” se quiserem. Mas agora, chamem-lhe outro nome, separemos as águas. Insiramos quem pode ser inserido e, aos outros, arranjamos um sistema qualquer e estudemos a situação. Agora, dignifiquemos o... Já que fomos por aí, já que eu não vejo governo nenhum com capacidade de acabar com ele, temos de ser realistas em política, então púnhamos-lhe regras claras. Então púnhamos regras claras e estudemos um sistema paralelo aos que não podem ser inseridos. E vamos ver então, ou vai para um, ou vai para outro.

 
Dep.Carlos Coelho
Já que o Dr. Manuel de Lemos citou Alain Touraine, para aqueles entre vós que gostam mais das Ciências Políticas e das ideologias, recomendo-vos um livro que ele escreveu na década de 80, chamado “O Pós-Socialismo”. Alain Touraine é um sociólogo notável em França, da área esquerda do PS, portanto um homem à esquerda dos socialistas. Escreveu um livro chamado “O Pós-Socialismo” que tem como sub-título o seguinte: “Libertar a Esquerda viva das Ideologias mortas”. Repito, “Libertar a Esquerda viva das Ideologias mortas”
 
Pedro Rodrigues
Muito bem, muito obrigado. Henrique Jorge do Grupo Cinzento.
 
Henrique Jorge
Olá, bom dia Dr. Manuel de Lemos. Aqui o Grupo Cinzento gostava de lhe fazer uma pergunta sobre as políticas de natalidade. É o seguinte, o senhor esteve há pouco a falar sobre o modelo de desenvolvimento e a importância da mudanças nesse mesmo modelo. E nós gostávamos de saber em que medida, ou que sugestões é que faz de incentivo à natalidade e apoio às grávidas, de apoio às mulheres; sabe que normalmente as mulheres passam um período de grande preocupação já quando engravidam, têm que escolher a semana já por causa do emprego, etc etc, cresces, esses problemas todos, o senhor deve conhecer de certeza. Pronto, eu gostava que me esclarecesse quanto a isso. Obrigadíssimo.
 
Dr.Manuel de Lemos
Bom, a pergunta não é nada cinzenta... (risos) Vamos lá ver, a diminuição da natalidade nas sociedades ricas é uma constatação, não aconteceu só em Portugal, aconteceu em todas as sociedade europeias e por isso é que nós vemos que alguns países... Se você vir, olhar para os números da demografia - e aqui não estamos no domínio da política, estamos no domínio da ciência porque a demografia é uma ciência exacta -, nós podemos ver a importância, por exemplo, do peso, quando se diz: “Portugal pela primeira vez em 10 anos inverteu a taxa de natalidade”, vamos ver que foram as sociedades que nós importamos, foram os povos de leste, foram as populações africanas que estão cá, são essas que... Por razões que têm a ver, são culturais e têm a ver pela antiga razão porque as famílias tinham muitos filhos.

Na região da Póvoa do Varzim há uma doença que não sei se vocês ouviram já falar, chamada doença dos pézinhos. A doença propagava-se de uma maneira brutal, sabe porquê? Como não havia protecção, um potencial, como aquilo era genético eles mais ou menos sabiam que íam ter a doença, tendiam a ter muitos filhos. Para quê? Para que tivessem alguém, na fase de doença, que tomasse conta deles. O que é que isto dava como resultado? A propagação geométrica da doença. A sociedade de providência, na medida em que tomava conta das pessoas, também as incentivou a não ter filhos. Já não era preciso ter filhos, já não era preciso continuar o negócio.

Há aqui... O estudo disto é muito complexo. E depois, de facto, vieram as questões que você pôs, a mudança, a mudança fundamental do estatuto da mulher na sociedade transformou a mulher numa pessoa que estava em casa a  ter filhos e tomar conta deles, dos que nascessem em mais um... O vencimento da mulher tornou-se uma parte fundamental do orçamento familiar.

Portanto, só há uma forma  de fazer isso, é demonstrar aos jovens casais, primeiro, o encanto de ter filhos, segundo, facilitar-lhes a vida.

Por exemplo, a senhora Ministra da Educação – posso fazer um bocadinho de política? – a senhora Ministra da Educação resolveu fazer uma coisa chamada “Escola a tempo inteiro”. A “Escola a tempo inteiro” é bestial, na Alemanha. Na Alemanha os empregos acabam às 5 da tarde! Portanto, a mãe sai do emprego e vai às 5 da tarde! E até acabou com os acordos que tinha com as Misericórdias e com as IPSSs nas creches. Mas as mulheres portuguesas, num país pobre, com maus transportes, chegam a casa às 7 da tarde. A Misericórdia da Azambuja, às 8 da manhã tem 400 crianças e às 8 da tarde tem 400 crianças. O Estado, quando rescindiu o acordo com a Misericórdia da Azambuja, se a Misericórdia da Azambuja não tivesse alguma capacidade financeira, aquelas 400 crianças depois das 5 e meia da tarde onde estavam? Na rua. Portanto isso não é protecção nenhuma à política de natalidade. Porque ninguém vai ter filhos para depois os abandonar na rua.

A senhora Ministra da Educação, aqui há um mês estava muito espantada, numa conversa que teve comigo, porque é que na Rua 5 de Outubro agora havia muitas creches. Sabe porquê? A senhora mudou a política e as mães trazem os filhos com eles, já não os deixam lá na Amadora, ou em Almada, ou onde viviam! Agora têm que os trazer para a beira do local do emprego porque às 5 e meia têm que ir a correr buscar o filho! Quer dizer, uma mãe que saía do emprego e ía beber um copo com uma amiga, tomar um café, dar uma volta, ir às compras, ao supermercado, todas essas coisas que têm que fazer, ser livre um bocadinho, deixou de poder ser! Isso é política de aproximação da natalidade? Não é política de aproximação da natalidade. E não se reduz, como vê, só a uma questão financeira, há muitos outros factores aqui que vale a pena perceber. Quando eu disse nestas conclusões que vos  propus aqui, que o Estado trabalhasse articuladamente, era muito nisso que eu estava a pensar.

 
Pedro Rodrigues
Muito bem, muito obrigado. Catarina Castelhano do Grupo Roxo.
 
Catarina Castelhano
Bom dia a todos. A nossa pergunta é a seguinte: as autarquias e, em especial as juntas de freguesia, são muitas vezes a primeira porta que se abre e aquela que nunca se fecha no auxílio, na ajuda e no apoio às pessoas em dificuldades. Por este motivo, qual considera ser o papel que deveria ter o poder local nas políticas sociais?
 
Dr.Manuel de Lemos
Olhe, o poder local e as instituições de proximidade, como são as IPSSs em geral e as Misericórdias em particular, só têm uma forma de trabalhar. É em conjunto. O seu alvo, o seu público alvo é rigorosamente o mesmo. Agora, cuidado! A transferência de competências em matérias sociais para as autarquias pode ter aspectos perversos que podem não estar em cima da mesa. Dou um exemplo e dou um exemplo concreto. Em França, a determinada altura, algumas competências em matéria de, por exemplo, acolhimento de idosos, foram transferidos para as mairies que, como sabem, são grandes juntas de freguesia em Portugal. Tiveram que voltar para trás! Porque em algumas mairies só entrava para o lar, ou para a maison de repos quem tivesse o cartão político do presidente da mairie, quem não tinha não entrava... E portanto há aqui uma necessidade de  assegurar... Eu tenho dito que poder local ou poder central é tudo Estado, e o sector social, concretamente as Misericórdias, trabalhamos bem com todos. Com alguma excepções, quando o Presidente da Câmara também quer ser Provedor da Misericórdia ou o Provedor da Misericórdia também quer ser Presidente da Câmara e aí está o caldo entornado!

Eu acho muito interessante os senhor Presidente da República, o Prof. Cavaco Silva, durante alguns anos eu sei que foi um grande adepto da transferência de competências para as autarquias, mas aqui há um ano e tal, ele foi de propósito a Tábua, numa inauguração de uma unidade de cuidados continuados, dizer – foi lá de propósito fazer essa declaração – dizer que, sem prejuízo da transferência dos poderes locais, era preciso perceber que há instituições no terreno que estão naturalmente vocacionadas para gerir melhor. E isso tinha que ser compreendido por todos. Eu penso que esse é o grande jogo que é preciso jogar e por isso, concretamente, a União da Misericórdias tem neste momento, temos tido muitas reuniões com a Associação Nacional de Municípios, temos andado a partir muita pedra e eu acho que é muito importante um trabalho de grande cooperação. Porque nós somos um país pobre, não faz sentido que andemos a duplicar recursos, duplicar recursos para quê? Fazer o que já temos? Não faz sentido nenhum.

 
Pedro Rodrigues
Muito bem. José da Gama do Grupo Castanho
 
José da Gama
Bom dia. Vou focar aqui um ponto, se calhar ainda não foi tocado, que é, com o envelhecimento da população isto significa muitos mais eleitores idosos, o que significa que, mais cedo ou mais tarde, as políticas sociais vão ter um grande peso eleitoral. Os políticos estão de facto preparados para isto, sem serem demagógicos?
 
Dr.Manuel de Lemos
Eu... é assim: se no fim desta conversa... Vocês estão aqui numa Universidade de Verão de um partido político, estão aqui porque se interessam por um conjunto de questões, mas também gostam todos de política. É assim: se no fim desta conversa alguns de vocês sentirem mais interesse por questões sociais, eu acho que fiz linha, se sentirem algum interesse mais pelas instituições do sector social, então eu acho que fiz bingo.

(Aplausos)

Ainda estamos na fase da demagogia, ainda estamos... Mas o que você disse é exactamente assim. E eu congratulo-me muito com o interesse sério que muita gente no PSD começa a ter sobre as políticas dos idosos. E isso, não há ninguém que saiba tudo sobre isto, temos que ter uma grande humildade, eu estudo isto há 20 anos e cada vez acho que sei menos. Temos que ter uma grande humildade, temos que conversar uns com os outros, temos que nos ouvir. Quando chega alguém – ainda ontem disse isso a um colega que está aí – quando chega alguém que diz: “Eu já sei tudo sobre isto”, eu vou-me logo embora. Mas fico cheio de medo, ponho-me logo a um canto, o que é que vem dali? Nós temos que conversar muito, temos que perceber e, sobretudo, o país vai ter que fazer opções.

Eu não disse este número, mas vou dizer, neste momento 18% dos portugueses têm mais de 65 anos. Em 2050 serão 32%. Já viu o peso que isso vai ter nas eleições? É um peso brutal e não é só nas eleições, é em toda a vida portuguesa, é o consumo, são os hábitos, são os lazeres... Não é por acaso que, por acaso, eu agora na União das Misericórdias criei um departamento chamado Turicordia. Sabe para que é? Eu via aí toda agente a fazer turismo com os seniores, eu disse “Então porque é que não vamos ser nós, as Misericórdias, a fazer o turismo sénior?”. Sabemos como fazê-lo, podemos trazê-los a Castelo de Vide, podemos mostrar, podemos fazer animação... E os idosos percebem isto, com os problemas todos culturais que a vossa colega ali dos Açores disse. Com todos esses problemas, mas de facto é um mercado, entre aspas, eleitoral fantástico.

 
Dep.Carlos Coelho
Antes de passar à fase do Catch the Eye , há alguns ex-participantes da Universidade de Verão que nos estão a seguir através da internet, em sinal fechado, e há várias perguntas, não podemos pô-las todas para não prejudicar o debate aqui, mas há 2 que queria passar para o Dr. Manuel de Lemos.

A primeira é da Rita Cipriano, que diz o seguinte: “Todo o homem idoso que morre é uma biblioteca que pega fogo”, diz um provérbio africano mas ser idoso em África é diferente de ser idoso em França, no Canadá é também muito diferente de ser idoso em portugal. A sociedade portuguesa, no geral, encara os seus idosos como um fardo. Dr. Manuel de Lemos, será um problema que está enraizado e que tardará a ser ultrapassado ou, pelo contrário, estamos no bom caminho para o ultrapassar?

Esta é a primeira pergunta, não sei se quer responder já.

 
Dr.Manuel de Lemos
Posso responder. É verdade, embora, felizmente, eu não sou tão pessimista, não acho que toda agente ache que é um fardo, acho que toda a gente sofre com isso porque ninguém gosta de ver um ente querido degradar-se, perder qualidades. E às vezes, a dor que é, sobretudo com o aumento da esperança de vida que traz novos problemas - as demências, os Alzheimers, os Parkinsons, isso tudo -  e, de facto, a nossa sociedade não encontra respostas para isso, não encontra respostas porque não há respostas e não encontra respostas porque quando há resposta temos o tal problema do acesso que eu falei.

Por isso é que, por exemplo, a rede de cuidados continuados é um sinal de bom caminho, é com certeza um sinal de bom caminho, mas temos que fazer mais e sobretudo temos que fazer opções e é nesse sentido que, se é um bom caminho é apenas o princípio do caminho, está muito caminho por fazer.

 
Dep.Carlos Coelho
Muito obrigado. Segunda pergunta é da Teresa Silva, que diz que não pode concordar mais com aquilo que afirmou aqui quanto à opinião que os cuidados são muito mais importantes do que qualquer dinheiro que se possa dar e diz: “Como mudar a mentalidade de subsídio-dependência e substituí-la pelos cuidados próximos de quem mais necessita? Mais ainda, como apostar nos verdadeiros cuidados de saúde? Falamos sempre na necessidade de profissionais de saúde em número suficiente e todos os nossos pensamentos se direccionam para os médicos. Como o Dr. Manuel de Lemos mencionou que conseguia arranjar os médicos através das Misericórdias. E os enfermeiros? Não temos nós de mudar o paradigma dos profissionais de saúde melhor direccionados para a prestação de cuidados?”
 
Dr.Manuel de Lemos
Temos com certeza. Não posso estar mais de acordo. Nós temos que mudar o paradigma da saúde, por isso é que eu disse que esta ideia do hospitalocêntrico, que certos sectores do Partido Social Democrata têm assumido, tem que ser revista rapidamente. Esta coisa do negócio da saúde, do negócio dos hospitais, das parcerias público-privadas, temos que reflectir muito, temos que conversar muito sobre isso, temos que pensar muito sobre isso.

A saúde é, antes de tudo, um serviço, não é um negócio, é um serviço. E portanto, claro que os profissionais têm que ser bem pagos, sejam à escala do que têm que ser pagos, claro, mas temos que olhar para isto como um serviço. E por isso é que... não se preocupem... os profissionais aparecem. Olhe, enfermeiros agora, infelizmente, é o que mais há; podemos às vezes discutir a qualidade da formação, essa é outra questão, mas de facto passamos de um défice de enfermeiros para um superavit de enfermeiros, hoje há muito jovem enfermeiro no desemprego.

 
Pedro Rodrigues
Muito obrigado Dr. Manuel de Lemos. Temos já aqui algumas inscrições livres, entretanto vamos fazendo as inscrições à medida que as questões vão sendo colocadas. Primeira questão é do Jorge Faria de Sousa do Grupo Roxo.
 
Jorge Faria de Sousa
Bom dia a todos.

Dr. Manuel de Lemos, como sabemos existem cada vez mais idosos abandonados ou a viver sozinhos, muitas destas situações são catastróficas, onde os idosos não vivem mas sobrevivem. A minha pergunta é: como pode o Estado central auxiliar as autarquias na criação de organismos e infra-estruturas que permitam o acompanhamento mais próximo, como centros de dia e apoio domiciliário aos idosos?

 
Dr.Manuel de Lemos
Como pode? Eu achava que era melhor fazer ao contrário, começar por ajudar quem está no terreno e quem sabe. E quem está no terreno e quem sabe são as instituições do sector social. E isso pode-se fazer em estreitíssima articulação com as autarquias e há muito bons exemplos no nosso país sobre essa matéria. Hoje nós assistimos a muitas autarquias que constroem equipamentos muitas vezes à custa do horário da autarquia e depois o entregam à Misericórdia ou à IPSS A, B, C ou D. O que acho mal é algumas autarquias estarem a constituir-se IPSSs. Porque se não têm... A questão dos valores, para mim, é essencial e se o que está em cima da mesa é uma pura opção de carácter técnico e não corresponde aos valores, não há uma razão de fundo, de raiz, de raiz solidária, deixem-me encontrar esta palavra mais neutra, depois essas instituições tendem a criar problemas. Portanto eu acredito, apesar de tudo, que uma estreita colaboração... Por exemplo, no caso da união das Misericórdias temos trabalhado muito com a Associação Nacional de Municípios e estamos a ultimar alguns protocolos...

Porque depois os portugueses têm muito uma tendência terrível, têm uma grande dificuldade de conversar uns com os outros e as instituições têm grande dificuldade em participar umas com as outras. Trabalhar em conjunto é muito difícil, muito difícil, e temos que mudar também esse paradigma em Portugal.

Por isso eu disse, os recursos são poucos , vamos lá aproveitar os recursos que existem. Agora, o que eu não aceito é que haja idosos sós e abandonados em péssimas condições como você referiu e que, de facto, há.

 
Pedro Rodrigues
Muito obrigado. António Fonseca.
 
António Fonseca
Bom dia senhor Dr. Manuel de Lemos. Estive a ouvir com muita atenção e felicito a maneira simples e eficaz como explanou este tema. Eu sou enfermeiro, estou no ramo da saúde. Agora a minha pergunta é a seguinte: como tantos idosos em lista de espera, será que a solução passa por famílias de acolhimento? Será que estas famílias de acolhimento estão habilitadas para cuidar os idosos? Será que se poderá tornar um bom negócio? E é tudo, obrigado.
 
Dr.Manuel de Lemos
Deixe-me dizer o seguinte: eu não estou, pessoalmente, não estou convencido que a solução sejam as famílias de acolhimento. Às crianças ainda posso admitir que sim, a criança é a vida que nasce, que começa, está ali, um bebé é um “brinquedo”, deixem-me dizer no bom sentido mais afectivo da coisa. Toda a gente gosta da vida que começa, há alguém que não gosta de bebés? É uma coisa que se pode “moldar” e depois começa a falar e começa a dizer, há assim uma coisa...

A vida que acaba é muito complicado. Aqui há uns anos eu fui ver um lar – não se fazem só coisas todas bem nas Misericórdias, também se faz muita asneira, atenção, vamos lá ser sérios – mas eu fui ver um lar, o Provedor estava muito contente com aquele lar, tinha feito um esforço financeiro grande, tinha posto lá uns mármores bestiais, aquilo custou-lhe uma pipa de massa. Eu fiquei com a sensação de que os idosos pobres que ele lá punha não gostavam muito daquele mármore. Não era o estatuto de vida deles! Dir-se-à, nunca tiveram nada na vida, têm agora uma coisa tão boa. Há limites para isso, não podemos chocar as pessoas para além de um determinado nível de qualidade e de dignidade. Ter as pessoas com qualidade e com dignidade é respeitá-las também no seu percurso cultural e por isso eu tenho algum... não quer dizer que aqui e ali não seja uma solução, mas uma solução modelo não me parece. A grande solução modelo... Aliás, se virmos os outros países da Europa, os que têm isso – eu diria que todos têm isso – mas os que têm isso, quase sempre como residual. O que é importante é fazer nas suas casas, nas casas deles, onde sempre viveram, nas comunidades, com a vizinha da frente, com o vizinho de baixo, com não sei o quê, encontrar... Sobretudo nas cidades médias e pequenas do nosso país... vocês viram aqui o problema de Castelo de Vide, os números de Castelo de Vide... Aí, manter as pessoas o mais possível em casa e fazê-lo também nas grandes cidades.

A experiência inglesa é extraordinária a esse nível e aí, lá está, a capacidade dos voluntários que vão, levam os idosos a passear, que os levam não sei o quê, o aproveitar dos jovens que podem... Aqui há uns anos, nos Estados Unidos, havia uma coisa chamada “Avô por favor”, que era uma coisa gira. Era, pela net, miúdos que estavam em casa sozinhos, aproveitavam, estavam ligados e faziam chat com professores reformados que lhes davam explicações via net das mais diversas disciplinas. Aquilo começou como um programa inter-geracional engraçado, porque os professores estavam nas suas casa e davam explicações aos miúdos que estavam sozinhos em casa, mas depois, à medida que os professores ficavam mais velhos, os miúdos foram crescendo, tinham carta de condução e quiseram-nos conhecer. E levavam-nos a passear, e levavam-nos ao médico. É esse sistema, é esse trabalho que tem muito a ver com a imaginação. Então nós, portugueses, que temos uma imaginação fantástica, apliquemo-la nestas coisas. Seremos capazes de encontrar soluções fantásticas, novas, inovadoras, aproveitemos a potencialidade que nos dão as novas tecnologias.

Eh pá, vou-vos dizer uma coisa, eu tenho 60 anos, daqui a 5 faço parte daquela estatística! Oh Carlos, não é isso, eu tenho um Blackberry, pá! Eu vou ser um idoso diferentes. A geração dos baby-boomers vai chegar aos 65 anos. Portanto, eu vou ter problemas diferentes dos actuais idosos que cá estão, eu sei trabalhar com – mal com os power-point – mas sei trabalhar com o computador. Eu posso ser protegido pelas novas tecnologias! Vai haver milhares dos tais 32% que vão ser capazes de fazer e nós temos que aproveitar isso. É por isso que o trabalho do Diogo é interessantíssimo. Este perfil do próprio perfil do idoso vai mudar e nós temos que ser capazes de encontrar aqui soluções novas e inovadores.

 
Pedro Rodrigues
Miguel Silva.
 
Miguel Nunes Silva
Bom dia Dr. Manuel de Lemos. Obrigado pela sua comunicação até agora, muito interessante. A minha pergunta relaciona-se mais com a possibilidade da sustentabilidade das ajudas sociais. Até que ponto é que as ONGs de apoio social têm um modelo sustentável de prestação desses mesmos serviços? Não apenas em termos de financiamento mas também em termos da sustentabilidade da ajuda que dão, ou seja, aquelas que dependem das doações não são muito sustentáveis porque quando há crises, como é óbvio, as doações diminuem e há oscilações no nível das doações.

E em relação à ajuda prestada, até aqui há umas décadas atrás, a definição de ajuda social era a “sopa dos pobres”, quer era muito importante, mas que a longo prazo não fazia nada para tirar os pobres da situação em que se encontravam.

Portanto, quais são as prioridades, num país como Portugal, que não tem recursos suficientes para acudir a todos? Muito obrigado.

 
Dr.Manuel de Lemos
Desculpe lá, a sua pergunta são duas. Isto é, a primeira é a questão da sustentabilidade das instituições. Porque é que há muitas Misericórdias com hotéis? Porque é que há muitas Misericórdias a criar gado? Porque é que há muitas Misericórdias a fazer... Estou a lembrar-me de uma Misericórdia no Alentejo onde estive na semana passada que está a fazer Pata Negra e chouriços e mais não sei o quê... Porque é que há Misericórdias a fazer azeite? Porque é que há Misericórdias a produzir vinho? Porque é que há Misericórdias a explorar mobiliário? Precisamente para terem recursos que assegurem a sua sustentabilidade para além das doações, como disse, das benemerências, e para além das ajudas do estado. Estamos hoje no domínio da economia social e por isso é que eu mais uma vez lhes faço um apelo a que leiam a resolução de 11 de Fevereiro do Parlamento Europeu que é muito importante nessa matéria.

E é por isso que eu disse ali àquela vossa colega “deixem-nos trabalhar”. Se nos deixarem... Por exemplo, os nossos hospitais... Deixem-me só dizer aqui uma coisinha muito simples que é assim, de vez em quando vocês ouvem dizer: “Ah, mas vocês são beneficiados porque vocês não pagam impostos!” Nós não pagamos impostos, mas nós obrigatoriamente reinvestimos 100% de resultados positivos na actividade. Portanto, se quiser, nós confiamos ao bem público 100% da nossa actividade enquanto que, legitimamente, um empresário paga 32,5 de impostos ou 37,5 de impostos e depois, naturalmente, tira para si e vai fazer o que quiser. O provedor da Misericórdia com um resultado positivo não pode ir comprar um Ferrari; o senhor empresário A, B, C ou D, não quero citar nomes, depois de pagar impostos, pode ir comprar um Ferrari. (Esta coisa do Ferrari deve ser por causa das miniaturas).Há aqui uma primeira questão.

Depois há a questão das prioridades, portanto, assegurada a sustentabilidade ou, pelo menos, minimizada, quais são as grandes questões que nós temos? Eu acho que aqui mais uma vez num país com pequenos recursos, nós temos que nos especializar um bocado. Por exemplo, as Misericórdias orientaram-se muito para a questão da saúde, para as unidades de cuidados continuados, associadas a toda a problemática do envelhecimento. É por isso que as Misericórdias, se quiser, o nosso core, o nosso grande core é tudo o que tenha a ver com isso...

Claro que se me disser, “mas as Misericórdias não têm, por exemplo deficiência profundo?” Têm. “Não têm, por exemplo, cresces de infância?” Têm. Mas há mais gente a ter e a fazer, sobretudo cresces de infância e a fazer bem e tão bem como nós e nós ficamos muito satisfeitos com isso. Temos é que estar todos ao nível dos melhores, mas de facto o nosso grande core é a política de envelhecimento. E por isso é que nos faz muita impressão quando aparecem aí umas pessoas a falar sobre envelhecimento e falam do sector privado, e não falam do sector social, como se não existisse ali... Repare, na saúde fala-se muito nos actores privados na saúde. Vocês sabem quantos hospitais os grandes grupos privados têm? Dois? Três? Sabem quantos tem o grupo de Misericórdias da saúde? 19. Sabem quantas Misericórdias têm actividade de saúde? 183. Sabem quantas unidades de cuidados continuados nós temos em construção e em funcionamento? Neste momento estamos em 120. E se falarmos (e ninguém fala) no grupo Misericórdias da saúde, não interessa, chuta para campo.

Há aqui um desfasamento sobre o qual, e eu tenho o máximo respeito e até tenho parcerias com esses grupos que têm know-hows importantíssimos, que nos acrescenta.. o problema não está na parte deles, coitados, estão a fazer um excelente trabalho! Hospital da Luz, Hospital do Mar, são excelentes hospitais em qualquer parte do mundo! Agora, quando os políticos falam de saúde, não podem fazer de conta que não existe a área social na área da saúde, não podem fazer de conta porque caem no ridículo!

 
Pedro Rodrigues
Muito bem. Nós temos 10 inscrições ainda, o tempo é escasso portanto sugeria que a partir deste momento fizéssemos blocos de 2 questões e dávamos a palavra ao João Janes e a seguir ao Eduardo Freitas.
 
João Janes
Bom dia. Dr. Manuel de Lemos, lembro-me de ser criança e de perguntar ao meu avô qual era o seu maior medo. E eu, pensando que ele ía responder “o meu maior medo é o medo de morrer”, ele respondeu-me: “O meu maior medo é deixar de ser útil”. Acho que estamos num país onde os idosos se sentem cada vez mais inúteis e isto toca num ponto que uma pergunta exterior à Universidade também já tocou. Eu diria até mais, estamos num país em que um desempregado na casa dos 50 anos já se sente um pouco inútil. A minha pergunta é, sendo que noutros países existe outra cultura onde o conhecimento de pessoas mais idosas, o know-how em relação à própria terra, ao turismo, às culturas, às tradições da sua terra, e países onde esse know-how é aproveitado, o que poderíamos nós fazer para que as pessoas mais velhas do nosso país não continuassem a morrer anos antes de terem o seu nome escrito numa lápide? Obrigado.
 
Eduardo Freitas
Bom dia. Eu queria só dizer, eu também sou da área da saúde, apesar de estar a fazer o estágio agora, serei futuramente engenheiro biomédico, pelo menos espero. Poderei dizer, agora que comecei a conhecer um pouco a saúde por dentro, dentro dos hospitais e dentro das clínicas, posso dizer que a saúde está doente. Peço desculpa à minha colega por estar a generalizar um pouco para os médicos todos, mas a saúde é um negócio, principalmente para os médicos. Quando os médicos trabalham nos privados, e existe o lobby dos médicos tarbalhar nos privados, e no público, na avaliação deles não entra a pontualidade, mostra como a saúde está em Portugal. Bastou ver, há uns meses, quando um médico espanhol chegou ao Barreiro e dimimuiu um pouco as listas de espera. A Ordem dos Médicos quis tirá-lo de lá. Mostra como estão os médicos em Portugal. O que é que podemos fazer para acabar com este negócio dos médicos, para acabar com esta promiscuidade que existe entre os médicos e a saúde? Porque acho que é o grande problema da saúde em Portugal. Porque não existe, e os governos não têm pulso, ou não têm coragem suficiente para acabar com esse lobby dos médicos como acabaram agora com o dos professores ou fizeram acabar ao longo dos tempos com o professor. O professor já não está lá em cima, como estava há uns anos e agora é o médico que continua lá em cima.
 
Dr.Manuel de Lemos
Um dos vossos colegas mandou um mail para aqui... (segundos inaudíveis) ... “Todo o homem idoso que morre é uma biblioteca que pega fogo”. É isso. E nós temos que ter na sociedade portuguesa a capacidade de não pensar que um indivíduo que atingiu a idade de reforma que acabou. Aqui há uns anos, eu estava na Misericórdia do Porto, tentei fazer um programa dizendo que a idade da reforma era o princípio de uma terceira idade. E é cada vez mais. Há uns anos atrás as pessoas chegavam aos 60 anos, nem chegavam aos 60 anos, morriam, enquanto a esperança de vida hoje vai até aos 80 e tal anos. Isto é, nós passamos um terço das nossas vidas depois da nossa vida activa. O que por exemplo, deve pôr em conta qual a tal mudança de paradigma, qual a idade da reforma, como é que devemos entender este desacelerar. Como é que podemos aproveitar, se quiser, o conselho dos anciãos, para que as pessoas se sintam úteis? É através do voluntariado? É através do seu Know-how? É através da sua experiência de vida? Por isso eu falei na imaginação!

Reparem, eu ontem a falar com um colega vosso, estivemos a conversar uma conversa interessante e eu disse uma coisa que repito agora que é assim: neste Governo, o Ministério da Solidariedade curiosamente tratou de duas coisas importantes. Do Código Laboral, goste-se ou não se goste, está lá feito, só se pode fazer uma avaliação daqui a 3 ou 4 anos e, de alguma maneira, da sustentabilidade do sistema de Segurança Social com o novo código. Mas não tratou, curiosamente, das pessoas. Falou que ía tratar disso mas não tratou. E as pessoas têm tudo a ver com o que você diz, nomeadamente no caso dos idosos. O tratar das pessoas é fundamental e isso passa também por aproveitar aquilo que as pessoas valem. Porque então é que fazemos das pessoas os tais fardos. Se nós desmotivamos, se tiramos a auto-estima, então aceleramos a morte em vida. E aliás, uma das coisas mais deprimentes é você ir a um lar de idosos... Porque é que, por exemplo, nós começamos nas Misericórdias a gerir a rede de cuidados continuados? Porque não havendo para onde ir as pessoas que estavam lá, nós nos 650 lares que temos, nós temos em média 50% de pessoas acamadas. Temos as pessoas ali assim e ao lado temos um tipo de 65 anos que acabou de entrar, ou de 70 anos, que ainda é activo que, quando vê aquele espectáculo deve pensar lá para ele (eu pensava), quantos dias mais em faltam para eu ficar como aquele?... Quer dizer, a rede de cuidados continuados, para além de poder tratar melhor as pessoas que precisam de cuidados, há-de e deve mudar o perfil do idoso em lar, tornando os lares verdadeiras casas e verdadeiros sítios onde as pessoas se sintam aquilo que em Bruxelas se chama active aging que é, de facto, a forma que as sociedades modernas têm que olhar para os seus idosos.

Em relação à segunda pessoa que falou, eu gostava de dizer o seguinte: nós temos alguns dos melhores médicos profissionais do mundo. Mas isto é como o futebol, é o sistema. Ponham um médico nosso a trabalhar em Inglaterra e ele funciona óptimo. Nós temos alguns dos melhores profissionais; e gente diz mal dos nossos médicos, é mentira, os nossos médicos são bem formados. Agora, o sistema é que permite isto e portanto nós temos que mudar o Sistema Nacional de Saúde e isso implica, mais uma vez, coragem política. O Carlos disse que me conheceu nos tempo da Leonor Beleza, todos sabemos que estes cabelinhos brancos têm a ver com isso... O que é que isso representa? Mas também só há uma forma de mudarmos, é propormos às pessoas e obtermos a adesão da população em coisas que elas percebam. Se mudarmos só para mudar, é como a tampa de tupperware, a gente tem que carregar no meio porque se a gente carrega num lado, ela levanta do outro. E portanto nós temos que propor soluções às pessoas que sejam coerentes porque os nossos profissionais são bons profissionais, o sistema é que é desorganizado e facilita todas as organizações; e até quem quer trabalhar às vezes se vê um bocadinho atrapalhado.

 
Pedro Rodrigues
Muito obrigado. Rui Pereira e a seguir Gonçalo Marques
 
Rui Silva Pereira
Bom dia Dr. Manuel de Lemos. Queria cumprimentá-lo, saudá-lo pelos temas que trouxe, pelas políticas sociais mas queria-lhe perguntar pela questão dos idosos porque me é particularmente caro. Pessoalmente queria puxar por este tema dizendo-lhe que a minha grande referência de vida era uma idosa com 92 anos que era a senhora minha avó de quem tenho todas as referências da minha vida. E que teve a oportunidade de falecer onde sempre quis, em casa dela. Infelizmente, sei que a sociedade não está preparada maioritariamente para isto porque a própria família tem que abdicar de todas as coisas que isto acarreta.

Aquilo que lhe queria perguntar, Dr. Manuel de Lemos, uma vez que venho de um distrito onde as Misericórdias fazem um trabalho fantástico, lembro-me da Misericórdia de Vila Verde e lembro-me da Misericórdia de Braga. Misericórdia de Vila Verde, essa que não teve problema nenhum em atribuir a medalha de ouro ao ex-presidente da Câmara de Vila Verde, agora eurodeputado do Partido Social Democrata, o Eng.º José Manuel Fernandes, pelo serviço que prestou. Mas aquilo que eu lhe queria perguntar era o seguinte, Dr. Manuel de Lemos, os políticos portugueses não andarão a brincar com a terceira idade? E pergunto-lhe isto porque nós vemos uns cartazes na rua de 200 mil idosos que foram retirados da pobreza, mas foram retirados da pobreza com rendimentos de solidariedade de um euro e meio, de dois euros, de cinco euros! Dr. Manuel de Lemos, na família a que pertenço, a minha avó passados 2 meses recebeu um cheque de 5 euros e aquilo que lhe perguntava directamente, isto não fará com que nós não acreditemos em políticas sociais ou num Estado social verdadeiramente dito?

(30 segundos inaudíveis)

 
Gonçalo Maia Marques

(30 segundos inaudíveis)

...pela experiência que tem nas questões sociais, do papel desempenhado pelas paróquias, na prestação de cuidados sociais, nomeadamente através dos centros sociais e paroquiais. Muito obrigado.

 
Dr.Manuel de Lemos
Bom, em relação aqui ao vosso colega que falou ali de Vila Verde, fiquei a saber que é meu conterrâneo quase, e eu conheço muito bem o trabalho da Misericórdia de Vila Verde, como calcula. É um trabalho notável. Já agora, vale a pena dizer que tem sido completamente perseguido por este governo, precisamente talvez por fazer um trabalho notável. E o meu querido amigo Bento Morais tem passado as passas do Algarve por causa dessa matéria.

Eu às tantas disse que o que não se podia fazer era reduzir a pobreza a um mero indicador económico e transferir algum dinheiro só para a pessoa sair do índice e dizer que afinal não são 19, são 18, quer dizer... Isso é o lado mais tristemente brincalhão, se você quiser, da questão. Eu acho  que isso não nos deve fazer desmerecer das políticas sociais, porque de facto as políticas sociais e o estado social contribuiu para que na Europa nós tivéssemos hoje uma sociedade que temos, os tais combate aos 4 flagelos com que eu comecei a minha intervenção.

Temos é que ser mais exigentes! E não é votar no Partido A, B ou C porque aquele tipo tem os olhos azuis ou que tem não sei o quê, mas porque nos faz propostas sérias que nós, portugueses, nos queremos rever nessas propostas e nessa sociedade! Isso é que deve fazer as nossas escolhas! E devemos contribuir... Ontem esteve aqui um jovem brilhante político que é o Paulo Rangel, eu acho que o resultado das – se calhar não devia dizer isto, se calhar estou a dizer que é uma coisa politicamente incorrecta – mas o resultado das eleições europeias, para além do que possa representar de cartões amarelo ao partido do Governo, tem a ver na seriedade com que ele pegou e na forma como os deputados ao Parlamento Europeu, incluindo aqui o meu querido amigo Carlos Coelho, fizeram uma campanha. Fizeram uma campanha séria! E o povo começa a olhar para as campanhas sérias, começamos todos a estar fartos de ouvir dizer, por isso é que temos de ser muito rigorosos na Governo que escolhermos quando ganharmos as eleições, nos ministros que escolhermos, temos que ser rigorosos. Porque senão está-se no poder durante 1 ano, 1 ano e meio, 2 anos, 3 anos e depois as políticas ficam todas a meio. E a política de seriedade e a política de verdade obriga-nos a ser rigorosos. Não é não fazermos política. Eu ontem estava lá no quarto ouvi uma frase que o Dr. Marques Mendes aqui vos disse citando o Dr. Sá Carneiro dizendo que a política sem ética é uma vergonha - a frase do Sá Carneiro é um lamaçal - mas também que sem jogo era uma chatice, a frase era dupla. E a gente tem que fazer política, também nos dá algum gozo, o jogo da política faz-nos sentir... agora, podemos fazer isso e devemos fazer isso em nome dos princípios e acreditar piamente nas políticas sociais.

Quanto à segunda pergunta, deixe-me dizer o seguinte, as paróquias tiveram, têm e terão um papel fundamental por causa da tal proximidade. O que eu acho é que as paróquias estão a entrar num problema complexo. Têm um padre e  um padre muito interessado cria uma associação, depois empenha-se naquilo, depois vem o padre a seguir que não liga nenhuma àquilo e aquilo é uma confusão. Hoje temos algumas paróquias com alguma dificuldade.

Há muitos, muitos anos, era pouco mais velho do que vocês são, havia um bispo no Porto que foi um bispo célebre que foi o António F. Ferreira Gomes. E eu fui com ele a Santo Tirso, mesmo no fim, antes de ele resignar, e paramos numa paróquia que há perto do porto (não digo o nome) em que o Padre - coitado, já faleceu -, mas que era um homem dedicado às questões sociais, construiu um pavilhão, construiu não sei o quê, construiu não sei o que mais. Era um dia de calor e paramos na estrada (ainda não havia auto-estrada), para tomar um cafezinho e eu estava lá parado quando o Sr. D. António chegou. E ele, que tinha estado comigo na cerimónia, chegou à rua, olhou para aquilo e disse assim: “Alguns dos meus padres têm vocação de construtores civis” . E isto tem que ser bem entendido porque o papel dos padres é tratar das almas, é a actividade pastoral, se quiser. Eu percebo que às vezes há uma certa tendência muito oriunda dos padres operários dos anos 60, D. Hélder da Câmara, etc. etc., de fazer uma actividade no terreno e acudir às pessoas e ainda bem que o fizeram. Penso que estão, e responsáveis da igreja sabem isso mesmo, do ponto de vista da União das Misericórdias... Hoje é raro um mês em que não há uma ou duas IPSSs criadas há 20 ou 30 anos que se vêm entregar às Misericórdias. Olhe, em Vila Verde, ainda há pouco tempo, duas IPSSs se foram entregar, porque chegaram a um ponto... É que apesar de tudo, depois de uma fase em que as IPSSs cresceram como cogumelos, a questão da sustentabilidade, que é uma questão difícil. E há aqui uma diferença entre (ficávamos aqui até amanhã) economia social e economia solidária, porque a economia social cria riqueza e a economia solidária distribui. E muitas das paróquias, como não tiveram nem têm possibilidades, pela sua dimensão, de se inserirem no mundo da economia social, estão no plano da economia solidária. O que acontece quando os preços sobem e o Estado não acompanha os custos, essas instituições entram em graves dificuldades. Agora, o seu papel e aquilo que fazem, fora de questão, fantástico.

 
Pedro Rodrigues
Muito obrigado Dr. Manuel de Lemos. Temos mais duas questões. Nuno Carmo e a seguir Rui Bento.
 
Nuno Ricardo do Carmo
Muito bom dia. Eu pedia-lhe por favor, se possível, para mudar um bocadinho o enfoque das suas questões. A minha questão tem um bocadinho a ver com o que o Miguel estaria a perguntar. Estamos a focar muito nas Misericórdias, com todo o valor que têm e etc., mas a mim parece-me que estamos a seguir a lógica que tanto criticamos em relação ao Partido Socialista e o apoio às grandes corporações ou às PMEs. As Misericórdias têm um papel importantíssimo na sociedade e ninguém duvida disso. Mas, em termos objectivos, quem mais necessita de ajuda, serão as IPSSs e ONGs de pequena capacidade que fazem muitas vezes o trabalho “sujo” e não só ao nível da terceira idade, que mais uma vez tem todo o seu valor, mas não é o principal problema em Portugal.

Na minha experiência profissional, eu já cooperei neste sector, nós temos ONGs e IPSSs que têm uma força laboral de duas, três pessoas, que se multiplicam e que fazem absolutamente tudo o que é necessário, muitas vezes sem recursos, tanto a nível financeiro como a nível de staff.

A mim preocupa-me em 2 vertentes diferentes. Primeiro, como é que há realmente uma perspectiva de trabalhar de costas voltadas neste sector, em que há realmente uma duplicação de esforços e há um número em demasia de projectos que se  duplicam a que acabam por não ser eficazes por isso mesmo; e com isso falta uma política de integração entre estas mesmas associações. Porque um utente pode saltar de instituição em instituição e beneficiar dos serviços prestados, não havendo essa interligação entre todas estas associações uma pessoa acaba por beneficiar de uma forma extrema e acaba por proporcionar uma viciação de serviços e de acesso aos serviços, que é precisamente aquilo que queremos combater.

E, por último, pergunto-lhe de que forma é que se justifica uma fiscalização neste sector, no sentido em que temos várias associações, principalmente as com menos capacidades que, por serem sem fins lucrativos, têm liberdade total de fazer o que bem entendem e não há uma fiscalização em relação àquilo que realmente é feito, e de forma é que pode, ou não, ser melhorado para aí, sim, beneficiar a sociedade em geral.

 
Rui Pedro Bento
Muito bom dia Dr. Manuel de Lemos. Antes de mais, muito obrigado pela sua intervenção tão inspiradora com que nos presenteou. Nós, penso que todos, já percebemos que por vezes há uma má fé da parte do Estado, fruto talvez de um atoleiro ideológico que suspeita da solidariedade e da caridade que não tem origem numa cartilha ideológica jacobina. Porém, não acha que, além do Estado, as empresas privadas também poderiam ou deveriam ter um papel fundamental em oferecer oportunidades novas, e não novas oportunidades, aos idosos, que tantas  vezes estão válidos ainda para desempenhar inúmeras tarefas? Eu dou-lhe um exemplo muito simples.

No início desta década, do século XXI, houve uma companhia aérea nos Estados Unidos da América que recrutou milhares de idosos com mais de 65 anos, sobretudo nos estados deprimidos do sul do país (Arkansas, Alabama, etc.), para, individualmente, servirem de call-center para essa empresa aérea. Olhe, com isso conseguiu aumentar o rendimento dos idosos e um verdadeiro rendimento, este sim, suplemento solidário que paga imposto, ainda por cima, aumentou a riqueza criada no país, aumentou o volume de negócios da empresa e, consequentemente, criou mais empregos também para jovens, diminuiu a solidão dos idosos, estes voltaram a sentir-se úteis, etc. Portanto, volto à minha pergunta: qual é o papel, na sua opinião, que as empresas privadas podem ter em recrutar novamente idosos? Muito obrigado.

 
Dr.Manuel de Lemos
Respondendo em primeiro lugar ao vosso colega eu dizia assim: quem precisa de ajuda - eu não reclamei ajuda para as Misericórdias, atenção – quem precisa de ajuda são as pessoas. As pessoas é que precisam de ajuda, as instituições existem para servir as pessoas. E, naturalmente, é evidente que as instituições grandes têm mais que recursos e têm mais que capacidade que as pequeninas ONGs e IPSSs e por isso eu acho... E devo dizer que tenho encontrado no meu colega presidente da CNIS, Dr. Lino Maia, a total colaboração. Nós temos reunido com regularidade, no sentido de encontrarmos e juntarmos esforços precisamente para que façamos uma coisa que tem muito a ver com a nossa natureza. Só nós é que fazemos, depois não trocamos, não aproveitamos os recursos, eu estou completamente de acordo consigo, o esforço de cooperação também tem que ser no sector social e, como eu disse há um bocadinho, eu penso que vocês apanhou isso, é que eu disse que não só fazíamos coisas bem, também tínhamos que nos modernizar e aí o papel de moderador do Estado...

Quer dizer, nós estamos a falar aqui de políticas sociais, se calhar por eu ser presidente da União das Misericórdias centramos muito mais isto no papel do sector social, mas a responsabilidade das políticas sociais continua a ser do Estado! Nós somos subsidiários! Nós podemos é ser prestadores e ajudar no financiamento, mas a responsabilidade é do Estado Português. Ao Estado Português é que cabe definir as políticas. O que nós dizemos e o que nós reclamamos, nós Misericórdias, nós Confederação das IPSSs, nós União das Mutualidades é: ouçam-nos! Porquê? Nós estamos no terreno, sabemos prestar, temos disponibilidade para prestar, somos mais ágeis, temos a mesma qualidade, somos mais fiáveis e somos mais baratos, e isso num país pesa. Portanto, ouçam-nos. Aproveitem a nossa subsidiariedade. É um pressuposto do que eu disse que a responsabilidade primeira é do Estado Português, não é nossa.

Em relação ao que o vosso colega disse, eu gostava de lhe responder com um exemplo. Eu gostei muito daquele exemplo dos idosos da companhia, mas deixe-me dizer o seguinte. Na tal experiência que eu lhe disse que estamos a fazer com os idosos do serviço de tele-assistência, nós temos um call-center. Sabe que é que nós temos lá no call-center? Deficientes. Começamos por não ter, mas sucessivamente fomos percebendo que os deficientes até prestavam melhor trabalho, eram mais concentrados. E, como ouviam pessoas que eram solitárias, pessoas que estavam sós, eles tinham maior disponibilidade para perceber o que é que aquelas pessoas do lado de lá estavam a dizer. E isso criou trabalho, demos-lhes emprego, demos-lhes oportunidades novas, estamos a criar de outra maneira esses jovens que são jovens como vocês, que têm, naturalmente, mais limitações no mercado de trabalho, conseguimos encontrar-lhes um trabalho.

Por isso é que eu disse que isso tem muito a ver com a nossa imaginação. Essa empresa teve imaginação, essa empresa viu longe, porque viu, obtinha um resultado, uma responsabilidade social mas foi capaz de com isso não perder dinheiro, até ganhar dinheiro e criar riqueza. E isso passa muito pela capacidade de sentar aí à beira de vocês alguns dos nossos empresários que não têm muito esta ideia. Portanto, as empresas perceberem a sua responsabilidade social é algo de muito fundamental e que passa por isso, têm que perceber que são capazes de ganhar com isso se mudarem o seu próprio paradigma. Essa empresa mudou o paradigma. Se calhar o mais fácil era fazer o que os outros faziam e ela foi capaz de mudar porque a necessidade levou a isso. Os empresários portugueses precisam de ser confrontados com isso, na perspectiva do que... Ouça, aqui há uns anos atrás, algumas pessoas do PSD que não gostam também muito do sector social, arranjaram uma coisa fantástica que foi “sector privado sem fins lucrativos”, como se alguém associasse capitais para não ter lucro. É uma contradição nos termos! No sector privado associam-se capitais, no sector social associam-se pessoas, que é uma coisa diferente. No sector privado há lucros, detêm-se cotas, no sector social não há lucros, porque o lucro é a remuneração do capital; não há capitais, como é que há lucros? Não se detêm cotas, pagam-se cotas, que é uma coisa diferente. Eu sou irmão de praí não sei quantas Misericórdias, quando eu morrer os meus filhos não vão herdar essa qualidade. Mas das empresas em que estou, eles vão herdar as cotas. Portanto, é outro mundo. Uma coisa é responsabilidade social da empresa, mas essa empresa fez isso na perspectiva de ter lucro e conseguiu porque fez bem! E portanto, da mesma maneira que o voluntário, os jovens voluntários devem ser, não pagos, porque então deixavam de ser voluntários, passavam a ser profissionais, mas deve ser reconhecido socialmente isso. Eu amanhã percebo que um Estado intervenha com isso como um factor na grelha de avaliação de um concurso quando for entregar a um concurso. Em vez de ser porque tem na administração o político A, B, C ou D, que era uma pessoa muito importante e consegue fazer lobby, se calhar é mais importante que tenham essa actividade e que isso seja um factor importante da grelha de avaliação no processo de decisão. É isso.

 
Dep.Carlos Coelho
Muito bem, chegou a altura de nós agradecermos ao Dr. Manuel de Lemos a excelente aula que nos proporcionou e as respostas que deu às nossas perguntas. O Pedro Rodrigues e eu vamos acompanhá-lo à saída, de acordo com as regras, eu peço ao Duarte Marques e à equipa dos avaliadores para passar para aqui.
 
Dr.Manuel de Lemos
Muito e muito obrigado.

(Aplausos)